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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, julho 15, 2012

Criada à direita, Aliança do Pacífico rivaliza com o ‘esquerdista’ Mercosul

Gabriel Bonis
Novo bloco quer integrar a América Latina com bases liberais e sem burocracias do Mercosul. Foto: Hamner_Fotos/Flickr
Há cerca de um mês, a criação de um bloco de integração na América Latina passou quase despercebida no Brasil, mas aparentemente não entre os líderes do Mercosul. A entrada da Venezuela no mercado sul-americano é apontada como uma reação à Aliança do Pacífico. Formado por Chile, Peru, Colômbia e México, o acordo prevê a integração das economias dos países do oceano Pacífico para que seus integrantes enfrentem a concorrência asiática e se transformem no motor do crescimento latinoamericano. Uma proposta que imporá desafios ao projeto de expansão do Mercosul, como a solução de problemas internos de seus membros, mas sem inicialmente ameaça-lo.
A Aliança do Pacífico aposta na diversificação de suas relações comerciais para conter o avanço chinês na região, ao mesmo tempo que aproveita os benefícios da demanda asiática por commodities. Todo esse fluxo de comércio comporia uma área de livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, em um projeto semelhante ao Mercosul. A principal diferença apontada pelos líderes dos países do novo bloco, no entanto, seria a busca por uma integração rápida. Algo que tornaria o mecanismo mais atraente, embora ele já seja visto como a iniciativa “mais importante” e ambiciosa da região pelo economista Roberto Teixeira da Costa, presidente da Câmara de Arbitragem da Bolsa de Valores de São Paulo. Para ele, o plano acerta ao explorar a ligação com Pacífico, que coloca o bloco na rota preferida das Américas com a Ásia, logo, em vantagem ao Mercosul na concorrência pelo mercado asiático.
O novo bloco, que reúne 40% do PIB da América Latina, 55% de todas suas exportações e um mercado de 206 milhões de consumidores, possui planos ambiciosos na relação entre seus membros. O projeto foca na consolidação de novos investimentos, principalmente em uma maior integração energética e de infraestrutura, e mais comércio intrarregional (com colaboração alfandegária). A Colômbia seria o referencial para as exportações da produção geral, por possuir tratados de livre comércio com EUA, Canadá e China, por exemplo. Um fator que pode levar esses itens aos mercados citados em melhores condições de preço que os do Mercosul.
A Aliança também ataca à burocracia, apresentando o Mercado Comum Sul-americano como um exemplo a ser ignorado. O grupo pretende avançar de forma mais rápida sem impedimentos ideológicos em temas comerciais e de integração, abominando itens como barreiras protecionistas. O discurso é totalmente liberalizante, seja nas tarifas, comércio eletrônico, cooperação aduaneira ou investimentos. E mostra também uma divisão ideológica entre os governos dos países da América do Sul. Enquanto o Mercosul vive um momento de líderes de esquerda – com a exceção do Paraguai após a deposição de Fernando Lugo -, a Aliança do Pacífico reúne os países mais neoliberais da América Latina. A exceção fica com o presidente do Peru, Ollanta Humala, da esquerda. Mas o mandatário está preso ao bloco, proposto pelo ex-presidente Alan García, que conduziu reformas liberais no país andino.
O projeto pretende ter grande envergadura regional e abocanhar novos membros. Um discurso que começa a rivalizar com os planos de integração do Mercosul. O novo ministro da Fazenda do Paraguai declarou na última semana que a suspensão do país do mercado comum sul-americano empurra o governo paraguaio a buscar alianças com outros países e blocos, que incluem os EUA e países da Aliança do Pacífico. Mas para Giorgio Romano Schutte, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), essa ameaça poderia ser contornada com os países de ambos os blocos realizando acordos econômicos mais flexíveis por meio da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), embora sempre em alerta ao eventual avanço da Aliança. “Se a AP entrar na América do Sul, seria um cenário que a diplomacia brasileira deve atuar.”
Apesar dessa pressão, o Mercosul não deve sentir-se ameaçado. Alguns elementos da formação da Aliança indicam possíveis dificuldades de integração dos países do novo bloco. Entre eles, a heterogeneidade dos interesses comerciais de seus integrantes. Tullo Vigevani, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e especialista em Mercosul, destaca que o fato de México, Colômbia, Chile e Peru estarem ligados por tratados de área de livre comércio com os EUA coloca a possibilidade de uma integração regional e produtiva, como se pretende no Mercosul, difícil de se deslumbrar. Até porque os países da aliança também possuem acordos com o Mercosul.
Para o analista, o Mercosul tem mais chances de seguir consolidar uma integração regional. Isso dependeria, no entanto, de uma solução por parte dos governos dos países do bloco para suas dificuldades regionais e de desenvolvimento interno, que tendem a sinalizar com medidas protecionistas. “Isso não é bom para uma integração, a não ser que se pensasse em um regional desenvolvimentismo.”
*GilsonSampaio

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