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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, agosto 17, 2011

As revoltas sociais e o neoliberalismo moribundo

Por Cléber Sérgio de Seixas






Os distúrbios em Londres, as manifestações dos “indignados” na Espanha e os protestos de estudantes no Chile, se não são sinais do início do fim do sistema capitalista, ao menos podem indicar os estertores do neoliberalismo.

A Inglaterra começa a experimentar agora os efeitos da Globalização, isto é, seu lado menos glamouroso, algo que nós brasileiros já experimentamos há quase três décadas.
A violência protagonizada pelos amotinados ingleses - jovens, negros e pobres em sua maioria - é uma resposta à segregação e marginalização a que vem sendo submetidos. Não se trata simplesmente de ações de grupos de vândalos ou delinqüentes, como quer a grande mídia, e sim de um grito desesperado de indivíduos privados do direito ao trabalho, aos estudos, à assistência social e à moradia, cujo clamor é contra uma sociedade excludente.

Se outrora o maior rival do capitalismo era o socialismo, hoje, em função do malogro do socialismo real, o Welfare State, o “Estado Providência” ou o Estado do bem-estar social, como queira o leitor, converteu-se no maior entrave aos interesses dos poucos eleitos que colhem os frutos do novo liberalismo econômico. A ortodoxia neoliberal tem como objetivo liquidar os últimos resquícios do keynesianismo e reinventar o laissez-faire. Qualquer tipo de regulação na economia é qualificada como controle, burocracia, censura etc, enquanto a acumulação desregrada e a competição predatória são louvadas.

Se atualmente a Europa e os EUA fazem uma curva cada vez mais acentuada à direita, a América do Sul posiciona-se à centro-esquerda, não seguindo à risca a bula neoliberal ou não dando ouvidos a um de seus mais sagrados princípios: diminuir o tamanho do Estado e soltar as rédeas do mercado. Enquanto a “direitização” estadunidense e européia avança sobre os setores financeiro, econômico e político, atingindo em cheio os direitos sociais daqueles que mais precisam do auxílio estatal, governos do sul do continente americano apostam no nacional-desenvolvimentismo, com maior participação do Estado na condução da economia, como meio de promover mais justiça e inclusão social. É paradoxal constatar que, enquanto ao sul do Rio Bravo se vivencia um processo de mudanças sociais há décadas ansiosamente esperado, nos Estados Unidos e na Europa ocorre algo diametralmente oposto, ou seja, um franco processo de “latino-americanização” da questão social.

No entanto, as burguesias entreguistas sul-americanas andam saudosas dos tempos em que, pelo poderio político e econômico que detinham, faziam prevalecer seus interesses sobre os da imensa maioria. Ao ver a ascensão à classe média de milhares de brasileiros pobres, a burguesia tupiniquim, por exemplo, dia-a-dia trata de minar as forças de governos progressistas que desde 2003 ocupam o poder. Quando faltam força e propostas à direita nacional, a grande imprensa, que há anos se converteu num partido político, assume o papel da oposição.

Se uma guinada mais radical à direita for a opção de norte-americanos e europeus, o mundo deve se preparar para tempos quase tão difíceis quanto aqueles da primeira metade do século passado. Em tal contexto, dificilmente nós, sul-americanos, não sentiremos os efeitos do aprofundamento das políticas conservadoras européias e estadunidenses.

Nos EUA a inépcia de Obama pode conduzir o Tea Party ao poder. Eventos esparsos como o atentado à congressista Gabrielle Giffords em Tucson (Arizona) e o caso Anders Breivik fornecem indícios de que no futuro tal processo pode desembocar em soluções fascistas.

Se de um lado temos um neoliberalismo moribundo que busca ser infinito enquanto perdurar, de outro temos uma massa excluída que apela à insurreição para fazer valer seus direitos, enquanto se candidata a coveira dos sacerdotes do deus Mercado.

O ditado que diz que a corda arrebenta sempre do lado mais fraco tem sido aplicado nesses tempos de neoliberalismo agonizante. Ao invés de se cobrar dos especuladores que inflaram a bolha que estourou em 2008 o preço da desgraça, joga-se sobre os ombros da tão sofrida classe trabalhadora o ônus da crise.

Diante de tão eloqüentes eventos, uma coisa é certa: os explorados estão tomando consciência da exploração a que vêm sendo submetidos há décadas no contexto do capitalismo neoliberal. Resta saber até quando tal primavera dos povos irá durar e se manterá seu caráter anárquico ou evoluirá para algo mais propositivo e organizado.
*observadoressociais

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