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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, janeiro 12, 2016

Brasil poderá descriminalizar consumo de drogas em 2016?

Para entender melhor a questão, o blog do jornalista Rogério Jordão entrevistou Ilona Szabó, fundadora e diretora do Instituto Igarapé, no Rio de Janeiro: “Consumo de drogas é questão de saúde, não de polícia”, diz a especialista. As informações são via Yahoo!

Em 2016 há grande chance de o Brasil descriminalizar o consumo de drogas, particularmente o da maconha, a partir de um julgamento em andamento no STF. O que isso vai significar na prática? Vale a pena acompanhar o raciocínio de Ilona Szabó, fundadora e diretora do Instituto Igarapé, no Rio de Janeiro, uma ativa defensora da descriminalização no país e em diversos fóruns internacionais. Em abril próximo a ONU vai debater o tema em uma sessão especial de sua Assembléia Geral, diz Ilona nesta entrevista ao blog de Rogério Jordão. Veja:
Rogério – Em 2015, o STF começou a julgar a descriminalização do consumo individual de drogas, com ênfase para a cannabis. Até agora, três juízes votaram favoravelmente e o julgamento continuará em 2016. Quais as chances desta tese vingar?
Ilona – Os ministros do STF têm o dever de julgar matérias à luz da Constituição e das evidências científicas. Acreditamos que sob esta ótica não restam dúvidas: o usuário de drogas lícitas ou ilícitas não é um criminoso. Por isso, estamos otimistas e acreditamos que teremos um resultado favorável à descriminalização do porte para consumo pessoal de todas as drogas no Brasil. A descriminalização é um primeiro passo na busca de uma política sobre drogas mais eficaz e humana. E esta mudança, certamente precisa ser acompanhada por uma abordagem de saúde pública que inclua uma educação honesta sobre drogas, programas de redução de danos e tratamento para os dependentes químicos.
Rogério – O que significa exatamente a descriminalização?
Ilona – Descriminalizar é retirar do âmbito da lei criminal determinadas condutas antes consideradas como crime. Em relação às drogas, descriminalizar se refere somente à demanda – atos de aquisição, posse e consumo, desde que para uso pessoal. O usuário deixa de ser um criminoso, e o consumo de drogas pode então ser tratado como deveria tê-lo sido sempre: uma questão de saúde pública e não de polícia. É importante ressaltar que neste cenário a droga continua sendo ilegal, assim como a sua produção e tráfico.
Rogério – A descriminalização das drogas pode levar a um aumento do seu consumo?
Ilona – Pesquisas demonstram que países que descriminalizaram as drogas, de facto ou de juris, não sofreram aumento no consumo. Pelo contrário conseguiram reduzir índices de overdose, contaminação de HIV, prisões e pequenos delitos relacionados à dependência. Além disso, nos países onde essa medida foi discutida com pragmatismo e honestidade, os jovens conhecem melhor os riscos e as consequências do uso abusivo de drogas e podem tomar suas decisões de forma mais consciente. O Brasil precisa conhecer as experiências de países como Portugal, República Tcheca, Espanha, Suíça, Holanda, Uruguai, entre outros, e aprovar uma nova lei condizente à nossa realidade e que, de fato, proteja os nossos adolescentes e jovens. Estamos atrasados não só no debate, mas na ação pragmática e responsável do Estado.
Rogério – Em 2015, deputados no Chile aprovaram a liberação do cultivo da planta, o Uruguai acabou com a proibição ao comércio e, nos Estados Unidos, quatro estados legalizaram a maconha para uso recreativo. Há uma onda de liberação da maconha no mundo?
Ilona – Importante ressaltar que o que está acontecendo não é uma liberação – é um movimento de regulação responsável de uma droga ilícita que causa menos danos que drogas lícitas como o álcool ou tabaco. É o Estado tomando o controle de maneira responsável daquilo que hoje é completamente descontrolado, em reconhecimento dos danos evitáveis que a atual política vem causando. Está na hora de começarmos a abrir discussões informadas e olhar com seriedade para estes experimentos. Como diria Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, ‘estamos em 2015! Já já estamos em 2016, está na hora de começarmos a reavaliar políticas negativas e ajustá-las, buscando modelos que realmente funcionem’.
Rogério – Pensando no contexto transnacional, há um consenso hoje de que a guerra às drogas fracassou ou não é bem assim?
Ilona – A guerra contra as drogas fracassou. Ela não alcançou os objetivos almejados. Pelo contrário, teve exatamente o efeito inverso: os preços das drogas ilícitas caíram, o consumo aumentou e o narcotráfico se transformou em um negócio bilionário, capaz de corromper Estados democráticos, dos fortes aos mais frágeis. Ao mesmo tempo, os índices de violência e criminalidade alcançaram níveis impensáveis em vários países, especialmente naqueles que produzem ou são rota de tráfico, e a população carcerária cresceu assustadoramente.
