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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, junho 08, 2013

Austeridade, desemprego maciço e emigração na UE

Pátria Latina

Muitos milhares de milhões de euros estão a ser sugados às nações vassalo-devedoras da Europa – Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda – e a ser transferidos para os bancos credores, para os especuladores financeiros e para vigaristas sediados na City de Londres, em Wall Street, em Genebra e em Frankfurt.

Ao abrigo do que foi designado por programas de 'austeridade' os regimes conservadores e social-democratas estão a arrebanhar grandes pagamentos tributários através de cortes orçamentais selvagens, sem precedentes, em salários, investimentos públicos, programas sociais e emprego. O resultado tem sido um crescimento catastrófico no desemprego, no subemprego e no trabalho precário, que atinge mais de 50% entre os trabalhadores jovens com menos de 25 anos e entre 15% e 32% da força de trabalho total. Os ordenados, salários e pensões têm sofrido cortes entre 25% e 40%. A idade de reforma foi alongada de 3 a 5 anos. Os contratos de trabalho (apelidados de 'reformas') concentram o poder exclusivamente nas mãos dos patrões e dos empreiteiros que impõem condições de trabalho que fazem lembrar o início do século XIX.

Para perceber em primeira mão a crise capitalista e as reações dos trabalhadores, passei a maior parte de Maio na Irlanda e no País Basco encontrando-me com líderes laborais, militantes de base, trabalhadores desempregados, ativistas políticos, académicos e jornalistas. Inúmeras entrevistas, observações, publicações, visitas a locais de trabalho e a lares familiares – em cidades e aldeias – constituem a base deste artigo.
 
Irlanda e País Basco: Crises comuns e reações divergentes

As nações, sociedades e economias irlandesas e espanholas (que incluem o País Basco pendente de um referendo) – têm sido vítimas de uma prolongada e profunda depressão capitalista que tem devastado o nível de vida de milhões. O desemprego e o subemprego na Irlanda atinge os 35% e no País Basco ultrapassa os 40%, em que o desemprego juvenil atinge os 50%. Ambas as economias se contraíram em mais de 20% e não mostram sinais de recuperação. Os partidos no governo reduziram as despesas públicas entre 15% a 30% numa série de serviços sociais. Através de operações de salvamento aos bancos, do pagamento aos credores externos, e sujeitando-se aos ditames da 'troika' autocrática (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), a classe dominante capitalista na Irlanda e na região basca impossibilitaram quaisquer possíveis investimentos para recuperação. O chamado programa de 'austeridade' é imposto apenas aos trabalhadores, empregados e pequenos comerciantes, nunca à elite. A 'troika' sediada em Bruxelas e os seus colaboradores locais reduziram ou eliminaram impostos empresariais e proporcionam subsídios e outros incentivos monetários para atrair empresas multinacionais e capital financeiro estrangeiro.

Os partidos políticos burgueses em exercício, no poder no início do colapso, foram substituídos por novos regimes que estão a assinar acordos adicionais com a 'troika' e os banqueiros. Estes acordos impõem cortes ainda mais profundos e mais selvagens no emprego público e enfraquecem ainda mais os direitos dos trabalhadores e a sua protecção. Os patrões passaram a ter poderes arbitrários para contratar e despedir trabalhadores sem aviso prévio, sem indemnizações por rescisão ou pior ainda. Alguns contratos na Irlanda permitem que os patrões exijam reembolso parcial de salários se os trabalhadores forem forçados a abandonar os seus empregos antes do fim do contrato, por abuso dos patrões. A economia espanhola – incluindo o País Basco – está sujeita a uma forma moderna de 'pagamentos tributários' ditados pela oligarquia imperialista dirigente em Bruxelas. Esta oligarquia não é eleita e não representa o povo que tributa e explora. Responde apenas perante os banqueiros internacionais. Por outras palavras, a União Europeia tornou-se um verdadeiro império – governado pelos e para os banqueiros com sede na City de Londres, em Genebra, em Frankfurt e na Wall Street. A Irlanda e o País Basco são governados por regimes vassalos colaboradores que implementam a pilhagem económica do seu eleitorado e impõem os ditames da oligarquia da UE – incluindo a criminalização dos protestos políticos de massas.

As semelhanças nas condições socioeconómicas entre a Irlanda e o país basco perante a crise, a austeridade e o domínio imperialista contrastam, no entanto, com as reacções profundamente divergentes dos trabalhadores nas duas regiões devido a estruturas políticas, sociais e económicas, a histórias e a práticas profundamente diferentes.
 
