Austeridade, desemprego maciço e emigração na UE
Pátria Latina
Muitos
milhares de milhões de euros estão a ser sugados às nações
vassalo-devedoras da Europa – Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda
– e a ser transferidos para os bancos credores, para os
especuladores financeiros e para vigaristas sediados na City de
Londres, em Wall Street, em Genebra e em Frankfurt.
Ao
abrigo do que foi designado por programas de 'austeridade' os regimes
conservadores e social-democratas estão a arrebanhar grandes
pagamentos tributários através de cortes orçamentais selvagens,
sem precedentes, em salários, investimentos públicos, programas
sociais e emprego. O resultado tem sido um crescimento catastrófico
no desemprego, no subemprego e no trabalho precário, que atinge mais
de 50% entre os trabalhadores jovens com menos de 25 anos e entre 15%
e 32% da força de trabalho total. Os ordenados, salários e pensões
têm sofrido cortes entre 25% e 40%. A idade de reforma foi alongada
de 3 a 5 anos. Os contratos de trabalho (apelidados de 'reformas')
concentram o poder exclusivamente nas mãos dos patrões e dos
empreiteiros que impõem condições de trabalho que fazem lembrar o
início do século XIX.
Para
perceber em primeira mão a crise capitalista e as reações dos
trabalhadores, passei a maior parte de Maio na Irlanda e no País
Basco encontrando-me com líderes laborais, militantes de base,
trabalhadores desempregados, ativistas políticos, académicos e
jornalistas. Inúmeras entrevistas, observações, publicações,
visitas a locais de trabalho e a lares familiares – em cidades e
aldeias – constituem a base deste artigo.
Irlanda
e País Basco: Crises comuns e reações divergentes
As
nações, sociedades e economias irlandesas e espanholas (que incluem
o País Basco pendente de um referendo) – têm sido vítimas de uma
prolongada e profunda depressão capitalista que tem devastado o
nível de vida de milhões. O desemprego e o subemprego na Irlanda
atinge os 35% e no País Basco ultrapassa os 40%, em que o desemprego
juvenil atinge os 50%. Ambas as economias se contraíram em mais de
20% e não mostram sinais de recuperação. Os partidos no governo
reduziram as despesas públicas entre 15% a 30% numa série de
serviços sociais. Através de operações de salvamento aos bancos,
do pagamento aos credores externos, e sujeitando-se aos ditames da
'troika' autocrática (Fundo Monetário Internacional, Banco Central
Europeu e Comissão Europeia), a classe dominante capitalista na
Irlanda e na região basca impossibilitaram quaisquer possíveis
investimentos para recuperação. O chamado programa de 'austeridade'
é imposto apenas aos trabalhadores, empregados e pequenos
comerciantes, nunca à elite. A 'troika' sediada em Bruxelas e os
seus colaboradores locais reduziram ou eliminaram impostos
empresariais e proporcionam subsídios e outros incentivos monetários
para atrair empresas multinacionais e capital financeiro estrangeiro.
Os
partidos políticos burgueses em exercício, no poder no início do
colapso, foram substituídos por novos regimes que estão a assinar
acordos adicionais com a 'troika' e os banqueiros. Estes acordos
impõem cortes ainda mais profundos e mais selvagens no emprego
público e enfraquecem ainda mais os direitos dos trabalhadores e a
sua protecção. Os patrões passaram a ter poderes arbitrários para
contratar e despedir trabalhadores sem aviso prévio, sem
indemnizações por rescisão ou pior ainda. Alguns contratos na
Irlanda permitem que os patrões exijam reembolso parcial de salários
se os trabalhadores forem forçados a abandonar os seus empregos
antes do fim do contrato, por abuso dos patrões. A economia
espanhola – incluindo o País Basco – está sujeita a uma forma
moderna de 'pagamentos tributários' ditados pela oligarquia
imperialista dirigente em Bruxelas. Esta oligarquia não é eleita e
não representa o povo que tributa e explora. Responde apenas perante
os banqueiros internacionais. Por outras palavras, a União Europeia
tornou-se um verdadeiro império – governado pelos e para os
banqueiros com sede na City de Londres, em Genebra, em Frankfurt e na
Wall Street. A Irlanda e o País Basco são governados por regimes
vassalos colaboradores que implementam a pilhagem económica do seu
eleitorado e impõem os ditames da oligarquia da UE – incluindo a
criminalização dos protestos políticos de massas.
As
semelhanças nas condições socioeconómicas entre a Irlanda e o
país basco perante a crise, a austeridade e o domínio imperialista
contrastam, no entanto, com as reacções profundamente divergentes
dos trabalhadores nas duas regiões devido a estruturas políticas,
sociais e económicas, a histórias e a práticas profundamente
diferentes.
