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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, setembro 30, 2011

TV RECORD NÃO É A NOVA TV EXCELSIOR


VINHETA DA TV EXCELSIOR EM 1963.

Por Alexandre Figueiredo

Até hoje, no âmbito cultural, não recuperamos o caminho perdido em 1964. Quando vemos que a intelectualidade de esquerda é submetida, ainda, aos valores da direita cultural, com o paternalismo ao povo pobre prometido por esta, isso significa que até agora muitas feridas deixadas pelo regime militar ainda não foram cicatrizadas.

Pelo contrário, como vemos em nossos textos, vemos parte da direita brasileira se fantasiar de "esquerdista", fazendo falsos ataques à Folha, Globo, FHC e outros ícones da mídia e da política direitistas, e enganando a intelectualidade esquerdista afogada ainda nos seus preconceitos de classe média que só contemplam o rádio portátil da empregada.

Só isso mistura pseudo-esquerdistas e esquerdistas ingênuos, que veem cabelo em ovo e acreditam que a direita não mexeria no tema cultura, que desliza pela mídia como um misto de virgem imaculada e bebê inocente, que transitaria pela Barão de Limeira (sede da Folha de São Paulo) e pela Casa Amarela (sede de Caros Amigos) com a mesma serenidade.

Não é bem assim. A cultura de direita quer empurrar mesmo os seus valores para a intelectualidade de esquerda acreditar, sob o pretexto de que tais valores são "generosos" com o povo pobre, para tentar neutralizar o avanço de políticas de centro-esquerda com a manutenção dos mesmos valores culturais vigentes nos tempos de Geisel, Sarney, Collor e FHC.

A ingenuidade ocorre de tal forma que muitos veem um maniqueísmo grosseiro entre duas principais redes de televisão do Brasil, a Rede Globo e a Rede Record.

Certamente, a Rede Globo seria, de fato, a mídia direitista, conservadora, alinhada com os interesses das classes dominantes e uma das porta-vozes do imperialismo norte-americano (se bem que essa palavra, "imperialismo", tornou-se gasta no jargão esquerdista).

No entanto, a visão ingênua dos esquerdistas mais ingênuos, vários deles realmente iniciantes, embora reconheça corretamente o lado ideológico das Organizações Globo, comete o equívoco de contrapor a ela, de forma grosseiramente generalizada, a Rede Record, tida como "necessariamente esquerdista".

Alguns desses ingênuos, mal saídos das escolas de Comunicação, até tentam, assim que conhecem a história da televisão, criar uma analogia equivocada da Rede Record atual à extinta rede de televisão Excelsior, surgida em 1960 e administrada pelo dono da extinta empresa de aviação Panair, Mário Wallace Simonsen.

Simonsen - não confundir com o banqueiro direitista Mário Henrique Simonsen - era amigo de João Goulart e Leonel Brizola, e era um empresário que, apesar do seu poder econômico expressivo, tinha uma mentalidade centro-esquerdista. O IPES até tentou cooptá-lo, na sua "frente ampla" contra Jango, mas Wallace Simonsen manteve seus princípios e foi fiel a Jango e suas causas até mesmo depois do golpe.

A TV Excelsior, evidentemente, não era, por si só, uma televisão esquerdista. Mas tinha uma programação de qualidade num tempo em que até a direita cultural primava pelo respeito à cultura e ao ser humano. E a TV Excelsior também tornou-se conhecida por ter inovado o telejornalismo brasileiro, ao mesmo tempo interessante, instigante, honesto e digno.

A ditadura militar rompeu com isso, e hoje temos uma televisão que soa debilóide, viciada e desinteressante, apesar de hipnótica e tendenciosa. E a ditadura perseguiu a bem administrada TV Excelsior até estrangulá-la política e financeiramente em 1970.

Pois a Rede Record, que naqueles idos de 1963-1964 não era rigorosamente Rede Record, mas Emissoras Unidas, com parcerias feitas sobretudo com a carioca TV Rio, teve outro dono então, a família Machado de Carvalho que, em parte, passou a controlar também as rádios Panamericana (hoje Jovem Pan 1 e Jovem Pan 2).