Enfrentando a crise: Luta basca, luta irlandesa

Perante a crise de longo prazo, em grande escala, a Irlanda tornou-se no estado vassalo 'modelo' para os estados credores imperialistas. A confederação sindical irlandesa mais importante e os partidos políticos dominantes – incluindo o Partido Trabalhista atualmente em coligação com o Partido Fine Gael governante – assinaram uma série de acordos com os oligarcas de Bruxelas para grandes cortes no emprego público e nas despesas públicas. Em contraste, a Comissão de Trabalhadores Bascos, ou LAB, de militância pró-independência, promoveu sete greves gerais com êxito com mais de 60% de participação de trabalhadores no país basco – incluindo a última em 30 de Maio de 2013.

As políticas colaboracionistas de classe dos sindicatos irlandeses levaram a uma profunda fratura geracional – com os trabalhadores mais velhos a assinar acordos com os patrões para 'preservar' os seus postos de trabalho à custa da segurança de emprego para os trabalhadores mais jovens. Sem meios organizados para a luta de massas, os trabalhadores irlandeses jovens têm vindo a sair do país em quantidades nunca vistas desde a Grande Fome de meados do século XIX: nos últimos quatro anos emigraram mais de 300 mil e prevê-se a saída de mais 75 mil em 2013, numa população trabalhadora de 2,16 milhões. Perante esta catástrofe do século XXI, o azedume e a 'fratura geracional' dos trabalhadores emigrantes exprime-se no nível muito baixo de remessas que são enviadas para 'casa'. Uma das razões por que a taxa de desemprego irlandesa se mantém em 14% em vez de 20-25% é a fuga espantosa de trabalhadores jovens para o estrangeiro.

Em contraste, não existe essa emigração em massa de trabalhadores jovens no país basco. Em vez da fuga, intensificou-se a luta de classes. A luta pela libertação nacional ganhou apoio entre a classe média e os pequenos comerciantes que enfrentam o fracasso total do regime de direita em Madrid (governado pelo auto-intitulado 'Partido Popular') em deter a espiral descendente. A fusão da luta de classes com a luta nacional no país basco tem combatido quaisquer acordos de resgate assinados pelos sindicatos 'moderados', pelas Comissões de Trabalhadores (CCOO) e pela União Geral de Trabalhadores (UGT). O LAB, a ativa Comissão de Trabalhadores Bascos, tem uma influência muito maior do que o seu número de trabalhadores sindicalizados formalmente filiados pode sugerir. A capacidade do LAB para a mobilização está alicerçada na sua influência entre delegados de fábrica que são eleitos em todos os locais de trabalho e que ultrapassam em muito todos os membros sindicalizados. Nas reuniões de delegados em assembleias, os trabalhadores discutem e votam a greve geral – ultrapassando frequentemente ordens das sedes centrais em Madrid. A democracia direta e a militância de base libertam os trabalhadores bascos militantes da estrutura sindical burocrática e centralizada que, na Irlanda, tem imposto 'cedências' retrógradas às empresas multinacionais.

No País Basco, há uma poderosa tradição de cooperativas, em especial no complexo industrial de Mondragon, que criou uma solidariedade operária nas comunidades urbano-rurais que não existe entre operários irlandeses. Os mais importantes políticos e conselheiros económicos irlandeses ajoelharam-se perante as empresas multinacionais, oferecendo-lhes as taxas de impostos mais baixas, isenções de impostos a um prazo maior e regulamentações laborais mais submissas do que em qualquer outro país da União Europeia.

No país basco, o partido político nacionalista-socialista EH Bildu-Sortu, o jornal diário Gara e o LAB proporcionam apoio político e ideológico durante greves, atos eleitorais e mobilizações de massas com base na luta de classes. Em conjunto, contestam os programas de 'austeridade' numa força unida.

Na Irlanda, o Partido Trabalhista, supostamente ligado aos sindicatos, aderiu à atual coligação governamental. Acordaram numa nova vaga de cortes em despesas sociais, demissões de funcionários públicos e reduções de ordenados e salários de 20%. A liderança sindical pode estar dividida quanto a estes cortes drásticos mas mesmo assim a maioria apoia o Partido Trabalhista. O sindicato de trabalhadores retalhistas, mais militante, rejeita os cortes mas não tem alternativa política. Para além do apoio do Sein-Fein republicano-nacionalista e de partidos de esquerda mais pequenos – a classe política não oferece nenhum programa ou estratégia política progressista. O Sein Fein fez a 'transição' da luta armada para a luta eleitoral. Segundo as últimas sondagens (Maio de 2013), duplicou a sua taxa de aprovação eleitoral de menos de 10% para 20% devido à crise. No entanto, o Sein Fein está dividido internamente: a ala 'esquerda' pró-socialista procura intensificar a luta 'anti-austeridade' enquanto os líderes parlamentares 'republicanos' se concentram na unificação e desvalorizam a luta de classes. Em consequência da sua colaboração com a 'troika' e com as novas leis tributárias regressivas, o Partido Popular está a perder o apoio e o partido tradicional de direita, o Fianne Fail, que presidiu às vigarices maciças, à explosão especulativa e às cedências às empresas, está a conseguir uma recuperação eleitoral – e pode mesmo reconquistar o poder! Isso ajuda a explicar porque é que os trabalhadores irlandeses perderam a esperança em qualquer mudança política positiva e estão a fugir em debandada da perpétua insegurança quanto ao emprego, imposta pela sua elite: 'Vale mais um bilhete de avião para a Austrália do que a vida inteira de servidão por dívida, de leis de bancarrota regressiva e de contratos ditados pelo patronato aprovados por chefes sindicais que recebem salários de seis dígitos'.