Enfrentando
a crise: Luta basca, luta irlandesa
Perante
a crise de longo prazo, em grande escala, a Irlanda tornou-se no
estado vassalo 'modelo' para os estados credores imperialistas. A
confederação sindical irlandesa mais importante e os partidos
políticos dominantes – incluindo o Partido Trabalhista atualmente
em coligação com o Partido Fine Gael governante – assinaram uma
série de acordos com os oligarcas de Bruxelas para grandes cortes no
emprego público e nas despesas públicas. Em contraste, a Comissão
de Trabalhadores Bascos, ou LAB, de militância pró-independência,
promoveu sete greves gerais com êxito com mais de 60% de
participação de trabalhadores no país basco – incluindo a última
em 30 de Maio de 2013.
As
políticas colaboracionistas de classe dos sindicatos irlandeses
levaram a uma profunda fratura geracional – com os trabalhadores
mais velhos a assinar acordos com os patrões para 'preservar' os
seus postos de trabalho à custa da segurança de emprego para os
trabalhadores mais jovens. Sem meios organizados para a luta de
massas, os trabalhadores irlandeses jovens têm vindo a sair do país
em quantidades nunca vistas desde a Grande Fome de meados do século
XIX: nos últimos quatro anos emigraram mais de 300 mil e prevê-se a
saída de mais 75 mil em 2013, numa população trabalhadora de 2,16
milhões. Perante esta catástrofe do século XXI, o azedume e a
'fratura geracional' dos trabalhadores emigrantes exprime-se no nível
muito baixo de remessas que são enviadas para 'casa'. Uma das razões
por que a taxa de desemprego irlandesa se mantém em 14% em vez de
20-25% é a fuga espantosa de trabalhadores jovens para o
estrangeiro.
Em
contraste, não existe essa emigração em massa de trabalhadores
jovens no país basco. Em vez da fuga, intensificou-se a luta de
classes. A luta pela libertação nacional ganhou apoio entre a
classe média e os pequenos comerciantes que enfrentam o fracasso
total do regime de direita em Madrid (governado pelo auto-intitulado
'Partido Popular') em deter a espiral descendente. A fusão da luta
de classes com a luta nacional no país basco tem combatido quaisquer
acordos de resgate assinados pelos sindicatos 'moderados', pelas
Comissões de Trabalhadores (CCOO) e pela União Geral de
Trabalhadores (UGT). O LAB, a ativa Comissão de Trabalhadores
Bascos, tem uma influência muito maior do que o seu número de
trabalhadores sindicalizados formalmente filiados pode sugerir. A
capacidade do LAB para a mobilização está alicerçada na sua
influência entre delegados de fábrica que são eleitos em todos os
locais de trabalho e que ultrapassam em muito todos os membros
sindicalizados. Nas reuniões de delegados em assembleias, os
trabalhadores discutem e votam a greve geral – ultrapassando
frequentemente ordens das sedes centrais em Madrid. A democracia
direta e a militância de base libertam os trabalhadores bascos
militantes da estrutura sindical burocrática e centralizada que, na
Irlanda, tem imposto 'cedências' retrógradas às empresas
multinacionais.
No
País Basco, há uma poderosa tradição de cooperativas, em especial
no complexo industrial de Mondragon, que criou uma solidariedade
operária nas comunidades urbano-rurais que não existe entre
operários irlandeses. Os mais importantes políticos e conselheiros
económicos irlandeses ajoelharam-se perante as empresas
multinacionais, oferecendo-lhes as taxas de impostos mais baixas,
isenções de impostos a um prazo maior e regulamentações laborais
mais submissas do que em qualquer outro país da União Europeia.
No
país basco, o partido político nacionalista-socialista EH
Bildu-Sortu, o jornal diário Gara e o LAB proporcionam apoio
político e ideológico durante greves, atos eleitorais e
mobilizações de massas com base na luta de classes. Em conjunto,
contestam os programas de 'austeridade' numa força unida.
Na
Irlanda, o Partido Trabalhista, supostamente ligado aos sindicatos,
aderiu à atual coligação governamental. Acordaram numa nova vaga
de cortes em despesas sociais, demissões de funcionários públicos
e reduções de ordenados e salários de 20%. A liderança sindical
pode estar dividida quanto a estes cortes drásticos mas mesmo assim
a maioria apoia o Partido Trabalhista. O sindicato de trabalhadores
retalhistas, mais militante, rejeita os cortes mas não tem
alternativa política. Para além do apoio do Sein-Fein
republicano-nacionalista e de partidos de esquerda mais pequenos –
a classe política não oferece nenhum programa ou estratégia
política progressista. O Sein Fein fez a 'transição' da luta
armada para a luta eleitoral. Segundo as últimas sondagens (Maio de
2013), duplicou a sua taxa de aprovação eleitoral de menos de 10%
para 20% devido à crise. No entanto, o Sein Fein está dividido
internamente: a ala 'esquerda' pró-socialista procura intensificar a
luta 'anti-austeridade' enquanto os líderes parlamentares
'republicanos' se concentram na unificação e desvalorizam a luta de
classes. Em consequência da sua colaboração com a 'troika' e com
as novas leis tributárias regressivas, o Partido Popular está a
perder o apoio e o partido tradicional de direita, o Fianne Fail, que
presidiu às vigarices maciças, à explosão especulativa e às
cedências às empresas, está a conseguir uma recuperação
eleitoral – e pode mesmo reconquistar o poder! Isso ajuda a
explicar porque é que os trabalhadores irlandeses perderam a
esperança em qualquer mudança política positiva e estão a fugir
em debandada da perpétua insegurança quanto ao emprego, imposta
pela sua elite: 'Vale mais um bilhete de avião para a Austrália do
que a vida inteira de servidão por dívida, de leis de bancarrota
regressiva e de contratos ditados pelo patronato aprovados por chefes
sindicais que recebem salários de seis dígitos'.
