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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, dezembro 16, 2010

A esquerda brasileira deve se preparar para uma luta titânica nos próximos meses e anos vindouros.





 A calmaria atual, só perturbada pelas conjecturas em torno do novo governo, é só a bonança que antecede a tempestade.
Flávio Aguiar
Quando José Serra decidiu não enfrentar Lula diretamente na eleição de 2010, ele traçou o destino de sua campanha. Esta só poderia se dar pela desqualificação da candidata da situação, Dilma Roussef. De si mesmo, Serra não podia mostrar muita coisa, pois não queria exibir o anti-Lula que, na verdade, era. Das duas, ambas só poderia, portanto, ou se afirmar esvaziando Dilma, ou preenchendo o perfil desta de coisas negativas.
Esvaziar Dilma, embora tentado, mostrou-se difícil. As insinuações de que ela seria um “poste”, de que seria apenas uma “sombra” do presidente Lula, etc., esbarraram no crescimento pessoal da candidata que foi ganhando, ainda que de forma lenta, gradual, e não muito segura, cada vez mais personalidade e luz própria na disputa.
Restou, portanto, como mais tentador e promissor, o caminho do ataque cada vez mais indiscriminado contra tudo e contra todos que pudessem ajudar Dilma, inclusive, ela própria. Desse caminho pedregoso escolhido por Serra e seu marketing, saíram “achados” como os de acusar Evo Morales de subserviência, senão cumplicidade, com o narcotráfico, e as pesadas pedradas (essas sim não eram bolinhas de papel) do aborto, da corrupção em seu gabinete, etc.
Serra teve ajuda nisso: a mídia sempre-alerta se encarregou de começar a caça a algo no passado de Dilma que lhe sujasse as mãos, de sangue, ou de dinheiro subtraído a bancos, ou de outras fontes, durante a ditadura militar. Isso também não deu em nada. Nem mesmo os papéis revelados pelo Wikileaks, onde antigo embaixador dos EUA levanta suspeitas sobre a participação de Dilma no “planejamento de assaltos a banco” e ao famoso “cofre do Ademar” chegam a levantar qualquer acusação digna de ser levada a sério.
Por outro lado, a “candidata terceira-via”, Marina da Silva, e a CNBB, adotaram a política de maior inspiração em Pôncio Pilatos do que no Cristo, lavando vergonhosamente as mãos diante da enxurrada de acusações e assacações que começaram a se avolumar, uma, na esperança de captar votos que de Dilma emigrassem por questões religiosas, outra no propósito de manter cativo seu rebanho em sua histórica disputa com o Estado secular, coisa que no Brasil remonta ao século XIX.
Foi este conjunto de fatores, com raiz na escolha do candidato Serra quanto ao estilo de sua campanha, que escancarou a porta para a participação cada vez mais intensa da extrema direita na campanha eleitoral, com um espaço que antes era mais restrito. Essa participação se deu em três frentes: a dos viúvos da ditadura, a da Opus Dei concentrada entre bispos da CNBB/São Paulo, e a daqueles que se sentem ameaçados em seus privilégios por verem pobres ou ex-pobres comprando/passeando em shopping-centers ou viajando de avião.
Isso deu à campanha de 2010 o tom odioso, vulgar baixo que ela teve, da direita para a esquerda, não o contrário. Além das filipetas derramadas a partir dos púlpitos religiosos que estavam em conluio com esse verdadeiro pacto demoníaco de extrema-direita, esta descobriu de imediato a internet como veículo de difamação. Enquanto isso, boa parte da nossa esquerda titubeava no partidor, como costuma fazer quanto às comunicações. O que salvou um pouco do espaço foi a comunidade dos que chamo blogueiramente de “os irregulares de Baker Street”, lembrando os jovens de rua que ajudavam o famoso detetive de Conan Doyle em suas investigações.
A questão é que essa direita, desperta de sua letargia, veio para ficar, e vai entrar no espaço político sempre que estiver disposta a desqualificá’-lo, como tentou fazer em 2010. Bom, deve-se reconhecer que, como os adeptos do Tea Party em relação ao Partido Republicano tradicional, eles podem tanto ajudar como atrapalhar seus aliados, por não terem, no fundo, compromisso com eles nem com o seu espaço político. Mas certamente estarão, sempre que puderem, envenenando o espaço político geral com a sanha de seus preconceitos. Com relação a Dilma, estarão naquela palavra de ordem antigamente lançada contra Juscelino: não deve se candidatar; se candidata, etc. até o se empossada, não deve governar.
Assim sendo, a esquerda deve se preparar para uma luta titânica nos próximos meses e anos vindouros. A calmaria atual, só perturbada pelas conjeturas em torno do novo governo, é só a bonança que antecede a tempestade. O arco contra Dilma reuniu uma frente que vai dos liberais do The Economist e do Financial Times, passando pelo Papa e pelos reacionários de Wall Street, até os porões ainda vivos da ditadura.
Souberam mobilizar as frentes comunicativas ao seu dispor, coisa em que a esquerda claudica tradicionalmente. Estão vivos: esse é o perigo que nos aguarda. Mas sabemos que a vida é um combate, etc. Vamos a ele, assim como viemos até aqui.
Às leitoras e aos leitores que nos acompanharam até aqui em 2010, desejamos um Feliz Natal e um Ano Novo recheado do bom combate. Até o ano.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

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