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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, outubro 01, 2011

Os gols contra de Ricardo Teixeira


Da revista britânica Economist, no sítio Viomundo:


É o único país que jogou todas as fases finais da Copa do Mundo e ganhou cinco vezes, mais que qualquer outro. E assim o Brasil se sente meio dono do torneio, que vai sediar em 2014. Outra vitória, bom futebol e uma atmosfera de festa satisfariam as demandas dos fãs locais, assim como de muitos dos esperados 600 mil turistas de fora. Mas, para o governo brasileiro, o período que antecede o torneio não está indo bem.

Está ficando claro que as melhorias prometidas nos precários sistemas de transporte não vão significar muito. Dos 49 planejados sistemas de transporte urbano nas cidades-sede o trabalho começou em apenas nove. As reformas dos aeroportos também estão fora do prazo e mais da metade será de ajustes temporários. O governo está tentando reduzir as expectativas. Numa entrevista a CartaCapital, uma revista semanal, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, disse que as melhorias do sistema de transporte urbano não eram essenciais para o sucesso do campeonato. Miriam Belchior, a ministra do Planejamento, sugeriu que o governo poderia decretar feriado nos dias de jogos para evitar congestionamentos.

Sepp Blatter, o presidente da FIFA, o órgão que governa o futebol mundial, escreveu para a sra. Rousseff demonstrando preocupação. Mas a sra. Rousseff é que tem motivo para se preocupar com a FIFA. Justamente quando ela está fazendo o melhor que pode para limpar a política do país — demitiu quatro ministros sob acusação de corrupção — a Copa do Mundo está sendo administrada por uma das figuras mais manchadas. E as alegações de sujeira continuam surgindo.

Ricardo Teixeira, que é presidente do Comitê Organizador Local e membro do comitê executivo da FIFA, tem sido o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) desde 1989. Ele é protegido de João Havelange, que comandou a FIFA por quase um quarto de século, até 1998. O sr. Teixeira tem enfrentado acusações de corrupção por anos. Em 2001 investigações do Congresso brasileiro sobre corrupção no futebol encontraram irregularidades num acordo arranjado pelo sr. Teixeira pelo qual a Nike, uma empresa de material esportivo norte-americana, patrocina a seleção nacional. A CPI do Congresso sugeriu ao promotor público o indiciamento dele sob 13 acusações, inclusive desfalque, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos. Todas foram subsequentemente abandonadas. (A Nike diz que o contrato “era totalmente legal em essência e espírito”).

O Panorama, um programa de TV da BBC, acusou o sr. Teixeira e o sr. Havelange de terem recebido propinas nos anos 90 relacionadas a direitos de marketing em jogos. No início deste ano Lord (David) Triesman, o homem que comandou a candidatura fracassada da Inglaterra para sediar a Copa do Mundo de 2018, disse que o sr. Teixeira pediu dinheiro em troca de voto.

Numa entrevista à revista Piauí, uma publicação mensal brasileira, o sr. Teixeira negou as acusações da BBC. Ele disse que os ingleses estavam “putos porque perderam” e que ele teria sua vingança contra a BBC: enquanto estiver na CBF e na FIFA, “eles não vão passar da porta”. Ele se gabou que em 2014 faria “as coisas mais escorregadias, impensáveis, maquiavélicas, como negar credenciais de imprensa, barrar o acesso, mudar o horário de jogos”. O ministro dos Esportes, Orlando Silva, prometeu aos jornalistas que todos serão tratados com justiça e terão permissão para fazer seu trabalho.

Uma investigação da FIFA absolveu o sr. Teixeira das alegações feitas pelo Lord Triesman. O sr. Havelange não respondeu às alegações da BBC. Mas o Comitê Olímpico Internacional, do qual o sr. Havelange é membro e que tem padrões éticos mais estritos que a FIFA, está investigando. Nesta semana um promotor brasileiro declarou que vai pedir à polícia para verificar se o sr. Teixeira é culpado de lavagem de dinheiro e crimes fiscais.

Vendendo jogos

Outro escândalo em andamento se refere a um jogo amistoso entre Brasil e Portugal em Brasília em novembro de 2008. Associados do sr. Teixeira receberam milhões pelo evento. Na mesma época alguns deles assinaram contratos se comprometendo a pagar grandes somas ao sr. Teixeira por motivos que permanecem obscuros. Seis meses antes da partida Sandro Rosell, que agora é presidente do Barcelona, o campeão da Europa, se tornou diretor da Ailanto, uma firma de marketing esportivo fundada no Rio de Janeiro pouco antes.

O sr. Rosell tem feito negócios com o sr. Teixeira por muitos anos: ele se mudou para o Brasil como diretor de marketing esportivo da Nike em 1999 para gerenciar as relações da empresa com a CBF. Uma semana antes do jogo de Brasília, o governo do Distrito Federal assinou um contrato para pagar à Ailanto cerca de 9 milhões de reais (4 milhões de dólares, na época) pelos direitos de marketing e outros serviços não muito bem definidos, inclusive transporte e acomodação dos jogadores dos dois times. (O então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, foi mais tarde preso e acusado pela Polícia Federal de corrupção relacionada a outras questões).

