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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, dezembro 19, 2010

Salvar os banqueiros e assassinar os pobres


Os governos da União Europeia se preparam para, uma vez mais, salvar os bancos da crise financeira, sob o pre­texto de que isso é necessário, a fim de salvar a economia. Prevê-se uma injeção de capi­tal da ordem de seiscentos bi­lhões de euros. Com esse di­nheiro, aplicado em progra­mas de desenvolvimento eco­nômico e de assistência urgen­te contra a fome e as endemias e epidemias nos países pobres (como é o caso mais dramático, o do Haiti), seria possível im­pedir a morte prematura de milhões e milhões de pessoas, sobretudo de crianças. Os ban­queiros enriquecem-se com o dinheiro dos depositantes e devedores; distribuem grandes lucros a si mesmos, como representantes dos acionistas, cometem crimes calculados, certos de que os governos os salvarão. É o que ocorre, quase sempre: em lugar de serem punidos, são salvos pelos Esta­dos, que deveriam defender os interesses dos cidadãos que trabalham e produzem bens. Nos últimos tempos globalizantes e neoliberais,o que vem ocorrendo é a mais brutal transferência de renda dos produtores (trabalhadores e empresários industriais) ao sistema financeiro, e a cres­cente irresponsabilidade dos principais bancos do mundo.
Também ontem se soube que, em Kosovo, na guerra que conduziu à independên­cia, houve a matança organi­zada e coordenada de sérvios e kosovos-albaneses, para que de seus cadáveres se re­tirassem os rins, destinados ao mercado negro europeu de órgãos. De acordo com a in­vestigação, realizada por Di­ck Marty, ex-juiz suíço e atual membro do Conselho da Eu­ropa, pelo menos 500 pes­soas, presas durante o confli­to, foram retiradas das celas improvisadas, conduzidas a locais escolhidos e equipa­dos de instrumental adequa­do. Ali, uma a uma, recebiam um tiro na cabeça e, ato contínuo.eram estripadas. Os rins imediatamente se destinavam a hospitais e cirurgiões privados que os aguardavam, para atender à demanda dos pacientes na Europa rica.
Os pobres sempre foram vistos como servidores da vi­da dos ricos, como escravos formais ou sob contratos leo­ninos de trabalho. O avanço da ciência médica, em lugar de servir para dar-lhes mais tempo de vida saudável, con­dena-os, em determinadas circunstâncias, a se tornarem vítimas de brutal canibalis­mo. A eventual doação de ór­gãos deve ser decidida pelas pessoas enquanto vivas, me­diante documentos claros e precisos de sua livre vontade. Como sempre se denuncia - e em alguns casos há indícios fortes, como nessa denúncia de uma pessoa idônea e res­peitável, o suíço Marty - os po­bres têm servido de conjuntos desmontáveis, como os auto­móveis roubados, a fim de ofe­recer peças de reposição aos que podem pagar bem a fim de adiar a própria morte.
E temos outras informa­ções chocantes, como a do surgimento de uma organiza­ção de moradores do tradicio­nal bairro da alta classe mé­dia de São Paulo, Higienópolis, em defesa de seus cães. Como informou a Folha de S. Paulo, exigem que a prefei­tura cuide das praças do bair­ro elegante, onde seus cães passeiam todos os dias, leva­dos por empregados ou pelos próprios donos, de forma a dar dignidade aos animais. Entre outros benefícios, rei­vindicam tanques de água fria, para o banho refrescan­te de seus animais, além da higiene cuidadosa do chão onde transitam.
Como pagam seus impostos municipais, talvez em dia, é provável que a prefeitura os atenda, concedendo existên­cia digna aos cães de raça no­bre, como os labradores, são-bernardos, huskies sibe­rianos e pastores belgas, sem esquecer os diminutos lhassas e pequineses.
Quanto às crianças, perambulames pelas ruas, que tra­tem de ser astutas, para não serem mortas pelos que que­rem sanear as metrópoles, co­mo ocorreu na Candelária e em outros lugares. Elas e os moradores de rua – mais odiados ainda do que os cães sem dono - não têm tanques onde banhar-se e exalam o odor dos desprezados.
Mauro Santayana

A crise da União Europeia

A União Europeia passa pelo maior desafio de sua história, desde a criação do euro.
Em 1º de dezembro de 2009 entrou em vigor o Tratado de Lisboa, substituindo os tratados da União Europeia e da Comunidade Europeia.
O novo Tratado trouxe uma série de inovações.
Primeiro, reforçou o Parlamento Europeu. Os deputados passaram a ser eleitos por voto direto e o Parlamento teve seus poderes ampliados.
Para contrabalançar esse aumento de influência, conferiu aos parlamentos nacionais o poder definir em que situações a UE poderia intervir em países – apenas quando comprovado que sua atuação seria mais eficiente que a dos estados nacionais.
Também permitiu as emendas populares, a apresentação de propostas diretamente ao PE, desde que subscrita por mais de um milhão de eleitores.
Finalmente, pela primeira vez reconheceu explicitamente a possibilidade de um Estado membro se desligar da UE.
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Parecia que a UE entraria na reta final de consolidação. A primeira foram os acordos comerciais, ainda nos anos 60. Depois, a consolidação do equilíbrio fiscal dos diversos países e a definição de regras para que os mais fortes amparassem os mais fracos, visando a criação de um continente homogêneo.
Finalmente, o fortalecimento do Parlamento Europeu, podendo legislar para todos os países.
A crise econômica global criou riscos enormes a essa integração – que explodiram ontem em impasses de difícil resolução.
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O impasse surgiu em função do não cumprimento das metas fiscais acordadas com a Grécia – um dos países que mais sofreu com a crise.
A UE acertou um empréstimo de US$ 150 bilhões à Grécia, em troca da redução do seu déficit fiscal. US$ 30 bi já haviam sido liberados quando se constatou que a meta não seria atingida. Constatou-se que o déficit de 2009 chegou a 15,4% do Produto Interno Bruto (PIB), quase dois pontos acima das metas acertadas.
Esse susto se deu ao mesmo tempo em que a Irlanda passava a sofrer ataques especulativos, depois de previsões dando conta de um déficit da ordem de 32% do PIB. Embora em melhor situação, Portugal também lançou despertou desconfianças, com seu déficit de 7,3% do PIB.
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Esse conjunto de más notícias acabou provocando conflitos entre o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu – formado por Ministros das Finanças dos países-membros.
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O pano de fundo dessa crise é mais grave. Antes da UE, países em dificuldades econômicas tinham liberdade para manobrar suas políticas monetária e cambial. Com a moeda única, cada país membro teve que abrir mão desses instrumentos.
Em período de crescimento econômico, consolidou-se a ideia de que seria possível a construção de uma região homogênea, com países em um mesmo nível de competitividade.
Não seria um tratado que colocaria no mesmo nível o potencial industrial da Alemanha e as fragilidades do Leste Europeu, a pujança da França e de países que só nas últimas décadas começaram a escalar o desenvolvimento – como Portugal e Espanha.
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Agora, resta esperar que o bom senso impeça a implosão da UE e encontre ferramentas capazes de compatibilizar os interesses nacionais com o geral.
By: Nassif
 *comtextolivre

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