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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, dezembro 13, 2010

Dilma, a vitória da geração que tinha um sonho


Lula e Dilma são o fruto de uma geração que sonhou com um Brasil democrático e socialmente justo
A geração nascida no final dos anos de 40 e início dos anos 50 viveu os acontecimentos políticos e culturais das décadas de sessenta, setenta e oitenta do século passado com muita intensidade. Claro que nem todos, dessa geração, participaram da vida política e cultural do país, muitos não estavam nem aí para o que estava acontecendo, estavam alheios aos fatos, mas, quem participou viveu momentos de muita inquietação, de uma experiência que marcou muito a nossa visão de mundo.
Foi uma geração com uma parte significativa de homens e mulheres engajados nas lutas políticas e culturais do país. Geração que se identificava não só pela idade, mas, e, principalmente, pelas idéias, tendo como objetivo a busca de um mundo melhor. Para isso se concretizar o caminho era exatamente o engajamento nos movimentos políticos e culturais que naquele período pipocavam em todos os recantos do país.
No início dos anos sessenta o mundo vivia os primeiros momentos da Revolução Cubana, os avanços da Revolução Chinesa, a conquista do espaço sideral pelos cosmonautas soviéticos, a luta contra a guerra do Vietnã, contra o colonialismo europeu na África e Ásia e a luta em defesa da autodeterminação dos povos.
No Brasil vivíamos o governo de João Goulart (1961/1964), os avanços democráticos com as mobilizações de massa: operários e camponeses se organizando. Era um novo país que estava sendo construído. Nesse período: os movimentos culturais, políticos, filosóficos e religiosos surgiam em todos os continentes.
As ideias de Bertrand Russel, Sartre, Che, Fidel, Marcuse, Gramsci, Mao Tsé-Tung, Garaudy e a teologia da libertação, através do Concilio Vaticano II sob a benção do Papa João XXIII, empolgava a nossa geração. Era um momento de muita ebulição política que despertava a participação efetiva nas lutas por um mundo plenamente democrático.
Tudo isso foi interrompido bruscamente pelo golpe militar de 1964. Golpe que impôs a sociedade brasileira um regime que acabava com as liberdades democráticas, colocando na ilegalidade os movimentos dos trabalhadores e os partidos progressistas. Essa mesma onda antidemocrática se espalha por toda América Latina, impondo governos fiéis aos interesses de Washington. Foi uma época obscurantista.
Através do Ato Institucional no Nº 5 (1968) e o Decreto Lei 477 (1969), o governo militar fecha o regime e inicia uma violenta repressão aos movimentos oposicionistas, políticos e culturais, levando com isso parte dessa geração para luta armada, para luta clandestina, esse era um dos caminhos de enfrentamento ao horror de um regime que não respeitava os direitos fundamentais do cidadão.
Essa geração foi vitoriosa, mesmo sofrendo toda repressão, em um processo lento e gradual as forças progressista foram avançando até derrotar as forças do atraso.
A presidenta eleita, Dilma Rousseff, é fruto dessa geração, ela nasceu em 14 de dezembro de 1947. Quando do golpe militar de 1964 ela estava com 17 anos, freqüentava o ginásio em Belo Horizonte. Como muitos jovens daquela época, Dilma participava do movimento estudantil, isso era comum, principalmente nos Colégios Estaduais.
Com o endurecimento do regime em 1968 ela, como muitos outros da sua geração, tiveram que lutar na clandestinidade, era a luta subterrânea contra a ditadura militar. Dilma foi presa, torturada e condenada a três anos de reclusão pelo crime de pensar um Brasil diferente. Aqui, muitos jovens engajados nas lutas políticas e nos movimentos culturais também foram presos e torturados, alguns foram assassinados. Era a busca da concretização do ideário socialista: um mundo sem fome, com justiça social, sem preconceitos, com oportunidades iguais para todos. Um sonho possível.
No final do século 20 e início do século 21 a geração que foi a luta nos anos sessenta, setenta e oitenta chega ao poder. Os personagens desse embate se tornam protagonistas de um novo cenário político, uns mantendo a sua utopia, a sua coerência, outros mudando de lado. É essa geração que assume o poder e muda a cara do país.
Luiz Inácio Lula da Silva, líder metalúrgico do ABC Paulista, militante da luta sindical, pertencente a essa geração, preso diversas vezes, torna-se Presidente da República. Lula faz um governo transformador, tirando milhões de brasileiros da miséria e da pobreza, projeta o país no cenário internacional. O Brasil passa a ser uma nação respeitada e ele um líder mundial. Tendo no seu núcleo político a esquerda dos anos de chumbo, aquela que resistiu ao regime militar, mantendo a coerência das idéias.
Dilma Rousseff, mulher de classe média, militante de esquerda, presa política nos anos 70, filha de imigrante búlgaro, se torna a primeira mulher presidenta do Brasil. Lula e Dilma, prova da justeza da nossa causa, fruto de uma geração que sonhou com um Brasil de todos os brasileiros, um país independente, próspero e justo, tornam o sonho de uma geração em realidade, um Brasil democrático e socialmente justo.
Nessa luta muitos tombaram, foram barbaramente assassinatos, muitos, até hoje continuam “desaparecidos”, mas o caminho era esse, como dizia o velho camarada Apolônio de Carvalho, apesar de tudo “vale à pena sonhar” e valeu a pena esse sonho. Hoje, o Brasil está dando certo, prova de que o sonho valeu à pena.


