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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, dezembro 09, 2010

A morte do Euro, o coma do Dólar - Parte II




Segunda parte do artigo acerca do futuro do Euro e do Dólar.
A primeira parte pode ser encontrada neste link.

 E porque não sair?

Antes de analisar as consequências do mau estado do Euro sobre o destino do Dólar, uma pergunta: Mas não é possível evitar o caminho até aqui descrito, talvez com a saída dum País da Zona Euro?

Tecnicamente é possível, mas é preciso respeitar determinadas condições.

Vamos distinguir entre saída da União Europeia e do Euro.

O Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 01 de Dezembro de 2009, afirma, pela primeira vez e expressamente, o direito de qualquer Estado a sair da União Europeia (artigo 50), opção antes inexistente nos anteriores tratados europeus.

O processo de separação exige que o Estado que quer abandonar a União Europeia comunique a escolha ao Conselho da UE.
Neste altura é aberta uma negociação entre a União e o Estado, culminando num acordo que estabelece os termos para a rescisão, com uma resolução que tem de ser aprovada pela maioria do Conselho e aprovado pelo Euro-Parlamento. É possível voltar atrás na escolha, mas neste caso, o Estado será de novo submetido aos normais procedimentos  para a adesão. O que faz sentido.

O Tratado de Lisboa não prevê a possibilidade dum Estado abandonar o Euro.
A única possibilidade para sair é utilizar a clausula de abandono da União Europeia, a prevista pelo Tratado de Lisboa.

Nem há sequer o direito de expulsar um membro do Euro. De facto, o Conselho da UE só pode fazer recomendações ao Estado-Membro para verificar a existência dum deficit excessivo. Além disso, mesmo se o País continuar a violar as recomendações, o Conselho só pode convoca-lo para pedir de implementar medidas de contenção e impor sanções.

Por isso, como afirmado, a resposta é "Sim, é possível sair do Euro", mas isso significa automaticamente abandonar a União também.

Além das dificuldades burocráticas e das ligadas à introdução duma moeda nacional "nova" (mesmo que seja a velha pre-Euro), pela qual será preciso negociar uma taxa de câmbio, isso implica abandonar, por exemplo, o Tratado de Schengen, que regula a livre circulação de pessoas e mercadorias entre Países da União.

Os antigos tratados entre Países, de facto, foram ultrapassados pela União, por isso o País "exule" deveria, provavelmente, renegociar o próprio status mesmo em relação aos outros Membros. Reintrodução das alfandegas, acordos bilaterais, isso para não falar dos problemas estritamente económicos que mereceriam um longo capitulo à parte.

De facto, o Euro foi implementado e encarado por todos como uma via só com um sentido. Por isso, sair é possível, mas os custos, não apenas económicos, são muito elevados.


O que acontecerá com o Dólar?

Até aqui o Euro. Mas do outro lado do Atlântico?

A Zona Euro é pequena, mas não muito pequena.

Naturalmente, a Zona Euro é menor do que a área do Dólar, mas não de muito:o PIB do Velho Continente (só Zona Euro) em 2009 foi de 11 trilhões de Dólares, cerca de 78% do PIB dos Estados Unidos.


Por isso, é evidente que qualquer grande mudança sobre o Euro teria um enorme impacto no resto da economia mundial, incluindo os Estados Unidos e o Dólar.

Então, se ocorrer (no caso pior) um colapso completo do Euro, ou (na melhor das hipóteses) a expulsão das economias fracas da Eurozona, os grandes vencedores serão os metais preciosos, os produtos (industriais, agrícolas, petróleo), o Franco Suíço Libra Britânica, os Títulos do governo britânico, o Dólar e os Títulos do Tesouro dos EUA. Nessa ordem.
Os Europeus têm uma história atrás: sabem que em tempos difíceis, os metais preciosos são o porto mais seguro. Além disso, muitos deles (e com razão) não confiam nos bobos que gerem a Federal Reserve e acreditam que repetidos quantitative easing são loucuras.

Por isso, iriam fugir do Euro para os metais preciosos. E também os produtos irão aumentariam pelo mesmo motivo.

O Dólar iria subir também com a queda do Euro; mas não pelo facto de ser tão tão atraente, pois não é. Tal como afirmado, os Europeus não confiam nos loucos da FED, mas ao abandonar o Euro, uma parte deles acabará, inevitavelmente, no Dólar, mesmo que apenas como forma de protecção contra os movimentos bruscos do Franco e da Libra.

O mesmo aplica-se aos Títulos do Tesouro dos EUA. Os rendimentos absurdos ficariam ainda mais absurdos, mas os Títulos dos Estados Unidos seriam uma classe de activos de última instância para o capital europeu.

Portanto, independentemente da forma como o Euro irá acabar, com um colapso da moeda ou um êxodo dos membros fracos e insolventes, o Dólar sairá fortalecido de alguma forma, embora não numa medida comparável com a Libra inglesa ou o Franco suíço. 

Os Estados Unidos vêm com bons olhos o fim do Euro?
Não é assim simples.

O Dólar iria enfraquecer contra os metais preciosos e os produtos de todas as classes, uma vez acabado o Euro.

Um colapso total ou parcial da moeda única europeia iria acelerar a chegada da hiperinflação do Dólar.

A razão é que mesmo com o Dólar fortalecido perante as maioria das outras moedas, cairia contra os metais preciosos e os produtos, inclusive o petróleo. O aumento dos preços de todos os produtos iria colocar pressão sobre a moeda americana, empurrando a economia dos EUA ainda mais no sentido que já está a acontecendo.

Assim, um colapso do Euro não é uma boa notícia para o Dólar, pelo contrário: irá acelerar a queda da moeda americana.

Por isso: Euro desaparecido, Dólar em queda livre após um efémero fortalecimento, salvação do Franco Suíço e da Lira Esterlina. Isso é, das duas principais moedas europeias que não são parte do Euro.

É este um cenário verosímil? Sim, é possível. Não certo, mas possível.

E a tudo isso podemos acrescentar um bloco eurasiático que fica à janela, observa, e torna-se o novo centro geopolítico e económico do planeta.

A bem ver, não é uma grande surpresa

Ipse dixit.
*InfInc.

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