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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, junho 11, 2015

Por um plano de investimento que quebre o monopólio da Globo




Por um plano de investimento que quebre o monopólio da Globo

Em 1970, o Brasil tinha 90 milhões de habitantes e o televisor era inacessível para muitos lares. Muita coisa mudou, mas as emissoras que viraram redes nacionais são praticamente as mesmas
por Helena Sthephanowitz
MARCIA MINILLO / RBA
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Ato de 'descomemoração' de aniversário da Globo, em São Paulo. Hora de revisar competitividade do setor
Apesar dos urubólogos de plantão, o Plano de Investimento em Logística, anunciado na terça-feira (9) pelo governo brasileiro tem tudo para dar certo. E o motivo é muito simples: é um bom negócio e de pouco risco. Existe muito dinheiro ocioso no planeta em busca de porto seguro, que não seja apenas o capital especulativo, de alto risco. E colocar o dinheiro em ferrovias, rodovias, portos e aeroportos em um país com demanda crescente como é o caso do Brasil oferece a segurança necessária para diversificar investimentos de longo prazo.
Mas tem outros setores da economia que estão travados e a caminho de uma crise setorial pela obsolescência do modelo que trava novos investimentos. É o caso da TV aberta. A tecnologia avançou muito, a sociedade brasileira também, os equipamentos baratearam, mas a estrutura de oligopólio continua a mesma dos anos 1970, o que não atrai novos investimentos e não gera novos empregos no setor.
O modelo de negócios da TV aberta está tão travado e arcaico que não acompanhou nem a evolução socioeconômica dos domicílios brasileiros. Hoje, é comum ter dois televisores mesmo em casas de famílias consideradas de baixa renda que não dispõem de TV por assinatura. No mesmo horário, enquanto uma pessoa poderia assistir futebol no quarto, outra poderia ver novela na sala, multiplicando a audiência simultânea, a receita de anúncios no setor, e gerar mais empregos para artistas, técnicos, jornalistas, esportistas.
Mas do jeito que está hoje, mesmo com queda de audiência ano a ano, existe uma rede de televisão hegemônica, a Rede Globo, que, com a concentração de poder econômico, domina o mercado de produção de novelas e, através de conchavos com a cartolagem do futebol, há anos detém os direitos de transmissão de quase todos os campeonatos nacionais de futebol de grande interesse. Com essa concentração da programação nas mãos da mesma emissora, tira do espectador o direito à escolha do que quer ver na TV aberta.
Pausa para lembrar que o horário tardio que a TV Globo impõe aos jogos, depois da novela, espanta o público dos estádios. Esta imposição da emissora conseguiu a façanha de fazer o público médio por jogo do Campeonato Brasileiro ser menor do que o do campeonato da liga estadunidense de futebol, país onde este esporte é bem menos popular do que no Brasil.
Hoje a tecnologia digital permite ter mais de 100 canais simultâneos na mesma localidade, mas praticamente só vemos a expansão de canais religiosos e canais públicos como TV Senado, TV Câmara e de Assembleias Legislativas. Há muitos canais disponíveis sem estarem preenchidos à espera de interessados. Isso mostra um ambiente de negócios desfavorável a novos investimentos, situação que só interessa ao oligopólio de redes de TVs atuais, para não serem incomodadas por novos concorrentes. Mas é prejudicial ao cidadão telespectador e aos trabalhadores deste setor da economia.
Pois se justificou fazer um programa de investimento em logística para o tráfego de gente e coisas, também justifica fazer um programa de investimento para o tráfego de informações em TV, para oxigenar e dinamizar o setor. Claro que é bem-vinda também a nova etapa do Plano Nacional de Banda Larga prometida e também um plano de investimento ambicioso para geração de conteúdos digitais para a internet – artísticos, culturais e jornalísticos –, mas vamos nos concentrar na TV aberta nesta nota.
Para não permitir a entrada de concorrentes, os atuais donos da televisão fazem propaganda enganosa. Dizem que mudanças na legislação seria interesse do governo em "censurar" ou "controlar a mídia". Argumento que seria piada se não fosse pura má fé. Afinal, quanto mais canais de TV, mais difícil controlar o que chega ao telespectador. Não é a toa que a ditadura apoiada pela TV Globo, que praticou a censura, estimulou a concentração do setor em poucas redes de TVs centralizadas e com donos escolhidos a dedo na hora de dar a concessão.
Até para evitar esse tipo de crítica de má-fé, seria melhor parar de usar a expressão "regulação econômica da mídia" e passar a usar "Programa de Investimento em TV aberta". Assim os lobistas das Organizações Globo ficarão sem argumentos, pois como dizer que são contra investimentos para melhorar seu próprio setor? Só se confessarem que não querem largar o osso do oligopólio, coisa vedada pela Constituição Federal, apesar de burlada permanentemente.
Em 1970, o Brasil tinha 90 milhões de habitantes e o preço do televisor ainda era pesado, inacessível para muitos lares. De lá para cá a população passou de 200 milhões e televisor é artigo popular, mas as grandes emissoras que viraram redes nacionais são praticamente as mesmas de 45 anos atrás, só mudando de dono e de nome no caso das redes menores. Convenhamos que tem alguma coisa errada neste modelo estagnado.
Além disso, todas as concessões públicas com fins lucrativos têm de pagar pela outorga (a não ser nos casos em que há tarifas e o custo da outorga é abatido na tarifa). Mas as TVs Globo, Record, SBT, Bandeirantes, Rede TV, CNT, ganharam a outorga praticamente de graça e sem disputarem leilão. O setor de telefonia celular pagou milhões para ter direito de explorar frequências eletromagnéticas equivalentes, o que demonstra o quanto a TV aberta deixou de pagar ao povo brasileiro. Já passou da hora de passar a pagar pelo menos um pouco daqui para frente, com valores progressivos e justos, proporcionais à capacidade contributiva de cada emissora.
Sem um "Programa de Investimento em TV aberta" semelhante ao de logística, o setor entrará em crise mais rápido, assim como já ocorre com jornais e revistas em papel, prejudicando o crescimento econômico e a geração de empregos.
A internet, por natureza, já tira uma parte da audiência das TVs. Mesmo assim, a TV por assinatura está em crescimento, ainda que modesto, enquanto a TV aberta está em queda livre de audiência, justamente porque o modelo de programação está estagnado desde os anos 1970.
Houvesse diversidade vibrante nas transmissões esportivas, em noticiários, em shows, em humorísticos, novelas, séries, filmes, a soma da audiência dos canais abertos seria maior, mas é claro que esse bolo da audiência seria dividido entre os diversos canais. Melhor para os 200 milhões de brasileiros, para os trabalhadores do ramo, para novos empreendedores em novos canais, e pior apenas para os atuais donos do atual oligopólio televisivo que terão de enfrentar concorrência.
Mas já ganharam demais e, se não perderem um pouco para concorrentes, perderão de qualquer forma pelo abandono do telespectador que, cansado de não ter escolha no controle remoto, irão mais cedo do que o esperado para a internet, para serviços como o Netflix e assemelhados.
*RBA

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