A
revolta do país basco contra o governo centralizado em Madrid
baseia-se em parte no facto de ser uma das regiões de Espanha mais
produtiva, mais avançada tecnologicamente e mais progressista
socialmente. O desemprego basco é menor do que o do resto de
Espanha. Os níveis mais altos de educação, um sistema de saúde
regional abrangente, especialmente nas zonas rurais e uma rede
alargada de assembleias locais eleitas, aliados às heranças únicas
linguística e cultural, fez avançar a nação basca para uma maior
autonomia política. Para muita gente é isto que marca os bascos
como 'vanguarda' política na luta contra os ditames neo-liberais da
UE e do decrépito regime em Madrid.
Conclusão:
Perspectivas políticas
Se continuarem as atuais políticas de austeridade e as tendências de emigração, a Irlanda tornar-se-á um 'país esvaziado', com monumentos históricos, bares repletos de turistas e igrejas antigas, destituído dos seus trabalhadores mais ambiciosos, mais bem treinados e mais inovadores: um paraíso fiscal des-industrializado, as Ilhas Caimão do Atlântico Norte.
Nenhum país do seu tamanho e dimensões pode manter um estado viável confrontado com os atuais e continuados níveis de emigração dos seus trabalhadores jovens. A Irlanda será recordada pelos seus postais ilustrados e isenções fiscais temporárias. Contudo, ainda há esperança se os republicanos de esquerda do Sein Fein, os socialistas, os comunistas e os ativistas anti-imperialistas se juntarem aos desempregados e aos trabalhadores mal pagos e formarem novas redes de base. Em determinada altura as portas giratórias dos políticos irlandeses que entram e saem dos cargos podem acabar por parar. Os jovens desempregados, educados e irritados podem decidir ficar em casa, defender o seu terreno e virar as suas energias na direção de uma rebelião popular. Um líder socialista consequente resumiu assim: "O profundo pessimismo e a influência da falência da social-democracia e da ideologia imperialista no seio do movimento laboral são muito fortes. Como sabem, não podemos encetar uma viagem a não ser a partir do sítio em que estamos". A determinação e a convicção dos militantes sindicalistas irlandeses é na verdade uma razão para ter esperanças e para acreditar que a fuga atual se pode transformar numa luta futura.
No
caso do país basco, a crescente luta de massas de classes e
nacional, ligada à herança de poderosas cooperativa e das
assembleias de trabalhadores com base na solidariedade, fornece a
esperança de que o atual regime reacionário em Madrid possa ser
derrotado. A junta dirigente neo-fascista (o partido dirigente ainda
presta homenagem à ditadura e às forças armadas de Franco) está
cada vez mais desacreditada e é obrigada a recorrer a uma maior
repressão. No que se refere aos movimentos militantes bascos, o
regime tomou medidas provocadoras violentas: criminalizou os
protestos legais de massas, prendeu defensores da independência sob
acusações falsas e proibiu expressamente a exibição pública das
fotos de prisioneiros políticos (a que Madrid chama 'terroristas').
É nítido que o governo está cada vez mais preocupado com a força
das greves gerais, do crescente poder eleitoral da esquerda
pró-independência – e tem estado a tentar provocar uma 'resposta
violenta' como pretexto para proibir a imprensa, o partido e o
programa do EH Bildu Sortu e do LAB.
A
minha sensação é que Madrid não vai conseguir. A Espanha,
enquanto estado centralizado, está a desintegrar-se: as políticas
neoliberais destruíram os elos económicos, estilhaçaram os laços
sociais e abriram a porta ao avanço dos movimentos sociais de
massas. O sistema bipartidário está a desmoronar-se e as políticas
colaboracionistas de classe das tradicionais confederações
sindicais estão a ser contestadas por uma nova geração de
movimentos autónomos.
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... . Tradução de Margarida Ferreira.
Este
artigo encontra-se em http://resistir.info/
Posted 9 hours ago by Carlos Everardo Silva
Labels: Mundo
*Centrodosocialismo
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