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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, outubro 15, 2011

Fernanda Montenegro reestreia "Viver Sem Tempos Mortos" em São Paulo
Peça baseada nas memórias de Simone de Beauvoir ganha curta temporada na Fecomércio
Marco Tomazzoni, iG São Paulo | 08/10/2011 16:05
Foto: Divulgação
Fernanda Montenegro em "Viver Sem Tempos Mortos": monólogo minimalista
Aos 82 anos, Fernanda Montenegro dá provas de uma disposição de fazer cair o queijo. Se não bastasse a ideia de encabeçar um monólogo, escrito, é bom dizer, por ela mesma, a atriz ainda escolheu como tema a vida da francesa Simone de Beauvoir, filósofa e ensaísta, mulher de Jean-Paul Sartre, defensora do feminismo e aríete do senso comum no século passado. Embuída desse espírito revolucionário, ainda batizou a peça de "Viver Sem Tempos Mortos", palavra de ordem repetida em maio de 68. Inquietação, portanto, é o que move Fernanda na nova temporada do espetáculo, que reestreia em São Paulo neste sábado (08).
O dicionário autoriza o uso da palavra, mas a atriz defende que não é um "espetáculo", não no sentido comumente usado. "De espetáculo não tem nada. Não tem penduricalhos, parangolés. Ele é essencial, muito dentro do que eu esperava", disse, em entrevista na capital paulista, onde se apresentou com a peça por um curto período em 2009.
A ideia surgiu numa conversa com o amigo Sérgio Britto, quando os dos ficaram interessados em adaptar "Tête-à-Tête", história da relação de Sartre e Beauvoir. A parceria não evoluiu e Montenegro decidiu levar o projeto adiante por conta própria. A partir das correspondêncidas e da autobiografia de Simone, escreveu um resumo de 200 páginas, depois diminuído para 30. "É apenas um cheiro, um nada em relação à vida dessa mulher – só de autobiografia são seis volumes."
A atriz tinha, então, um texto estritamente literário, mas não sabia se "dava samba" em cena. Depois de uma conversa com o diretor Felipe Hirsch, não só ficou tranquila como encontrou uma "simbiose maravilhosa". "Hirsch é um minimalista, um dos poucos diretores brasileiros que fogem do barroquismo. Muito criativo, mas sem ser histriônico."
Isso levou a um teatro sem dramaturgia, trilha sonora ou atores coadjuvantes. No palco, apenas Fernanda com um figurino sóbrio, uma cadeira e um facho de luz. "Entro, sento na cadeira e falo como se fosse a memória de Simone sendo contada."
Para a atriz, um monólogo é sempre um desafio do tipo "viver ou morrer", mas que, na sua opinião, acabou se tornando o retrato de um período de recursos parcos para a produção teatral, mais do que um opção meramente estética.

Foto: André Giorgi
A atriz durante entrevista em São Paulo: inquietação, feminismo e coragem no palco
"Estamos vivendo a era do monólogo. Teatro é caro. Não é algo que se compra na prateleira ou na calçada. Hoje está acontecendo uma pulverização do orçamento, se distribuindo mais para aqueles que nunca tiveram. Não dá mais para fazer espetáculos como fazíamos antigamente. Hoje em dia ter dois ou três atores em cena já é muita gente."
Liberdade e verdade
Fernanda Montenegro tomou contato com a obra de Simone de Beauvoir pela primeira vez aos 19 anos, ao ler "O Segundo Sexo", divisor de águas do pensamento feminista. "Mudou o mundo. Antes disso, o homem era considerado o centro, o absoluto, e a mulher, o outro. Um ser superior e outro que está ao lado para pegar o que resta da mesa."
"Sem Sartre e Simone, não haveria 68 em Paris. Eram provocadores, contribuíram para a mudança libertária que hoje vemos no mundo. Tinham dois princípios: liberdade e verdade", acrescentou.
Mais do que colocar a plateia para refletir sobre suas certezas, a ideia da atriz de mergulhar na obra de Beauvoir também estava relacionada a um desejo de refletir sobre sua própria vida. "Já estou com a idade que estou, há 65 anos vivendo publicamente. Passei por muitos textos, mudança de vida, cidade, filhos, netos, perdi pai, irmã, família. Experiências duras. Simone tem sempre algo que faz você refletir. E pessoas de idade gostam de contar sobre sua vida, para relembrá-la."
Idade que não parece pesar. Ao ser perguntada sobre a reestreia de "Viver Sem Tempos Mortos", Montenegro tem humildade para assumir e dizer: "sinto que melhorei".
Serviço – "Viver Sem Tempos Mortos" em São Paulo
De 08 de outubro a 27 de novembro de 2011
Teatro Raul Cortez, Fecomércio
Sextas, às 21h30; sábados, às 21h; domingos, às 18h
Ingressos de R$ 80 (sexta e domingo) a R$ 100 (sábado)
Informações: (11) 3254-1700
*milfacesdeLuiza

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