O negócio agora está sendo investigado por superfaturamento e corrupção. O promotor público de Brasília disse que recebeu relatórios de gastos para o jogo de cerca de 1 milhão de reais — e que de qualquer forma tinha sido a Federação Brasiliense de Futebol (FBF), uma afiliada da CBF, que tinha feito os gastos. Também diz que apesar do governo do Distrito Federal ter comprado os direitos do jogo, o dinheiro da venda de ingressos foi para a FBF. A força policial de Brasília foi aos endereços da Ailanto no Rio de Janeiro e apreendeu documentos.

Além destes negócios foram feitos outros três cujos objetivos não são imediatamente óbvios. A Economist tem cópias do que parecem ser os contratos dos três negócios. Um datado de março de 2009 é o compromisso de Vanessa Precht, uma brasileira que já trabalhou no Barcelona FC e que era sócia do sr. Rosell na Ailanto, de alugar uma fazenda do sr. Teixeira no Rio de Janeiro por 10 mil reais mensais por cinco anos. A Rede Record, uma rede de TV do Brasil, visitou a fazenda em junho e não conseguiu encontrar ninguém que tinha ouvido falar da srta. Precht. Dois congressistas brasileiros pediram uma investigação para estabelecer se o negócio foi uma forma da srta. Precht devolver ao sr. Teixeira parte do dinheiro que a Ailanto ganhou no amistoso Brasil-Portugal.

Os outros dois contratos foram assinados separadamente em julho de 2008 pelo srs. Teixeira e Rosell com Cláudio Honigman, um financista que é sócio do sr. Rosell numa outra empresa de marketing esportivo brasileira, Brasil 100% Marketing. O sr. Honigman se comprometia a pagar 22,5 milhões de reais a cada parceiro para comprar de volta opções de 10% das ações da Alpes Corretora, uma empresa de São Paulo, que de acordo com os contratos teria vendido as opções anteriormente aos dois. Um porta-voz da Alpes Corretora disse à Economist que o sr. Honigman nunca teve qualquer direito sobre qualquer ação da companhia. Os srs. Rosell e Teixeira se negaram a responder a este artigo. O advogado do sr. Honigman disse que não tinha conseguido contatar o cliente. A srta. Precht não respondeu ao nosso pedido de entrevista.

Os pomposos líderes do futebol internacional tradicionalmente são intocáveis: a FIFA é a própria lei. O sr. Teixeira manteve sua posição no topo de futebol brasileiro apesar de alegações anteriores de corrupção. Mas desta vez pode ser diferente.

Os advogados da FIFA estão tentando bloquear a publicação de um relatório do promotor público do cantão suiço de Zug sobre uma investigação criminal a respeito de pagamentos recebidos por autoridades do alto escalão da FIFA nos anos 90. A defesa oficial é de que receber comissões então não era ilegal sob a lei suiça. Mas uma vez que o dinheiro era da FIFA, o promotor investigou indivíduos que o embolsaram por má administração e apropriação indébita. A investigação foi suspensa quando dois acusados pagaram de volta 5,5 milhões de francos suiços (6,2 milhões de dólares) ao cantão, que repassou o dinheiro à FIFA e a instituições de caridade. Os dois acusados negaram que tenham cometido crimes.

O relatório foi arquivado a pedido dos advogados dos acusados. Assim, a identidade deles não foi revelada, embora o advogado de um deles tenha dito que seu cliente é um homem velho de saúde frágil que não tem mais cargo oficial. Isso parece descrever o sr. Havelange, que tem 95 anos de idade e é o presidente honorário da FIFA. A suprema corte de Zug vai decidir nas próximas semanas sobre petições de jornalistas que querem a divulgação do relatório. A Economist entrou em contato com o escritório do sr. Havelange no Rio de Janeiro para tratar destas questões, mas ele se negou a conversar conosco.

Também dentro do Brasil o solo está se movendo sob o sr. Teixeira. A sra. Rousseff nomeou Pelé, o jogador mais famoso do Brasil, como embaixador honorário do governo para a Copa do Mundo e está tentando congelar o sr. Teixeira. O comitê organizador deixou Pelé de fora da lista de convidados para o sorteio da Copa do Mundo em julho. A sra. Rousseff trouxe Pelé com ela e também fez muito da cerimônia de 16 de setembro que marcou 1000 dias antes do pontapé inicial. “Com todo respeito à FIFA e à CBF”, a sra. Rousseff disse à CartaCapital, “o rosto [do torneio] no Exterior será o de Pelé”.

* Tradução de Luiz Carlos Azenha.
*Miro

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