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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, outubro 22, 2014

A equivocada noção de igualdade de gênero de Aécio Neves


Essa semana apareceu pelas redes sociais uma das propostas de Aécio Neves para segurança pública e também para garantir a igualdade de gênero.

A proposta é promover a entrada de mais mulheres nas forças armadas brasileiras, antes que venha fulaninho questionar que “as feministas querem igualdade mas não pautam o alistamento obrigatório para as mulheres” devo lembrar que boa parte do movimento feminista é contra o alistamento obrigatório dos meninos e, ainda mais, caracteriza que a militarização da vida não avança com os direitos das mulheres.
Em 2012 a CNN veiculou reportagemapontando a dificuldade de se apurar casos de estupro junto a tropas estado unidense. A matéria da CNN, o documentário “The Invisible War” e um artigo da Naomi Woolf sobre o tema apontaram que na sociedade estado unidense há uma sub-notificação de casos de estupro dentro do exército dos EUA.
 
A perspectiva apresentada na campanha de Aécio Neves para aproximar as forças armadas brasileiras da sociedade civil explorando as “características naturais” das mulheres de mediar e pacificar situações de conflito não é nova. Tanto que a primeira vez que as mulheres entraram no serviço militar brasileiro foi em 1980, ainda no governo do general Figueiredo, na Marinha.
 
A decisão levou anos para ser tomada e a foi feita para aprofundar uma imagem mais humanizada do Exército, visto o período político que vivíamos e o próprio avanço do debate feminista pelo mundo, ou seja, a entrada das primeiras mulheres nas Forças Armadas foi uma resposta da direita e do capital de que era possível ampliar direitos dentro do próprio sistema e do seu braço armado.
 
A ênfase na distinção entre homens e mulheres, representa uma cilada ao pretender legitimar com explicações biológicas e naturais culturalmente forjadas, comportamentos inscritos no âmbito sócio-cultural. (…) o interesse em tal distinção surgiu historicamente quando estas diferenças se tornaram politicamente importantes, representadas pela clivagem da política de poder do gênero, sendo invocadas a cada episódio envolvendo lutas pelo poder. Desde então este tem sido o eixo analítico privilegiado na construção cultural da cilada da diferença sexual, o qual vem informando e justificando o lugar das mulheres na sociedade segundo as características pretensamente biológicas do seu corpo. Deste modo, às mulheres militares foi negado o lugar e a formação em funções de combate a despeito de suas competências e desejos, justificando-se o seu lugar em funções auxiliares sob o enfoque analítico da construção cultural da diferença sexual e da interpretação biológica socialmente construída do seu corpo. (D’ÁVILA, Mariza Ribas. Batalhas culturais de gênero: A dinâmica das relações de poder no campo militar naval)
 
Apesar do fato de que incluir mulheres nas Forças Armadas ou nas Polícias Militares estaduais ser visto como uma medida humanizadora destes instrumentos de segurança pública, acredito que esta incorporação acaba não avançando na perspectiva dos direitos humanos.
 
Ou seja, a dogmática militarista e a forma de organização hierárquica destas instituições já nos revelam a dureza e a necessidade de manutenção de um status quo onde a divisão sexual do trabalho é reverberada de forma mais brutal, além do fato de que é na tarefa coercitiva do Estado que as instituições militares encontram sua atividade fim. Coerção esta que vemos ser aplicada seja nas ações dos exércitos (seja de qual país for) em missões pelo mundo – onde podemos observar o aumento de violências sexuais nas populações alvo destas missões  -, seja na atuação das polícias militares estaduais e no grau de racismo e machismo institucional com que é tratada a juventude brasileira.
 
O fato é que quando Aécio Neves apresenta uma proposta que visa dialogar com a igualdade de gênero dentro de instituições organizadas para manter a vida como ela é. As Forças Armadas ajudam a manter o mundo sob o tacão do medo e mantendo uma sociedade que seja racista, machista, homolesbobitransfóbica e capitalista. E de que adianta mulheres subjugadas a uma hierarquia e disciplina comandadas principalmente por homens brancos heteros e cisgêneros?
 
Acredito que estamos em um patamar hoje onde o questionamento se basta apenas o fato de ser mulher ocupando lugar em uma instituição que tem por ideologia e organização concreta manter a opressão de outras mulheres sejam brancas, negras ou indígenas é algo que precisa ser profundamente refletido não apenas pelo movimento feminista, mas pelo conjunto dos movimentos que combatem diversas formas de opressão e exploração como o movimento LGBT e movimento negro.
 
Inclusão em espaços que ajudam na nossa coerção não é política que garanta nossa emancipação, viu Aécio? É apenas política para diversificar nossos algozes e não nos emancipar.


*http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/52006-a-equivocada-noção-de-igualdade-de-gênero-de-aécio-neves.html

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