Educação hermética
A educação é um procedimento, uma maturação, uma paciência, um estado de
latência que precisa da calma para que alguma erupção seja possível.
Aprendi com Warat que a sensibilidade foi prostituída pelo Direito. Já
cheguei a tirar a maiúscula do Direito. Chamava o Direito de direito,
com todo o desprezo inútil que a repulsa me trazia. A possibilidade de
cura, de resgate, de renovação e de transcendência, me moveu para as
montanhas e para os infernos escuros. Peguei carona com a sabedoria
hermética, esticando uma corda invisível entre a arrogância e a mais
suave humildade. E caminhando como um equilibrista num abismo de
sentido, fui. Warat sempre acenou, sem porém mostrar. Todo mostrar é uma
castração. É como uma nudez escancarada que nos broxa a alma. Sidarta
de Herman Hesse me ensinou que o caminho final, não pode ser ensinado.
Que não há doutrina ou narração prévia para o caminho de ouro que
aguarda e que guarda a resposta que é própria de cada um que a ele se
aventura e se dispõe com a gana de um guerreiro, com o desapego de um
peregrino e com a interrogação posta nas vistas.
O Manifesto do Surrealismo Jurídico de Warat foi um texto importante.
Aprendi o valor pulsante do respeito ao inconsciente. Aprendi que a
sensibilidade ensina tanto quanto o pensamento. Aprendi que sem dor não
há criação, e que sem criação não há possibilidade que valha a pena se
os destinos forem altos, onde o ar é rarefeito e calmo. Percebendo, com o
vagar da meditação de um vinho e de uma visita de Vinicius de Moraes,
noto que o aprender é um desaprender, como alguém já disse. É trocar a
certeza que não é nossa, por uma certeza que, por infinda construção,
nunca é uma certeza merecedora de um "c" maiúsculo. A possibilidade de
permitir o intertexto e o plágio sensível sem o cancro da culpa, foi um
presente mágico.
Quem pretende educar precisa, sobretudo, se desvincular da culpa. Quem
educa deve se des-culpar. Esquecer a obrigação, por um querer bem
propositado, que é sempre um propósito que vem do coração...de onde mais
poderia vir? A acadêmia de Direito tem formado máquinas, andróides
moribundos. O animal racional, deixou de ser animal, para se tornar um
mecânico racional. Um operador que só conhece a solução com o scanner da
inteligência artificial, como esses mecânicos artificiais das
concessionários de hoje. Se a tecnologia nos facilitou a vida, no mesmo
grau e fundura também nos assassinou o pedaço bicho. Um I-pad e
um bom coração farão milagres no futuro, eu sei. O ser-bicho do
ser-humano foi condenado em praça pública. Levado à forca pela história
da indústria, pela overdose que é uma tão própria reação humana para com
todos os seus entusiasmos juvenis. A tecnologia foi um entusiasmo. E
hoje há o arrependimento de um traidor que só é traidor porque agiu sem
amor. As possibilidades da técnica e do uso da razão técnica, como um
viagra que levanta um pau morto, maquia a natureza, a aceitação do
estado.
O Direito como gnose autorizada da razão moderna, pegou carona com o
processo educacional que se iniciou com a proposta de evangelização
universal da primeira Igreja Cristã no medievo. A onipotência do Deus
católico se estendeu às Uni-versidades. As Uni-versidades inventaram um
padre secular e a ele deram o nome de professor. E o professor, de lá
pra cá, teme a perda do emprego e a sua potência educacional, como os
padres temiam o sopro de fogo do Diabo e a perda da possibilidade do
paraíso. O paraíso do professorado é manter a quantidade de horas-aula e
assegurar que nada escape do auto-polígrafo criado por eles próprios...
que é velho como a bengala velha de alguém que já morreu e ainda não
sabe.
Mas é que o estudante de hoje, que é o presente da história que se
propõe a perder a novela, a convivência com a família e a vagabundagem,
já é um produto-transcendente em relação ao modelo de educação do qual
muitos ainda se valem como esconderijo. O autêntico estudante de hoje -
falemos dos autênticos para poder construir projetos - sabe mais que
qualquer professor, porque sabe que só saber é apenas metade do caminho.
Sabe que precisa achar o seu caminho, se pretende integridade de corpo e
alma, de seu masculino e de seu feminino, para ser anjo. Sabe que
precisa de pistas para encontrar a comida que mais agrade seu paladar
exigente, e não de regurgitações teóricas e outros vômitos. O estudante
de hoje quer fruta fresca, sabe que o futuro lhe cobrará criatividade,
inclusive de seu próprio paladar. Sabe que terá que ser referência - não
a de alguém, mas de si mesmo.
A carne, o choro, a meditação, o abraço - eis o que se inconscientizou
no Direito. A tábua de esmeralda, imaginura que compõe o quadro de
trânsito de Hermes Trismegistus - deus da mitologia grega -, demonstra
que o caos raso é o primeiro passo depois do nada. Para ser mais que
nada, é preciso sobretudo admitir a desordem como condição, perceber que
é preciso cagar nas próprias fraldas e cheirar a própria merda para
depois aprender o caminho do vaso. A pureza de um bebê permite o cheiro
da própria merda. Depois do caos, a tábua de esmeralda indica que a
maturidade da consciência é o lugar privilegiado do maniqueísmo. O
maniqueísmo, que se aurora como uma pepita bruta de ouro, deve brilhar
pelo polimento do tempo. O tempo e a paciência com o próprio engatinhar
do espírito, dão o lustro para que o ouro brilhe. As duas pontas da
oposição flertam, se aproximam, quase se beijam. Tocam lábios sem a cena
da língua, sem o trejeito do movimento de cabeças e a invasão do outro
com a língua. Na tábua de esmeralda as serpentes se entrelaçam sem
contato de cabeças. O beijo que o espírito dá com a sua integração e com
a sua potência é um beijo sem língua. O distante maniqueísmo de antes é
agora uma grande zona gris, é a grande porção da curvatura de Gauss. É
mais sim e não do que certeza. Onde está luz, se esconde a sombra -
percebe o jovem asceta, que está pronto para a transformação, para a
ascendência, para a nova consciência, que não é nem boa, nem má, mas
outra. A possibilidade de ser outro, é o que de melhor podemos desejar a
alguém e ao mundo. A lei de Hermes é supraconstitucional, e não pode
ser conquistada nem com o pensamento, nem com a técnica. Nem com a
velocidade deste tempo doente, nem com amores que tem mais medo que
vontade. Nem com nenhum professor que não saiba largar a mão de quem se
propõe a educar, seja por usá-la como apoio contra sua insegurança, seja
pela cegueira do seu falso poder.
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