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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, dezembro 11, 2010

Os limites



Se há uma coisa da qual não se pode duvidar é o crescimento económico.
Podemos duvidar de tudo: dos bancos, dos governos, dos investidores. Mas do dogma do cresceminto não, nunca. As economias dos nosso Países têm obrigatoriamente que crescer, sempre.

E quando não crescem? Tragédia, estagnação ou até recessão.
Pois toda a nossa economia, sem excepções, é construida sobre a ideia dum constante e infinito crescimento.

Há todavia um problema: nós vivemos num mundo finito.
A Terra é redonda, não é um plano sem limites. Os limites existem, e não só geograficamente.
Há, por exemplo, os limites dos recursos, que não são infinitos.


Prosperidade sem crescimento para um planeta finito

Tim Jackson
Tim Jackson é Professor de Desenvolvimento Sustentável e director do Grupo de Pesquisas sobre Estilos de Vida, Valores e Meio Ambiente na britânica Universidade de Surrey; também é encarregado da direcção económica da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da Grã-Bretanha. E é assessor do governo nessa área
 
As suas contas são simples: como podemos imaginar um mundo em que 9 bilhões de pessoas (o total dos seres humanos em 2050, segundo as estatísticas das Nações Unidas) podem atingir um nível de riqueza e de abundância igual ao das nações da OCDE?

Jackson lembra, como fizeram muitos outros ilustres estudiosos antes dele, que seria precisara uma economia 15 vezes a actual (75 vezes a de 1950) até 2050 e igual a 40 vezes a actual (200 vezes a de 1950) até o final do século para que isso possa tornar-se realidade.

Mas como alcançar um tal nível? É viável? É possível realizar uma tal visão de prosperidade partilhada e sustentável?

Se olharmos para o mundo actual, é evidente que algo não bate certo. Desde 2008 os Países Ocidentais estão mergulhados numa crise da qual não conseguem sair: se falar de retoma agora é um sonho, o bem estar de 9 milhões de indivíduos é puro delírio.

Mas esquecemos por um segundo as condições actuais:mesmo que as nossas economias funcionassem, onde encontrar os recursos?

No seu novo livro, Prosperity Without Growth. Economics for a Finite Planet (Prosperidade sem crescimento, economias para um planeta finito), Jackson afirma: 
Na maioria dos casos, evitamos encarar a dura realidade dos dados. Assumimos que, apesar da crise financeira, o crescimento vai continuar indefinidamente, não só para os Países mais pobres, onde é inegável que é precisa uma melhor qualidade de vida, mas mesmo nos Países ricos, onde a abundância de riqueza material agora tem apenas um impacto mínimo sobre a felicidade e, de facto, começa a ameaçar os alicerces de nossa prosperidade.
É bastante fácil ver as razões desta cegueira colectiva [...] A estabilidade da economia moderna depende a um nível estrutural do crescimento económico. Quando o crescimento vacila, como aconteceu dramaticamente nos finais de 2008, os políticos entram em pânico. As empresas lutam para sobreviver. As pessoas perdem os empregos e, às vezes, a casa. A espiral de recessão incumbe. Questionar o crescimento é algo considerado louco, de idealistas ou revolucionários. Mas temos que questiona-la. A ideia duma economia que não cresce pode ser um anátema para os economistas. Mas a ideia duma economia em crescimento constante é um anátema para os ambientalistas. Nenhum subsistemas dum sistema finito pode crescer indefinidamente: é uma lei física. Os economistas deveriam ser capazes de explicar como pode uma economia em crescimento caber dentro de um sistema ecológico finito.
Os economistas têm uma arma para explicar e tornar possível uma economia com crescimento infinito.
Esta arma tem o nome de decoupling. O que é isso?


O decoupling


A ideia do decoupling (dissociação) é a seguinte: criar as condições para que a economia possa crescer dissociada do fluxo dos recursos. Isso é, uma economia que tem um impacto extremamente reduzido sobre o meio ambiente, ou até nulo, pois para crescer não precisa perfurar o fundo do oceano para obter o petróleo, abater árvores para o papel, queimar carvão para a energia.
A economia do decoupling não funciona com os recursos naturais não renováveis..

Então funciona com quê?
Este é o pequeno pormenor que ainda cria problemas: ninguém sabe responder.
Com certeza, uma economia de decoupling funcionará, por exemplo, no mercado das energias renováveis. Ma depois?

O decoupling ainda não deu resultados e difícil imaginar se, quando e como será capaz de funcionar.

A realidade, que incomoda, é que hoje enfrentamos o fim iminente da era do petróleo barato, a perspectiva dum aumento dos preços das commodities (os bens), a deterioração progressiva de água, ar e terra, dos recursos hídricos, florestais, conflitos acerca dos direitos da pesca, o importante desafio de estabilizar o clima global, travar as mudanças globais que iniciámos em todos os sistemas naturais ao longo de décadas.
 
E, lembra Jackson, tudo isso no meio duma economia em crise, com uma desesperada necessidade de renovação.

Soluções?
Sim, uma: reconstruir o edifício.
Qual edifício? O nosso, o modelo de sociedade onde vivemos. Mas é um trabalho não indiferente.

É preciso repensar não só a nossa economia, mas toda a estrutura de valores que acompanhou o homem ao longo dos últimos tempos. Substituir a satisfação vendida com os bens materiais por novos objectivos, como a felicidade das nossas famílias, por exemplo. Pensar mais nos outros, nos mais desfavorecidos. Ter uma politica diferente, cujo fim não seja um crescimento a qualquer custo, mas uma sociedade sustentável para um bem estar duradouro e não limitado à uma minoria.

Mas o ponto de partida será sempre o mesmo: duvidar da ideia dum crescimento infinito.

O livro, como afirmado, tem o título de Prosperity Without Growth. Economics for a Finite Planet e a boa notícia é que o leitor não vai gastar dinheiro para adquiri-lo pois ainda não foi traduzido (deverá ser publicado nos mercados lusófonos só em 2011); se, pelo contrário, o leitor nasceu gastador e percebe o Inglês, pode encontrar o livro em língua original na Amazon, com um custo de 15 Dólares.

Não querem mesmo gastar um cêntimo?
Ok, neste acaso esperem para ler uma entrevista com o autor. Aqui, em breve.

Ipse dixit.
*InfInc

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