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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
quinta-feira, maio 27, 2010
Esse é o "preparado"?
A China é hoje o maior comprador de produtos brasileiros. Os empresários brasileiros têm grande expectativa de que o gigante asiático possa ampliar o leque de produtos que adquire no Brasil. Com uma população de 1,3 a 1,5 bilhão de habitantes, e uma economia crescendo a um ritmo impressionante, não é preciso ser nenhum gênio econômico para saber a potencialidade de um mercado assim.
A piada de Serra sobre os chineses teria sentido se contada numa rodinha de empresários bêbados, num barzinho de hotel às duas da manhã, e mesmo assim em voz baixa. Insinuar que os produtos chineses são vagabundos, desonestos, e que o chinês gosta de cheiro de "galinha queimada", é uma demonstração de preconceito intolerável numa pessoa cujas palavras são lidas minuciosamente na mídia internacional. Serra nunca faria algo semelhante com os Estados Unidos. Uma declaração dessa pode levar um burocrata de Pequim, furioso, a negar a última assinatura que falta num processo para autorizar a entrada de determinado produto brasileiro na China. É uma declaração altamente irresponsável, portanto, feita por um candidato infantilizado pela mídia. Se Lula ou Dilma falassem algo similar, seriam execrados até o fim dos tempos, ou até que formulassem um pedido de desculpas claro ao povo chinês.
Os mesmos comentários valem para as outras declarações preconceituosas de Serra. Ao afirmar que o governo boliviano é cúmplice do tráfico de drogas no Rio, o tucano deixa implícito seu mau-caratismo e seu sectarismo ideológico. Porque não estendeu a afirmação à Colômbia, outra grande fornecedora de cocaína para o Brasil e o mundo? O governo da Holanda é cúmplice dos traficantes de drogas sintéticas?
A comparação de Ahmadinejad à Hitler ou Stálin é terrivelmente ofensiva e antidiplomática, e também revela um homem despreparado para o cargo que almeja. Se deseja se tornar um chefe de Estado, Serra deveria se comportar, desde já, como um. Serra falou uma besteira colossal. O Irã nunca teve ambições de dominar o mundo. Nunca matou 6 milhões de pessoas em câmaras de gás. Tem um americano que se tornou célebre por uma definição acerca do uso dos termos "nazismo" e "Hitler" numa discussão. Segundo ele, quando alguém chega ao ponto de comparar algum movimento politico com o qual não simpatiza, ao nazismo, e alguma figura da qual não gosta, a Hitler, é porque já perdeu o debate.
Serra, desesperado com mais essa vitória de Lula no plano internacional, fez o que nem os lobbies da guerra tiveram coragem de fazer nos últimos tempos, que é associar Ahmadinejad ao que há de mais maligno na história da civilização. Com isso, Serra corta qualquer possibilidade de díálogo com um dos países mais importantes do oriente médio, e, portanto, dificulta as articulações diplomáticas brasileiras não apenas com Irã, mas com todas as nações muçulmanas, que hoje em dia tem enorme importância para nosso comércio exterior.
Há dezenas de países no mundo que prendem dissidentes políticos. Ao focar seu ódio no Irã, Serra mostra-se tendencioso e faz o jogo dos americanos. Conforme postei há pouco, os EUA lançaram uma ofensiva clandestina contra o oriente médio ao final de setembro do ano passado, e um dos objetivos principais era infiltrar-se em movimentos políticos dissidentes de regimes hostis (leia-se Irã) para desestabilizar governos legalmente estabelecidos. O tucano, por desinformação e subserviência cega aos EUA, apóia esses sinistros joguinhos de guerra.
Como é um forte competidor na disputa pela presidência, a declaração de Serra não apenas é um absurdo conceitual, como pode vir mesmo a atrapalhar, neste delicado momento, a diplomacia brasileira, visto que a frase certamente foi lida por representantes diplomáticos do Irã no Brasil e será traduzida e repassada para o governo iraniano. O cacife político que o Brasil construiu junto ao Irã, usado para mediar uma grave crise nuclear que pode, se mal resolvida, descambar no pior conflito militar desde a II Guerra, fica abalado pela grosseria imbecil de José Serra, visto que os iranianos podem se sentir inseguros quanto ao futuro de suas relações com o Brasil, já que, no caso de vitória tucana, o presidente seria uma pessoa que cultiva ódio particular contra Ahmadinejad, presidente eleito por seu povo (se houve fraude, ela não foi comprovada pela Justiça eleitoral iraniana. Se devemos respeitar as decisões da Justiça brasileira, devemos fazer o mesmo em relação à justiça de outros países).
O ataque ao Mercosul, por sua vez, é outra grosseria imperdoável.
Não, Serra, definitivamente, não está preparado para ser presidente de república. Ele não respeitará nenhum país que ele considere "inferior" de ponto-de-vista econômico, moral ou político. Lembra-me muito um outro diplomata tucano que disse, há pouco tempo, que Cuba era um país "desimportante".
# Escrito por Miguel do Rosário
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