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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, outubro 11, 2011

Polarização financeira e corrupção: A política do engano de Obama

Via Resistir.info
Michael Hudson
Duplicidade. As sementes da conferência de imprensa demagógica do presidente Obama na quinta-feira foram plantadas no último Verão quando ele designou os 13 membros de extrema-direita do Comité encarregado de resolver o óbvio e inevitável impasse do orçamento no Congresso forjando uma política anti-trabalho que corta a Segurança Social, o Medicare e a Medicaid, além de utilizar as poupanças para salvar bancos de ainda mais empréstimos que se tornarão ruinosos em resultado do programa de austeridade estilo FMI que democratas e republicanos concordaram em apoiar.
O problema enfrentado pelo sr. Obama é bastante óbvio: Como pode ele manter o apoio de moderados e independentes (ou, como os chama a Fox News, socialistas e anti-capitalistas), estudantes, trabalhadores, minorias e outros que fizeram forte campanha por ele em 2008? Ele enganou-os duplamente – suavemente, com um sorriso gentil e contemporizando com um conversa balbuciante, mas com uma determinação de ferro de manipular a política monetária federal e fiscal em favor dos seus maiores contribuidores da campanha eleitoral: a Wall Street e interesses especiais variados – o núcleo de operadores da Rubinomics e Clintonomics do Partido Democrata, mais suaves vestígios da administração Bush tal como Tim Geithner, sem mencionar quase-factotums de Cheney no Ministério da Justiça.
A solução do presidente Obama foi fazer o que faz qualquer político demagogo: Vir a público com discursos de campanha estridentemente populistas que não têm possibilidade de se tornarem a lei do Estado, enquanto silenciosamente dar aos seus contribuidores de campanha aquilo pelo que pagaram: dádivas para a Wall Street, cortes fiscais para a riqueza (eufemisticamente chamadas "isenções" fiscais e contabilidade por referência (mark-to-model accounting), mais um acordo em contar o seu rendimento como "ganhos de capital" tributado a uma taxa muito mais baixa).
Assim, aqui está o trato que a liderança democrata fez com os republicanos. Os republicanos lançarão alguém da sua gama actual de perdedores garantidos, permitindo ao sr. Obama concorrer como a "voz da razão", como se de alguma forma representasse a América Média. Isto abrirá caminho na eleição de 2012 para um segundo mandato se ele adoptar o seu programa – um conjunto de regras pagas pelos principais contribuidores de campanha a ambos os partidos.
As políticas do presidente Obama não têm sido a voz da razão. Elas estão mesmo mais à direita do que George W. Bush podia ter conseguido. Um presidente republicano teria pelo menos enfrentado um Congresso democrata que bloquearia a espécie de programa que o sr. Obama impôs. Mas os democratas parecem paralisados quando se trata de resistir a um presidente que concorre como um democrata ao invés dos Tea Partier de que ele parece estar tão próximo na sua ideologia.
Assim, eis o que o Comité dos 13 porá em jogo. Dado (1) o acordo de que se os republicanos e democratas NÃO concordarem com o estratagema da "criação de emprego" morto antes de chegar ao hospital; e (2) a declaração do líder republicano da Câmara, Boehner, de que o seu partido rejeitará a retórica populista que o presidente Obama está a apregoar nestes dias, então (3) o Comité conseguirá a sua oportunidade para por em acção o seu machado e cortar despesas sociais federais em coerência com a ideologia que professa.
O presidente Obama assinalou isso com muita antecipação, no princípio da sua administração quando nomeou a sua Comissão para a Redução do Défice chefiada pelo antigo republicano senador Simpson e Bowles, conselheiro da administração Clinton, destinada a recomendar como cortar a despesa social federal, enquanto dava ainda mais dinheiro à Wall Street. Ele confirmou suspeitas de uma traição ao renomear o lobbyista da banca Tim Geithner para o Tesouro, e Ben Bernanke, com visão afunilada em túnel, como chefe do Federal Reserve Board.
Mas na quarta-feira, 4 de Outubro, o presidente tentou representar o movimento OccupyWallStreet como apoiante dos seus esforços. Ele pretendeu aprovar um regulador pró consumidor a fim de limitar a fraude bancária, como se não fosse ele que tivesse rejeitado Elizabeth Warren a conselho do sr. Geithner – o qual parece estar assente como o homem do saco de dinheiro junto aos contribuidores de campanha da Wall Street.
Pode o presidente Obama escapar desta? Pode ele saltar para a frente da procissão e apresentar-se como um amigo do trabalho e dos consumidores enquanto os seus nomeados apoiam a Wall Street e o seu Comité de 13 a aguardar nos ares à espera de executar a sua função designada de guilhotinar a Segurança Social?
Quanto visitei o sítio OccupyWallStreet , na quarta-feira, ficou claro que o desgosto com o sistema político foi a tal profundidade que não há qualquer conjunto simples de exigências que possa consertar um sistema tão fundamentalmente avariado e disfuncional. Ninguém pode remendar um regime que está a empobrecer a economia, a acelerar arrestos, a empurrar orçamentos de estados e cidades para ainda mais défices e a forçar cortes em despesas sociais.
A situação é muito semelhante à da Islândia e da Grécia. Governos já não representam o povo. Eles representam interesses financeiros predatórios que estão a empobrecer a economia. Isto não é democracia. É oligarquia financeira. E oligarquias não dão voz às suas vítimas.
Assim, a grande questão é: para onde vamos nós a partir daqui? Não há caminho viável dentro do modo como a economia e o sistema político estão estruturados actualmente. Qualquer tentativa de proposta de um plano claro de "conserto" pode apenas sugerir ataduras para o que aparenta ser uma ferida político-económica fatal.
Os democratas estão tão infectados pela doença quanto os republicanos. Outros países enfrentam um problema semelhante. O regime social-democrata na Islândia está a actuar como o partido dos banqueiros e a taxa de aprovação do seu governo caiu 12 por cento. Mas eles recusam-se a demitir-se. Assim, no princípio da semana passada, eleitores trouxeram tambores de aço para a sua própria Ocupação em frente ao Althing [parlamento] e rufaram quando o primeiro-ministro começou a falar, para abafar a sua advocacia dos banqueiros (e dos banqueiros abutres estrangeiros, além disso!).
Tal como na Grécia, os manifestantes estão a mostrar aos bancos estrangeiros que qualquer acordo que o Banco Central Europeu faça para salvar detentores franceses e alemães de títulos à custa de aumentos de impostos sobre o trabalho grego (mas não sobre a propriedade e riqueza grega) não pode ser visto como democraticamente aprovado. Portanto, quaisquer dívidas que sejam reclamadas, e quaisquer imóveis ou empresas públicas dadas aos poderes credores para liquidação sob condições de agonia podem ser revertidas uma vez que aos eleitores seja permite exprimir democraticamente se querem impor uma década de pobreza ao país e forçar a emigração.
Este é o espírito de desobediência civil que está a crescer neste país. É uma quadratura – ou seja, um problema sem solução. Tudo o que se pode fazer sob tais condições é descrever a doença e os seus sintomas. A cura seguir-se-á logicamente do diagnóstico. O papel de OccupyWallStreet é diagnosticar a polarização financeira e a corrupção do processo político que se estende até ao Supremo Tribunal, à Presidência e ao Comité dos 13 que dentro em breve, quando se esfumarem as suas actuais alegres pretensões, será tristemente notório.
07/Outubro/2011
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