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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, julho 21, 2012

A morte deplorável do jovem empresário Aquino na madrugada fria de uma quarta feira não teve testemunhas. Nem precisava. O carro cravejado de balas e um filme de câmera de prédio dizem tudo. Aquino foi cercado e fuzilado. Sem chances de dizer quem era. Nove homens armados até os dentes contra um profissional das ideias, um publicitário.

A Volta da Rota 66

 

 

A morte deplorável do jovem empresário Aquino na madrugada fria de uma quarta feira não teve testemunhas. Nem precisava. O carro cravejado de balas e um filme de câmera de prédio dizem tudo. Aquino foi cercado e fuzilado. Sem chances de dizer quem era. Nove homens armados até os dentes contra um profissional das ideias, um publicitário.

E apenas alguém liberto pelas idéias poderia praticar o gesto ousado de fazer aquilo que está na cabeça de qualquer paulistano: ignorar os agentes homicidas de Estado que fecham com barricadas ruas em São Paulo apenas para fazer crer à população que a cidade não se tornou um pátio de presídio comandado pelo “primeiro comando da capital”, o PCC.

Como as periferias de há muito, agora também os bairros em que se reúnem os jovens em São Paulo estão cercados por gendarmes que intimidam os que frequentam bares e restaurantes.

Ao invés de guardarem os locais onde pulsa a vida paulistana, assediados por arrastões, a polícia coloca-se à espreita nas vias de saída para importunar quem tomou um ou dois copos de cerveja. Numa espécie de volta aos tempos da expressão “documento vagabundo” da época da ditadura, lembrada pelo episódio emblemático da fuzilaria da Rota 66, em que 5 jovens  foram sumariamente assassinados por não atenderem a ordem de parada de uma guarnição militar.

Mas por que os cães foram soltos? Por que a volta da política de tolerância zero que encheu de presos, primeiro as delegacias e depois os cadeiões, dando ensejo ao surgimento do PCC? Porque é época de eleições e até agora a polícia está perdendo de 3 a zero o embate com o crime organizado em São Paulo. Pensam que uma política de segurança pública do tipo daquela adotada na cidade de Nova Iorque, poderia constituir-se numa grande oportunidade eleitoral.  

Eis o que está por trás do assassinato do publicitário Aquino: a percepção das autoridades de que polícia que atira antes e pergunta depois rende votos. Ignoram, por pendão autoritário, a pregação da “oculta compensatio” que outro Aquino, São Tomás, entendeu devesse regular a ação do Estado frente a cidadania e que inspira hoje em dia, na maioria das democracias ocidentais, o princípio jurídico da bagatela.

Por esse princípio o aparelho repressivo do Estado não deveria ser utilizado para ações de mínima gravidade, em que estariam configuradas a baixa ofensividade, a inexistência de periculosidade social e o ínfimo grau de reprobabilidade da conduta, além de inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No caso de Aquino não apenas a ação que se buscou coibir foi banal como também desproporcional foi a reação estatal, expressa pela imposição sumária da pena capital mediante o uso indiscriminado de força letal pela corporação militar contra pessoa considerada suspeita, a simples juizo da soldadesca.

Que o governador venha a público num gesto de contrição afirmar que o Estado irá prontamente indenizar a família não surpreende, mas que o comandante interino da polícia militar diga em entrevista coletiva que o assassinato do homem que não parou numa blitz foi tecnicamente perfeita, comparando-o a um acidente de trabalho, enoja e mostra o quanto nossas vidas estão à mercê de gente despreparada.

Por tudo isso é que Ricardo Prudente de Aquino, 39 anos, deve ser considerado por todos os paulistanos um mártir da liberdade de ir vir, sem render-se a ação repressiva do Estado em qualquer esquina. Enquanto sua morte, em outro passo, bem pode ser tomada por um lembrete do governador e de sua polícia de que o sinal está fechado para os que são jovens, como bradou no tempo da Rota 66 o cantor Belchior.

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