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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, outubro 14, 2011

Fifa quer atropelar soberania nacional

Editorial do sítio Vermelho:

O mais recente braço de ferro entre o governo brasileiro e a Fifa (Federação Internacional de Futebol Association) expõe a torcida da imprensa conservadora pelo fracasso da Copa do Mundo no Brasil (em 2014) e também a arrogância imperialista daquela entidade, que faz exigências inaceitáveis para um país soberano.

Ninguém duvida que a Copa do Mundo seja, além de um evento esportivo, um negócio de enormes proporções; e a expectativa da Fifa, com a Copa no Brasil, é faturar nada menos do que US$ 3 bilhões (em valores atuais, cerca de R$ 5,4 bilhões). Daí a arrogância e avareza de seus dirigentes que tiveram a ousadia de exigir do governo brasileiro a flexibilização da legislação que garante meia-entrada para jovens e idosos, a suspensão da proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios, e o endurecimento da legislação contra a pirataria particularmente em relação aos produtos ligados à Copa do Mundo.

O governo brasileiro tem demonstrado a disposição de negociar estas exigências, mas já deixou claro que a legislação nacional é soberana e a margem de manobra é pequena.

A meia-entrada é prevista pelo Estatuto dos Idosos e, para a juventude, é assegurada pela legislação de estados e municípios, tendo sido incorporada ao Estatuto da Juventude recém-aprovado pela Câmara dos Deputados, onde foi relatado pela deputada comunista Manuela D´Ávila (PCdoB-RS). Agora vai ser submetido ao Senado e, depois, à sanção da presidente Dilma Rousseff. A meia-entrada é, assim, um direito social de jovens e idosos, previsto na lei.

O consumo de bebidas alcoólicas é proibido pela legislação brasileira de segurança nos estádios, e contra ela não há muito a fazer, embora a Fifa insista até mesmo porque uma das empresas patrocinadoras da Copa do Mundo é fabricante de cerveja. Em relação à pirataria – como bem lembrou o ministro do Esporte, Orlando Silva, a legislação brasileira em vigor é regularmente aplicada desde sua aprovação em 1998.

A pretensão da Fifa envolve a importante questão da soberania nacional. Aquela organização mundial do futebol determina regras sobre o esporte, mas pode atropelar a legislação dos países onde ocorrem eventos esportivos? E a “flexibilização” (seria menos hipócrita dizer abandono) da legislação nacional pode ser imposta unilateralmente a um governo soberano, como o brasileiro – e, pior ainda, atendendo exclusivamente aos interesses financeiros daquela entidade?

A resposta a estas questões é não. Em primeiro lugar – embora não seja o mais importante – o argumento do prejuízo da Fifa é uma falácia. A Fifa exagera e fala em US$ 1 bilhão, embora cálculos mais precisos mostrem que ele chegará a uns 10% dessa quantia (algo em torno de US$ 100 milhões). Em segundo lugar, há que se levar em conta a receita que aquela entidade internacional vai obter com a comercialização, mundo afora, dos direitos de transmissão dos jogos e também da costumeira parafernália de bugigangas ligadas a eles.

Mas a questão principal são os direitos do povo brasileiro e a soberania de nosso país. Este é o ponto. As decisões sobre o pleno exercício desses direitos como a meia-entrada e a respeito da segurança nos estádios cabem ao governo brasileiro. A Fifa pode reivindicar, mas nunca impor. Negociar, mas não exigir. E ao governo brasileiro cabe chegar aos acordos possíveis, resguardando o cumprimento da lei brasileira e o respeito à soberania e à dignidade nacionais.

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