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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, julho 06, 2014

O ESCÂNDALO É A FALTA DE INDIGNAÇÃO

Paulo Moreira Leite*









Depois do carnaval diante da mordida de Suarez, observadores silenciam diante da agressão criminosa contra Neymar.

O aspecto mais chocante da contusão que deixará Neymar fora da Copa é a falta de indignação.

A joelhada de Zuñiga aos 41 minutos do segundo tempo foi um ato desleal e deliberado. Atacando sua vítima por trás, Zuñiga empurrou a cabeça de Neymar com a mão direita, para que o tronco ficasse encurvado e a espinha dorsal, mais exposta.

Se Neymar tivesse sido atingido algumas vértebras acima, o dano seria muito grave e é bom nem pensar nas consequências para o futuro do jogador. Mesmo assim, uma vértebra foi fraturada – o que dá uma ideia da violência que atingiu Neymar.

Zuñiga não foi expulso. Nem recebeu cartão amarelo. Não irá sofrer nenhuma punição.

A agressão, brutal, foi tratada como uma agressão normal de jogo, embora tivesse produzido uma lesão muito mais grave do que a mordida do uruguaio Luis Suárez no ombro do italiano Chiellini.

Olha só: embora tenha sido um ato de uma pessoa psicologicamente perturbada, o que é sempre um atenuante num caso como este, a mordida de Suárez lhe valeu a suspensão por nove partidas da FIFA. Até Chiellini achou um exagero.

A reação diante da violência contra Neymar, o maior jogador brasileiro, a estrela número 2 da Copa depois do argentino Messi, foi a passividade. Essa é a mensagem.

É curioso imaginar por que não se fez um escândalo, nem no momento da agressão nem depois. Ficou tudo na normalidade.

O juiz Carlos Velazco Carballo será punido? E Zuñiga? Nada. A maior crítica que li nos jornais, hoje, foi um comentário dizendo que sua entrada foi "maldosa." Fraco, hein?

Será que a Comissão de Arbritragem da FIFA irá se manifestar contra Carballo? Quem está pedindo? Quem exige?

Dá para entender o recado enviado aos árbritos das próximas partidas do Brasil, certo?

Essa reação compreensiva – digamos assim -- encobre um movimento que não ousa se mostrar por inteiro. Estou falando da torcida contra a Copa.

Derrotados fora de campo, quando se comprovou que a Copa era um sucesso nacional e internacional, e que a maioria dos meios de comunicação havia embarcado numa Escola Base em nível federal, testemunhada por 200 milhões de brasileiros, essa turma foi obrigada a guardar as energias negativas para o que acontece nos gramados.

Não vamos negar: a possibilidade, real, do Brasil sair campeão deixa essa turma em pânico.

Seu movimento mental é semelhante ao discurso de Carlos Lacerda contra Juscelino Kubisctheck nas eleições de 1955, quando ele dizia: JK não pode candidatar-se; se sair candidato, não pode vencer; se vencer, não será empossado. Na Copa de 2014, o raciocínio é o mesmo. Não podia haver Copa. Como ela aconteceu, deveria ser ruim. E se não foi ruim, o Brasil não poderia vencer.

Por isso ficaram muito indignados com o penalti (duvidoso, no mínimo) em cima de Fred no jogo do VNTC contra a Croácia. Mostraram-se generosos quando a Holanda foi beneficiada num lance parecido. Acharam normal.

Nas rodadas finais do Mundial, a turma do "Não vai ter Copa" aposta suas últimas esperanças numa derrota da Seleção.

Exibe sorrisos amarelos a cada vitória dos meninos. Ontem, quando ficou garantido que, na pior das hipóteses, a Seleção Brasileira terá direito a disputar uma medalha de bronze, o que ninguém espera mas está longe de ser aquele fiasco anunciado, a ausência de Neymar tornou-se a esperança silenciosa desse pessoal que, nos últimos dias, tentava inutilmente jogar nas costas da "Copa" e do "PAC" a tragédia numa obra de infraestrutura de Belo Horizonte, licitada e administrada pela prefeitura de um aliado da oposição.

A joelhada de Zuñiga foi um ato canalha. Mas o jogo fora do campo é muito pior e desleal, vamos combinar.

*Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília

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