Mas, passando por outros controles acionários, a Record, desde 1992, é controlada pelo pastor Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, complexo religioso surgido sob inspiração da Igreja Nova Vida, fundada pelo pastor Robert McAlister em 1960.

Juntando vários contextos diferentes num país hoje em crise de valores sócio-culturais como o Brasil, certamente a Rede Record nem de longe é a nova TV Excelsior, e muito menos Edir Macedo é o novo Mário Wallace Simonsen.

Em que pese a Record ter em seu elenco gente realmente inclinada à mídia esquerdista, como Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Vianna e Heloísa Villela, eles não refletem necessariamente o perfil da emissora, que na prática é uma grande salada ideológica.

Eles são até uma ilha de integridade e inteligência (embora se critique certas posturas de PHA) mesmo dentro do jornalismo da Record, que não é totalmente ligado às mídias progressistas. E seria muita tolice acharmos que até Gugu Liberato virou esquerdista. Além disso, até agora Rodrigo Faro não nos brindou, e nem está interessado em nos brindar, com uma imitação de Fidel Castro ou de Che Guevara discursando para a população. E já fizeram 50 anos da famosa condecoração de Jânio Quadros ao famoso Che.

O fato do jornalismo da Record não ser totalmente esquerdista e nem representar uma unidade de forças progressistas se explica desta forma:

Primeiro, porque há o tal "jornalismo mundo-cão". Ainda que Wagner Montes seja filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), ele trabalha com um tipo de noticiário grosseiro, vulgar, que nada tem a ver com os movimentos sociais, de fato. E sua origem vem do mesmo O Povo na TV (programa lançado pelo SBT há 30 anos) que o "petebista" de alma demotucana, Roberto Jefferson.

Segundo, porque recentemente entrou na Record o jornalista Heródoto Barbeiro, que, pelo seu passado remoto (ele chegou a ser filiado à ARENA) e recente (visão tecnocrática e jornalismo conservador) direitistas, e pelo rompimento relativo com o demotucanato, tornou-se uma espécie de Gilberto Kassab do telejornalismo, investindo no mesmo padrão abrangente, mas domesticado de telejornalismo da Rede Bandeirantes / Band News.

E, terceiro, porque, falando em Rede Bandeirantes, a quase entrada de José Luiz Datena no telejornalismo da Rede Record quase o faria pseudo-esquerdista, não fosse as posições claramente direitistas que Datena deixou passar e, quando voltou à Band, reafirmou quando era entrevistado pelos membros do programa humorístico CQC, notório pelo direitismo (Marcelo Tas no Instituto Millenium, Rafinha Bastos com posturas machistas).

Agora, algumas posturas fazem com que a Rede Record demonstre estar enquadrada na mesma mídia conservadora de Globo, Band e SBT. Ou mesmo da TV Cultura "tucana". Não bastasse o setor de entretenimento ser bastante popularesco - o portal R7 chega a ser um paraíso astral para a breguice reinante no nosso país - , a Record seguiu a mesma cartilha da Globo na cobetura do 11 de Setembro, da hidrelétrica de Belo Monte e das passeatas contra a corrupção.

Certamente isso é de parte de um jornalismo que não é o dos integrantes do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, mas de outros membros não alinhados com a mídia esquerdista. Afinal, existe uma rotatividade de profissionais da Globo para a Record, da Globo para a Band, ou vice-versa, que não há como realizar uma ruptura ideológica consistente.

Quanto ao dono Edir Macedo, nem precisam maiores comentários. Seu caráter manipulador, como líder religioso, além de corrupto e tendencioso, já tornaram-se famosos.

O que deve valer, na análise de Amorim, Azenha, Vianna e seus parceiros, é aquela máxima que vemos nas fichas técnicas dos veículos de imprensa em geral: "as opiniões que eles transmitem não refletem necessariamente a visão do veículo de comunicação ao qual fazem parte".
*mingaudeaço

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