*Antonio Capistrano é ex-reitor da UERN


A juventude precisa conhecer os horrores da ditadura

Estudante Edson Luís(*), metralhado no Calabouço 
Oito mil escolas públicas de ensino médio de todo o país irão receber do governo federal um CD-ROM com a história de 394 mortos e desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985). O trabalho, feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com apoio do Ministério da Educação (MEC) e sob a encomenda da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, foi apresentado nesta sexta-feira (10) em Brasília.
O CD-ROM foi elaborado a partir dos arquivos do projeto Direito à Memória e à Verdade da SDH e outros documentos. Além da biografia dos perseguidos políticos, o CD vai permitir aos professores e estudantes conhecer o contexto histórico e cultural do período com acesso à cerca de 4 mil fotografias e ilustrações, 300 vídeos e mais 300 canções que fizeram parte dos protestos e da resistência à ditadura.
“Essa juventude hoje não conhece os anos difíceis que o país passou”, disse o ministro da Educação, Fernando Haddad, no lançamento. Segundo ele, o CD-ROM “será festejado como um instrumento de transformação”. Para Haddad, há um efeito pedagógico e cívico na iniciativa. “Democracia se apropria com a cultura. Não é nata do ser humano”, disse ao enfatizar que os valores democráticos precisam ser ensinados.
O ministro Paulo Vannuchi enfatizou que o CD ROM é uma experiência “absolutamente pioneira” em projetos de memória. “Não lembro de ter ouvido falar em outro país”, disse. SDH e MEC também são parceiros na elaboração das diretrizes curriculares nacionais para direitos humanos.
O CD-ROM deverá virar um site a ser desenvolvido pela UFMG. O trabalho foi coordenado pela professora Heloisa Maria Murgel Starling do departamento de história da UFMG e contou com a participação de 15 estudantes de várias áreas, entre elas, história, direito e comunicação.
Para a professora, o projeto é uma “batalha ganha” na recuperação da memória da época da ditadura. “Ao abordar a cultura, o CD-ROM traz uma dimensão de esperança e dimensão lúdica. O conhecimento da história se dá não apenas pela fase dura e dramática, mas também pela enorme criatividade que existia no período.”
(*) O estudante paraense Edson Luís de Lima Souto, de 16 anos, é morto pela polícia, em 1968, no restaurante universitário Calabouço, no Rio de Janeiro. Secundarista e pobre, Edson estava almoçando no restaurante quando foi mortalmente baleado. Ao contrário do que o governo militar publicou na época, Edson não era líder estudantil nem participava de confrontos armados. A morte de Edson Luís virou um marco na luta estudantil contra a ditadura. Seu enterro foi histórico, unindo centenas de pessoas em protesto, repúdio e luto.

*Com Agência Brasil

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