A Volta da Rota 66
A morte deplorável do jovem
empresário Aquino na madrugada fria de uma quarta feira não teve
testemunhas. Nem precisava. O carro cravejado de balas e um filme de
câmera de prédio dizem tudo. Aquino foi cercado e fuzilado. Sem chances
de dizer quem era. Nove homens armados até os dentes contra um
profissional das ideias, um publicitário.
E apenas alguém liberto pelas idéias
poderia praticar o gesto ousado de fazer aquilo que está na cabeça de
qualquer paulistano: ignorar os agentes homicidas de Estado que fecham
com barricadas ruas em São Paulo apenas para fazer crer à população que a
cidade não se tornou um pátio de presídio comandado pelo “primeiro
comando da capital”, o PCC.
Como as periferias de há muito,
agora também os bairros em que se reúnem os jovens em São Paulo estão
cercados por gendarmes que intimidam os que frequentam bares e
restaurantes.
Ao invés de guardarem os locais onde
pulsa a vida paulistana, assediados por arrastões, a polícia coloca-se à
espreita nas vias de saída para importunar quem tomou um ou dois copos
de cerveja. Numa espécie de volta aos tempos da expressão “documento
vagabundo” da época da ditadura, lembrada pelo episódio emblemático da
fuzilaria da Rota 66, em que 5 jovens foram sumariamente assassinados
por não atenderem a ordem de parada de uma guarnição militar.
Mas por que os cães foram soltos?
Por que a volta da política de tolerância zero que encheu de presos,
primeiro as delegacias e depois os cadeiões, dando ensejo ao surgimento
do PCC? Porque é época de eleições e até agora a polícia está perdendo
de 3 a zero o embate com o crime organizado em São Paulo. Pensam que uma
política de segurança pública do tipo daquela adotada na cidade de Nova
Iorque, poderia constituir-se numa grande oportunidade eleitoral.
Eis o que está por trás do
assassinato do publicitário Aquino: a percepção das autoridades de que
polícia que atira antes e pergunta depois rende votos. Ignoram, por
pendão autoritário, a pregação da “oculta compensatio” que outro Aquino,
São Tomás, entendeu devesse regular a ação do Estado frente a
cidadania e que inspira hoje em dia, na maioria das democracias
ocidentais, o princípio jurídico da bagatela.
Por esse princípio o aparelho
repressivo do Estado não deveria ser utilizado para ações de mínima
gravidade, em que estariam configuradas a baixa ofensividade, a
inexistência de periculosidade social e o ínfimo grau de reprobabilidade
da conduta, além de inexpressividade da lesão jurídica provocada.
No caso de Aquino não apenas a ação
que se buscou coibir foi banal como também desproporcional foi a reação
estatal, expressa pela imposição sumária da pena capital mediante o uso
indiscriminado de força letal pela corporação militar contra pessoa
considerada suspeita, a simples juizo da soldadesca.
Que o governador venha a público num
gesto de contrição afirmar que o Estado irá prontamente indenizar a
família não surpreende, mas que o comandante interino da polícia militar
diga em entrevista coletiva que o assassinato do homem que não parou
numa blitz foi tecnicamente perfeita, comparando-o a um acidente de
trabalho, enoja e mostra o quanto nossas vidas estão à mercê de gente
despreparada.
Por tudo isso é que Ricardo Prudente
de Aquino, 39 anos, deve ser considerado por todos os paulistanos um
mártir da liberdade de ir vir, sem render-se a ação repressiva do Estado
em qualquer esquina. Enquanto sua morte, em outro passo, bem pode
ser tomada por um lembrete do governador e de sua polícia de que o sinal
está fechado para os que são jovens, como bradou no tempo da Rota 66 o
cantor Belchior.
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