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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, junho 14, 2013

Estamos enfrentando o AI-5 do governador Geraldo Alckmin”

 
Guardo na memória alguns episódios do governo de Mário Covas, que considero um político importante na história, que fazia política com convicção e sangue nas veias. Líder mais autêntico da história do PSDB, Covas foi governador de São Paulo e sofreu uma pressão muito forte por conta do crescimento dos índices de violência.
Era uma São Paulo saudosa de Malufs e Fleurys, que acabara de viver o Massacre do Carandiru, e cobrava medidas enérgicas contra o crime. Havia uma forte pressão comparável à campanha em curso pela redução da maioridade penal. As cobranças eram para que o governador se manifestasse de forma dura contra os criminosos.
Covas respondeu o seguinte ao ser questionado pela imprensa: qualquer manifestação do governador naquele contexto seria entendida pelo policial, lá na ponta, como uma autorização para matar. O então governador, que tinha toda a razão, “apanhou” bastante dos setores conservadores e da mídia que o acusavam de “bundão”. Covas queria dizer que qualquer sinal desse tipo vindo das autoridades é entendido pelos policiais como uma ordem para usar todos os meios possíveis para “resolver” a situação.
De lá para cá, muitas coisas mudaram. O PSDB já foi um partido preocupado com os direitos humanos, que tinha ainda memória da participação de seus dirigentes no processo de luta pela democracia na década de 80.  A postura do governador Geraldo Alckmin não lembra em nada a postura responsável de Covas. As declarações do governador não só legitimam como estimulam e liberam as ações de violência da Polícia.
Aqui vai uma das declarações do governador, o responsável político pelas ações da PM: “Manifestação é legítima, natural. Outra coisa é fazer depredação de patrimônio público, deixar um rastro de destruição por onde passa, prejudicando o usuário do sistema”.
Esse discurso aparentemente democrático, de respeito às manifestações, entra nos ouvidos dos policiais como uma orientação de agir para impedir a realização desses protestos, ainda mais com o clima criado por uma cobertura criminalizadora da mídia. A mensagem entendida pelos policiais é a seguinte: essas manifestações são ilegítimas, violentas e devem ser reprimidas com toda a força.
E foi justamente o que os soldados da PM fizeram na noite desta quinta-feira. Prisões arbitrárias (de portadores de vinagre), espancamentos covardes, agressões a jornalistas, tiros e bombas jogadas em grupos de manifestantes que gritavam “sem violência, sem violência”.
A disposição da polícia era encerrar o ato o quanto antes, independente da postura dos manifestantes. A intolerância de uma polícia revanchista, que começou a fazer revistas e prisões de cidadãos na saída do metrô antes do ato, teve como resposta a ampliação da consciência dos manifestante de que a violência só joga água no moinho de quem está contra os protestos.
A palavra de ordem “sem violência, sem violência” é uma demonstração dos objetivos dos manifestantes, que repetindo em coro a frase constrangem a polícia e envergonham uma minoria – aparentemente ainda menor – disposta a acirrar os ânimos.
Um país com a democracia consolidada, diante dessa situação de violência institucionalizada contra a população, faria um movimento pelo impeachment do responsável pela ação da PM, o governador Geraldo Alckmin. Se o prefeito Fernanda Haddad comete um erro político ao sustentar a posição de manter o aumento da tarifa de ônibus, Alckmin ameaça com a sua polícia a democracia e as liberdades civis ao impedir a realização de uma manifestação que tem uma causa justa.
Diante disso, estamos enfrentando o AI-5 do governador Geraldo Alckmin, que suspende várias garantias constitucionais e consolida uma  “linha dura” militar em pleno regime democrático. A generalização de ações ilegais pelo Estado, especialmente as arbitrariedades do seu braço armado portador do monopólio da for ça, obriga uma ação em defesa da democracia que passa pelo afastamento imediato do responsável por essa situação, o governador Alckmin, que não mostra condições de conduzir esse processo.
Por outro lado, enquanto não der uma declaração firme contra a violência da polícia e a concreta ameaça à democracia, Haddad será considerado condescendente e pagará um preço político pela postura titubeante.
Os atos dos jovens, que versam sobre temas de fundo relacionados à questão urbana, ganham importância cada vez maior porque passaram a tocar em uma ferida que marca o nosso país. No processo de redemocratização da década de 80, setores da classe dominante evitaram que se levasse a cabo o potencial das transformações defendidas pelo movimento político que estava em luta.
Assim, não houve uma ruptura com o regime militar para a instauração de uma democracia que levasse até as últimas consequências a participação do povo na política e a destruição da estrutura de repressão criada na ditadura. Por isso, a polícia que agora reprime jovens manifestantes é a mesma que prendia, espancava e torturava aqueles que lutavam contra a ditadura.
Com isso, a questão central não é mais o aumento de 20 centavos nas tarifas (embora esse seja o problema motivador). Estão em jogo os limites da democracia, cada vez mais estreitos ao não tolerarem a realização de manifestações, a ocupação de espaços públicos e a participação popular na política.
Cada vez mais jovens saem às ruas para protestar e os atos estão ficando maiores. Cresce o sentimento de que é necessário lutar e, mesmo com o clima de terror e medo criados pela violência da PM, esses jovens se somam às manifestações de cara aberta e com um brilho especial no olhar. Muitos vivem pela primeira vez, com seus 16 ou 17 anos, a experiência de participar de protestos de massas.
Esse processo pode contribuir na construção de uma força social no futuro, se for conduzido de forma responsável, estiver colado nos anseios mais sinceros da sociedade e criar condições de converter o ativismo de animados e corajosos jovens em uma organização política capaz de enfrentar os problemas estruturais, que necessariamente fará a ruptura adiada na década de 80 e, enfim, consolidará a democracia no país.
Igor Felippe No Viomundo

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