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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, outubro 03, 2011

"O Judiciário teria de ser reinventado"

Ministro do STF diz que juízes têm responsabilidade pelo aumento da corrupção
O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), há dois anos ganhou notoriedade por relatar o processo do mensalão do PT e do governo Lula. Em 2009, convenceu os colegas a abrir processo contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) para apurar se ele teve participação no mensalão do PSDB mineiro. Em entrevista ao GLOBO, Joaquim não quis comentar o mensalão do DEM, que estourou recentemente no governo de José Roberto Arruda, do Distrito Federal. Mas deixou clara sua descrença na política e sua dificuldade para escolher bons candidatos quando vai votar. E o ministro, de 55 anos, não poupou nem os tribunais: "O Judiciário tem uma parcela grande de responsabilidade pelo aumento das práticas de corrupção em nosso país".
Por que aparecem a cada dia mais escândalos envolvendo políticos? A corrupção aumentou ou as investigações estão mais eficientes?
Joaquim Barbosa: Há sim mais investigação, mais transparência na revelação dos atos de corrupção. Hoje é muito difícil que atos de corrupção permaneçam escondidos.
O senhor é descrente da política?
Joaquim Barbosa: Tal como é praticada no Brasil, sim. Porque a impunidade é hoje problema crucial do país. A impunidade no Brasil é planejada, é deliberada. As instituições concebidas para combatê-la são organizadas de forma que elas sejam impotentes, incapazes na prática de ter uma ação eficaz.
A quais instituições o senhor se refere?
Joaquim Barbosa: Falo especialmente dos órgãos cuja ação seria mais competente em termos de combate à corrupção, especialmente do Judiciário. A Polícia e o Ministério Público, não obstante as suas manifestas deficiências e os seus erros e defeitos pontuais, cumprem razoavelmente o seu papel. Porém, o Poder Judiciário tem uma parcela grande de responsabilidade pelo aumento das práticas de corrupção em nosso país. A generalizada sensação de impunidade verificada hoje no Brasil decorre em grande parte de fatores estruturais, mas é também reforçada pela atuação do Poder Judiciário, das suas práticas arcaicas, das suas interpretações lenientes e muitas vezes cúmplices para com os atos de corrupção e, sobretudo, com a sua falta de transparência no processo de tomada de decisões. Para ser minimamente eficaz, o Poder Judiciário brasileiro precisaria ser reinventado.
Qual a opinião do senhor sobre os movimentos sociais no Brasil?
Joaquim Barbosa: Temos um problema cultural sério: a passividade com que a sociedade assiste a práticas chocantes de corrupção. Há tendência a carnavalizar e banalizar práticas que deveriam provocar reação furiosa na população. Infelizmente, no Brasil, às vezes, assistimos à trivialização dessas práticas através de brincadeiras, chacotas, piadas. Tudo isso vem confortar a situação dos corruptos. Basta comparar a reação da sociedade brasileira em relação a certas práticas políticas com a reação em outros países da America Latina. É muito diferente.
Como deviam protestar?
Joaquim Barbosa: Elas deviam externar mais sua indignação.
É comum vermos protestos de estudantes diante de escândalos.
Joaquim Barbosa: O papel dos estudantes é muito importante. Mas, paradoxalmente, quando essa indignação vem apenas de estudantes, há uma tendência generalizada de minimizar a importância dessas manifestações.
A elite pensante do país deveria se engajar mais?
Joaquim Barbosa: Sim. Ela deveria abandonar a clivagem ideológica e partidária que guia suas manifestações.
O próximo ano é de eleições. Que conselho daria ao eleitor?
Joaquim Barbosa: Que pense bem, que examine o currículo, o passado, as ações das pessoas em quem vão votar.
Quando o senhor vota, sente dificuldade de escolher candidatos?
Joaquim Barbosa: Em alguns casos, tenho dificuldade. Sou eleitor no Rio de Janeiro. Para deputado federal, não tenho dificuldade, voto há muito tempo no mesmo candidato. Para governador, para prefeito, me sinto às vezes numa saia justa. O leque dos candidatos que se apresenta não preenche os requisitos necessários, na minha opinião. Não raro isso me acontece. Não falo sobre a eleição do ano que vem, porque ainda não conheço os candidatos.
Carolina Brígido
*comtextolivre

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