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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, julho 14, 2012

A imbecilização do mundo

 
Os mais celebrados mestres da culinária vanguardista, ou seja, aqueles que empregam produtos da Nestlé e figuram em uma classificação anual divulgada pela revista Restaurants (20 mil exemplares de tiragem, destinada aos refinados do mundo), acabam de encerrar em Copenhague um simpósio exaltante. Festa entre amigos, corrente da felicidade, rea­lizada à sombra do Noma, primeiro da lista da Restaurants, do chef René Redzepi. Entre as novidades apresentadas, formigas vivas nutridas com citronela e coentro, de sorte a assumir um gosto suavemente acidulado, para o agrado de todos os paladares, segundo os participantes do evento. Cuja contribuição à imbecilização global é de evidência solar.
Há atenuantes. A quem interessa ler a Restaurants qual fosse o Novíssimo Testamento ou comer formigas vivas, ou até espuminhas de camarão, a preços estratosféricos, está claro? A minoria de imbecilizados, é a conclusão inescapável, em um mundo onde a pobreza fermenta e muitos morrem de fome. Mundo capaz de grandes progressos científicos, presa, ao mesmo tempo, de uma crise econômica monstruosa, provocada pela sanha de poucos em detrimento dos demais semelhantes. Bilhões.
As atenuantes, como se vê, são medíocres, embora não exija esforços mentais brutais perceber que imbecil é quem come formigas vivas em lugar de um mero trivial. Somos o que comemos, dizem os sábios, donde a inevitabilidade das ilações quando se multiplicam as provas da cretinização global. Neste mar a vanguarda da gastronomia ao alcance dos bolsos recheados é um lambari.
O Brasil não escapa, e nem poderia. Somos uma nação vincada pela ignorância e pela prepotência da minoria reacionária, a preferir que as coisas fiquem como estão para ver como ficam e a reputar sagrada a classificação da Restaurants. Aqui manda a moda, mas, neste mar, a dita cultura de massa é o próprio vento a enfunar as velas. Sem contar a desorientação diante do mistério da vida e o medo da morte. Deixarei de falar de esperanças impossíveis. Vou para miudezas, de certa forma, para falar de situações recentes. E então, digamos, Anderson Silva.
É brasileiro o número 1 do MMA, o vale-tudo do octógono, a luta que assinala o retorno aos gladiadores. Li, pasmem, na primeira página do Estadão. Só falta o Coliseu. Também faltam os leões, mas não nos surpreenderemos se, de uma hora para outra, irromperem na arena. Os índices de audiência são altíssimos, obviamente, e haverá quem se ufane de ser brasileiro ao se deparar com a ferocidade de Anderson, nosso Hércules. E fique feliz porque a transmissão do MMA iguala o Brasil aos Estados Unidos e ao Japão. No resto dos países tidos como civilizados, a luta é proibida.
Vale recordar que a tevê nativa ostenta tradições valiosas. Por exemplo: o nosso Big Brother, ao repetir experiências globais, bate recordes de grosseria. Acrescentem-se os programas populares do fim de semana, os seguidores do Homem do Sapato Branco e os tempos da celebração da dança da garrafinha em horário nobre. Aproveito para sublinhar que a pensata “nobre” me deslumbra.
A aposta na parvoíce da plateia é constante. Inesgotável. Praticada pela mídia nativa com singular esmero, produziu o efeito de comprometer a saúde intelectual dos seus autores. Não fogem do destino inúmeros políticos, vitimados por sua própria incompetência. Permito-me escalar nestas linhas o presidente do PT, Rui Falcão, e o novo presidente da CUT, Vagner Freitas. Em perfeita sintonia, ambos anunciam sua inconformidade em relação ao possível “julgamento político do mensalão”. Peculiar visão, a dos cavalheiros acima. O processo tem e terá inevitáveis implicações políticas, e não cabe a eles exercer qualquer gênero de pressão sobre o Supremo.
Enquanto evita-se discutir com toda legitimidade uma questão premente, isto é, a inegável suspeição quanto à participação do julgamento do ministro Gilmar Mendes, Falcão e Freitas oferecem munição de graça à mídia nativa, ela mesma tão interessada em politizar o processo. Os meus melancólicos botões garantem que os políticos de antanho, vários bem mais à esquerda dos senhores citados, eram também mais espertos.Mino Carta.

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