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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
quarta-feira, dezembro 29, 2010
Crise neoliberal e sofrimento humano
Reproduzo artigo do teólogo Leonardo Boff, publicado no sítio da Adital:
O balanço que faço de 2010 vai ser diferente. Enfatizo um dado pouco referido nas análises: o imenso sofrimento humano, a desestruturação subjetiva especialmente dos assalariados, devido à reorganização econômico-financeira mundial.
Há muito que se operou a "grande transformação" (Polaniy), colocando a economia como o eixo articulador de toda a vida social, subordinando a política e anulando a ética. Quando a economia entra em crise, como sucede atualmente, tudo é sacrificado para salvá-la. Penaliza-se toda a sociedade como na Grécia, na Irlanda, em Portugal, na Espanha e mesmo dos USA em nome do saneamento da economia. O que deveria ser meio transforma-se num fim em si mesmo.
Colocado em situação de crise, o sistema neoliberal tende a radicalizar sua lógica e a explorar mais ainda a força de trabalho. Ao invés de mudar de rumo, faz mais do mesmo, colocando pesada cruz sobre as costas dos trabalhadores. Não se trata daquilo relativamente já estudado do "assédio moral", vale dizer, das humilhações persistentes e prolongadas de trabalhadores e trabalhadoras para subordiná-los, amedrontá-los e, por fim, levá-los a deixar o trabalho. O sofrimento agora é mais generalizado e difuso afetando, ora mais ora menos, o conjunto dos países centrais. Trata-se de uma espécie de "mal-estar da globalização" em processo de erosão humanística.
Ele se expressa por grave depressão coletiva, destruição do horizonte da esperança, perda da alegria de viver, vontade de sumir do mapa e até, em muitos, de tirar a própria vida. Por causa da crise, as empresas e seus gestores levam a competitividade até a um limite extremo, estipulam metas quase inalcançáveis, infundindo nos trabalhadores, angústias, medo e, não raro, síndrome de pânico. Cobra-se tudo deles: entrega incondicional e plena disponibilidade, dilacerando sua subjetividade e destruindo as relações familiares. Estima-se que no Brasil cerca de 15 milhões de pessoas sofram este tipo de depressão, ligada às sobrecargas do trabalho.
A pesquisadora Margarida Barreto, médica especialista em saúde do trabalho, observou que no ano passado, numa pesquisa ouvindo 400 pessoas, que cerca de um quarto delas teve ideias suicidas por causa da excessiva cobrança no trabalho. Continua ela: "é preciso ver a tentativa de tirar a própria vida como uma grande denúncia às condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo nas últimas décadas".
Especialmente são afetados os bancários do setor financeiro, altamente especulativo e orientado para a maximalização dos lucros. Uma pesquisa de 2009 feita pelo professor Marcelo Augusto Finazzi Santos, da Universidade de Brasília, apurou que entre 1996 a 2005, a cada 20 dias, um bancário se suicidava, por causa das pressões por metas, excesso de tarefas e pavor do desemprego. Os gestores atuais mostram-se insensíveis ao sofrimento de seus funcionários, acrescentando-lhes ainda mais sofrimento.
A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de três mil pessoas se suicidam diariamente, muitas delas por causa da abusiva pressão do trabalho. O Le Monde Diplomatique de novembro do corrente ano denunciou que entre os motivos das greves de outubro na França, se achava também o protesto contra o acelerado ritmo de trabalho imposto pelas fábricas causando nervosismo, irritabilidade e ansiedade. Relançou-se a frase de 1968 que rezava: "metrô, trabalho, cama", atualizando-a agora como "metrô, trabalho, túmulo". Quer dizer, doenças letais ou o suicídio como efeito da superexploração capitalista.
Nas análises que se fazem da atual crise, importa incorporar este dado perverso que é o oceano de sofrimento que está sendo imposto à população, sobretudo, aos pobres, no propósito de salvar o sistema econômico, controlado por poucas forças, extremamente fortes, mas desumanas e sem piedade. Uma razão a mais para superá-lo historicamente, além de condená-lo moralmente. Nessa direção caminha a consciência ética da humanidade, bem representada nas várias realizações do Fórum Social Mundial entre outras.
*Miro
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