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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, outubro 11, 2011

MARX E A TEORIA DA MAIS-VALIA



Marx fundamentou uma tese que comprovava a exploração da força de trabalho.

No século XIX, o desenvolvimento da economia capitalista foi capaz de determinar uma curiosa situação. Mesmo produzindo riquezas em um patamar astronômico, o capitalismo ainda estava cercado por desigualdades que indicavam a diferença social e econômica das classes burguesa e operária. Com isso, observamos que muitos intelectuais responderam a essa contradição com explicações ou propostas que resolveriam tal discrepância.

Entre esses intelectuais, o filósofo alemão Karl Marx apontou que esse abismo socioeconômico poderia ser explicado pela teoria da mais-valia. Segundo esse pensador, a miséria se perpetuava no mundo capitalista mediante os baixos salários oferecidos aos operários como um todo. Mais do que uma simples opção, o baixo salário era parte integrante dos instrumentos que garantiam os lucros almejados pela empresa.

Sendo assim, Marx indicou que o salário destinado a um trabalhador poderia ser pago com as riquezas que ele produz, por exemplo, ao longo de dez dias de um mês. Contudo, segundo o contrato de trabalho, o operário seria obrigado a cumprir os demais vinte dias restantes para receber o seu salário de forma integral. Dessa forma, o dono da empresa pagaria o valor equivalente a dez dias trabalhados e receberia gratuitamente a riqueza produzida nos vinte dias restantes.

Essa modalidade de “mais-valia” era reconhecida pelo pensamento econômico marxista como a “mais-valia absoluta”. Paralelo a esse tipo de exploração, ocorria a “mais-valia relativa”, instalada pelo processo de modernização tecnológico do ambiente fabril. Nesse caso, o trabalhador adequava o exercício de suas funções ao uso de um novo maquinário capaz de produzir mais riquezas em um período de tempo cada vez menor.

Nesse caso, o trabalhador recebia o mesmo salário para desempenhar uma função análoga ou, em alguns casos, ainda mais simples. Graças à nova máquina ou técnica de produção utilizada, o dono da empresa necessitava de um número de dias ainda menor para cobrir o custo com o salário do trabalhador. Assim, ficava sendo necessários, por exemplo, apenas cinco dias trabalhados para que ele pudesse pagar pelo mesmo salário mensal que devia ao seu empregado.

A exposição dessa teoria foi um dos meios pelos quais Karl Marx provou que as relações de trabalho no mundo capitalista tinham caráter exploratório. Dessa forma, ele condensava mais um argumento favorável à oposição de interesses existentes na relação entre burguesia e proletariado. Além disso, essa mesma tese serviu de base para que vários operários lutassem pela obtenção de melhores salários e condições mais dignas de trabalho.

Por Rainer Sousa



Marx e o século XXI

Por Amanda Marina Lima Batista *

Karl Marx, através do método do materialismo histórico, anunciou o fim do Capitalismo através da revolução proletária. No entanto, tal sistema persiste corrompendo instituições e enfraquecendo valores. O motivo para o prevalecimento desse modo de produção é o fato de que a burguesia industrial, mais uma vez, contornou as adversidades e se manteve no poder.

Essa classe, considerada por Marx como revolucionária, ao perceber que o operariado estava revoltando-se contra o trabalho excessivo a baixos salários e péssimas condições, tornou-se mais sutil quanto à sua forma de exploração: as fábricas deixaram de ser “satânicas”, passaram a oferecer melhores condições de trabalho e a estimular seus trabalhadores a qualificarem-se. Porém, essa qualificação seria sempre voltada para a demanda dos meios de produção, os quais agora possuem indivíduos naturalmente disciplinados pela educação familiar e escolar.

Iniciamos assim a era da disciplina científica, na qual nos encontramos até hoje. Nela, não precisamos de contramestres para nos exigir disciplina e produtividade, exigimos isso de nós mesmos automaticamente porque agora, como diria Michelle Perrot, nosso contramestre é nossa consciência. Vivemos cada minuto de nossas vidas empenhados em sermos úteis e valiosos para o mercado e dessa forma - apenas dessa forma - sermos alguém, o que, na lógica capitalista quer dizer consumir e ascender economicamente para consumir mais.

Marx não pôde imaginar que a classe burguesa engendraria no proletariado seus valores e daria a ele essa possibilidade de consumo. E dando aos trabalhadores esse poder de compra, o qual varia conforme a função que cada um exerce, a burguesia inseriu - dentro da própria classe operária – distinções sociais que a impedem de ver-se como uma única classe. A dificuldade hoje não é apenas que o operariado torne-se para si e passe a lutar por seus objetivos, mas sim que se entenda como um estamento só, uma vez que o poder de compra diferenciado fragmentou-o em subclasses (baixa, média, média-alta e alta) que não se consideram iguais e conseqüentemente não se unem para fazer a revolução.

Mesmo perante esse quadro que só tornou o fim da era do capital mais distante, a esperança de uma nova realidade ainda existe e virá “de baixo” como já havia sido dito. Isso porque junto à onda do mercado veio a tecnologia, veio a internet e a formação da aldeia global. Conhecer o mundo deixou de ser um privilégio para a aristocracia e a cultura popular ganhou voz, ganhou face através da arte em suas variadas manifestações e da disseminação virtual dessa arte. Multiplicam-se pelo mundo movimentos contrários ao globaritarismo, recorrendo ao neologismo pertinente de Milton Santos,que utilizam os frutos do próprio Capitalismo para oporem-se a ele.

Diante disso, é possível afirmar que muitos acontecimentos colocaram à prova muitas afirmações marxistas, mas isso não significa que ele se equivocou quanto ao caminho.Uma outra globalização ainda é possível. Uma globalização aliada da cultura e do bem-estar social, não mais do mercado e do capitalismo financeiro, uma globalização inclusiva e não seletiva, libertadora e não alienante, disseminadora da transformação e não da adaptação, uma globalização enfim popular e de equidade.


* Amanda Marina Lima Batista é estudante de Direito na PUC/MG.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil

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