A revolta do país basco contra o governo centralizado em Madrid baseia-se em parte no facto de ser uma das regiões de Espanha mais produtiva, mais avançada tecnologicamente e mais progressista socialmente. O desemprego basco é menor do que o do resto de Espanha. Os níveis mais altos de educação, um sistema de saúde regional abrangente, especialmente nas zonas rurais e uma rede alargada de assembleias locais eleitas, aliados às heranças únicas linguística e cultural, fez avançar a nação basca para uma maior autonomia política. Para muita gente é isto que marca os bascos como 'vanguarda' política na luta contra os ditames neo-liberais da UE e do decrépito regime em Madrid.
 
Conclusão: Perspectivas políticas

Se continuarem as atuais políticas de austeridade e as tendências de emigração, a Irlanda tornar-se-á um 'país esvaziado', com monumentos históricos, bares repletos de turistas e igrejas antigas, destituído dos seus trabalhadores mais ambiciosos, mais bem treinados e mais inovadores: um paraíso fiscal des-industrializado, as Ilhas Caimão do Atlântico Norte.

Nenhum país do seu tamanho e dimensões pode manter um estado viável confrontado com os atuais e continuados níveis de emigração dos seus trabalhadores jovens. A Irlanda será recordada pelos seus postais ilustrados e isenções fiscais temporárias. Contudo, ainda há esperança se os republicanos de esquerda do Sein Fein, os socialistas, os comunistas e os ativistas anti-imperialistas se juntarem aos desempregados e aos trabalhadores mal pagos e formarem novas redes de base. Em determinada altura as portas giratórias dos políticos irlandeses que entram e saem dos cargos podem acabar por parar. Os jovens desempregados, educados e irritados podem decidir ficar em casa, defender o seu terreno e virar as suas energias na direção de uma rebelião popular. Um líder socialista consequente resumiu assim: "O profundo pessimismo e a influência da falência da social-democracia e da ideologia imperialista no seio do movimento laboral são muito fortes. Como sabem, não podemos encetar uma viagem a não ser a partir do sítio em que estamos". A determinação e a convicção dos militantes sindicalistas irlandeses é na verdade uma razão para ter esperanças e para acreditar que a fuga atual se pode transformar numa luta futura.

No caso do país basco, a crescente luta de massas de classes e nacional, ligada à herança de poderosas cooperativa e das assembleias de trabalhadores com base na solidariedade, fornece a esperança de que o atual regime reacionário em Madrid possa ser derrotado. A junta dirigente neo-fascista (o partido dirigente ainda presta homenagem à ditadura e às forças armadas de Franco) está cada vez mais desacreditada e é obrigada a recorrer a uma maior repressão. No que se refere aos movimentos militantes bascos, o regime tomou medidas provocadoras violentas: criminalizou os protestos legais de massas, prendeu defensores da independência sob acusações falsas e proibiu expressamente a exibição pública das fotos de prisioneiros políticos (a que Madrid chama 'terroristas'). É nítido que o governo está cada vez mais preocupado com a força das greves gerais, do crescente poder eleitoral da esquerda pró-independência – e tem estado a tentar provocar uma 'resposta violenta' como pretexto para proibir a imprensa, o partido e o programa do EH Bildu Sortu e do LAB.

A minha sensação é que Madrid não vai conseguir. A Espanha, enquanto estado centralizado, está a desintegrar-se: as políticas neoliberais destruíram os elos económicos, estilhaçaram os laços sociais e abriram a porta ao avanço dos movimentos sociais de massas. O sistema bipartidário está a desmoronar-se e as políticas colaboracionistas de classe das tradicionais confederações sindicais estão a ser contestadas por uma nova geração de movimentos autónomos.

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... . Tradução de Margarida Ferreira.
 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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