Rogério – Quais são os dados para o Brasil?
Ilona- O último levantamento feito pelo DEPEN (Departamento de Execução Penal), ainda com dados da antiga lei de drogas (Lei 6368/76), apontava, em dezembro de 2006, 44.014 presos por tráfico no Brasil, incluindo tráfico internacional de drogas. Em 2013, esse número chegou a 146.276 e, hoje, deve ultrapassar os 200 mil presos. A população carcerária aumentou 43,07% enquanto o número de presos por tráfico de drogas aumentou 132,34% no período destacado acima. Pesquisas sobre o perfil dos presos revelam que usuários continuam sendo presos injustamente. Muitos deles acabam inocentados, mas como a lei atual não permite que um suspeito de tráfico de drogas responda ao processo em liberdade, o usuário pode passar muitos meses na cadeia.
Rogério – O Instituto Igarapé, do qual você faz parte, defende abertamente a descriminalização das drogas. Como a opinião pública reage a isso?
Ilona – Reunimos dados sobre as políticas aplicadas e concluímos a partir deles quais funcionam e quais não funcionam, quais poupam vidas e quais, ao contrário, causam mais sofrimento, segregação e disperdício de dinheiro. É bastante objetivo. Muitas pessoas se interessam pela nossa posição e vem fazer mais perguntas. Como chegamos sempre com dados sobre as consequências da atual política, acabamos colocando a questão de uma outra maneira. Nos vemos como um time de conectores e por isso mesmo não buscamos ser “polêmicos” com nossas posições. Queremos ser referência para disseminar informações de qualidade e ajudar as pessoas a refletirem e formarem opinião. Acho que isso aproxima as pessoas, que então se sentem à vontade para discordar e trocar informações. No fim, os argumentos pela descriminalização do consumo de drogas são muito fortes e a maioria das pessoas que conhece os dados acaba concordando conosco.
Rogério – As drogas, especialmente o crack, são um problema grave para muitas famílias brasileiras. A descriminalização das drogas não é vista como “pauta de bandidos”?
Ilona – Temos tranquilidade em dizer que a política de drogas atual causa muito mais danos aos indivíduos e à sociedade do que o consumo de drogas em si. Reconhecemos e nos preocupamos com as pessoas que fazem uso abusivo de drogas e com suas famílias, mas queremos ajudá-las a ter mais acesso aos serviços que precisam e a tirar o estigma e o medo dos dependentes que atrasa pedidos de ajuda e que muitas vezes só pioram a situação. Temos que enfrentar esse debate com honestidade e evidências, não com moralismos.
Rogério – A ilegalidade é um bom negócio para os traficantes de drogas?
Ilona – Sim, o mercado ilícito de drogas é muito lucrativo. Estima-se que movimente globalmente em torno de 320 bilhões de dólares todos os anos. Além disso, esse mercado financia outros, como o de armas, ao qual está umbilicalmente ligado. Mas quem ganha muito dinheiro são os grandes chefes do tráfico e as pessoas que operam na lavagem do dinheiro. Para o restante dos integrantes da cadeia de produção e venda de drogas: os pequenos vendedores de drogas, mulas e aviões, é um péssimo negócio. São o foco da repressão, acabam na cadeia ou mortos, e por valores pequenos. Em geral, essas pessoas que formam a base da cadeia se envolvem no negócio por questões sociais e econômicas e merecem uma segunda chance.
Rogério – Olhando para a questão das drogas no mundo nos últimos 10 anos, você avalia que tem havido avanços?
Ilona – Sim, muitos. Podemos dizer que quebramos o tabu sobre a questão das drogas e que vários países estão experimentando com políticas de drogas mais humanas e eficientes que colocam a saúde e a segurança dos indivíduos e população em primeiro lugar. O Brasil apresentou alguns avanços nesse sentido, com uma política de saúde mental e drogas do Ministério da Saúde que iniciou uma reforma na área de assistência. No âmbito internacional, temos uma sessão especial da Assembleia Geral da ONU em abril de 2016 para discutir novas abordagens. Mas ainda temos muito o que avançar: precisamos garantir agora que o sistema multilateral, esse regime internacional de controle de drogas, seja mais flexível e aberto à experimentação pelos países de outros modelos de regulação de drogas ilícitas. Não cabe mais a defesa desse modelo único de proibição, que não respeita as peculiaridades nacionais e, em diversos momentos, coloca em cheque o respeito a garantia do acesso a saúde e outros direitos humanos. Precisamos de um modelo que não apenas reconheça a legalidade, mas encoraje a busca por alternativas mais humanas e eficientes.

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