São Paulo vai morrer
Por: João Whitaker, no Correio da Cidadania
As
cidades também morrem. Há meio século, o lema de São Paulo era “a
cidade não pode parar”. Hoje, nosso slogan deveria ser “São Paulo não
pode morrer”. Porém, parece que fazemos todo o possível para apressar
uma morte anunciada. Pior, o que acontece em São Paulo tornou-se
infelizmente um modelo de urbanismo que se reproduz país afora. A seguir
esse padrão de urbanização, em médio prazo estaremos frente a um
verdadeiro genocídio das cidades brasileiras.
Enquanto
muitas cidades no mundo apostam no fim do automóvel, por seu impacto
ambiental baseado no individualismo, e reinvestem no transporte público,
mais racional e menos impactante, São Paulo continua a promover o
privilégio exclusivo dos carros. Ao fazer novas faixas para engarrafar
mais gente na Marginal Tietê, com um dinheiro que daria para dez
quilômetros de metrô, beneficia os 30% que viajam de automóvel todo dia,
enquanto os outros 70% se apertam em ônibus, trens e metrôs
superlotados. Quando não optam por andar a pé ou de bicicleta, e
frequentemente demais morrem atropelados. Uma cidade não pode permitir
isso, e nem que cerca de três motociclistas morram por dia porque ela
não consegue gerenciar um sistema que recebe diariamente 800 novos
carros.
Não tem como sobreviver uma cidade que
gasta milhões em túneis e pontes, em muitos dos quais, pasmem, os ônibus
são proibidos. E que faz desaparecer seus rios e suas árvores,
devorados pelas avenidas expressas. Nenhuma economia no mundo pode
pretender sobreviver deixando que a maioria de seus trabalhadores perca
uma meia jornada por dia – além do duro dia de trabalho – amontoada nos
precários meios de transporte. Mas em São Paulo tudo se pode, inclusive
levar cerca de quatro horas na ida e volta ao trabalho, partindo-se da
periferia, em horas de pico.
Uma cidade que permite o avanço sem freios do mercado imobiliário
(agora, sabe-se, com a participação ativa de funcionários da própria
prefeitura), que desfigura bairros inteiros para fazer no lugar de casas
pacatas prédios que fazem subir os preços a patamares estratosféricos e
assim se oferecem apenas aos endinheirados; prédios que impermeabilizam
o solo com suas garagens e aumentam o colapso do sistema hídrico
urbano, que chegam a oferecer dez ou mais vagas por apartamento e
alimentam o consumo exacerbado do automóvel; que propõem suítes em
número desnecessário, o que só aumenta o consumo da água; uma cidade
assim está permanentemente se envenenando. Condomínios que se tornaram
fortalezas, que se isolam com guaritas e muros eletrificados e matam
assim a rua, o sol, o vento, o ambiente, a vizinhança e o convívio
social, para alimentar uma falsa sensação de segurança.
Enquanto
as grandes cidades do mundo mantêm os shoppings à distância, São Paulo
permite que se levante um a cada esquina. Até sua companhia de metrô
achou por bem fazer shoppings, em vez de fazer o que deveria. O Shopping
Center, em que pese a sempre usada justificativa da criação de
empregos, colapsa ainda mais o trânsito, mata o comércio de bairro e
aniquila a vitalidade das ruas.
Uma cidade que
subordina seu planejamento urbano a decisões movidas pelo dinheiro, em
nome do discutível lucro de grandes eventos, como corridas de carro ou a
Copa do Mundo, delega as decisões de investimentos urbanos não a quem
elegemos, mas a presidentes de clubes, de entidades esportivas
internacionais ou ao mercado imobiliário.
Esta é
uma cidade onde há tempos não se discute mais democraticamente seu
planejamento, impondo-se a toque de caixa políticas caça-níqueis ou
populistas, com forte caráter segregador. Uma cidade em que endinheirados ainda podem exigir que não se faça metrô nos seus bairros,
em que tecnocratas podem decidir, sem que se saiba o porquê, que o
mesmo metrô não deve parar na Cidade Universitária, mesmo que seja uma
das maiores do continente.
Mas, acima de tudo, uma cidade que acha normal expulsar seus pobres para sempre mais longe,
relegar quase metade de sua população, ou cerca de 4 milhões de
pessoas, a uma vida precária e insalubre em favelas, loteamentos
clandestinos e cortiços, quando não na rua; uma cidade que dá à
problemática da habitação pouca ou nenhuma importância, que não prevê
enfrentar tal questão com a prioridade e a escala que ela merece, esta
cidade caminha para sua implosão, se é que ela já não começou.
Nenhuma
comunidade, nenhuma empresa, nenhum bairro, nenhum comércio, nenhuma
escola, nenhuma universidade, nem uma família, ninguém pode sobreviver
com dignidade quando todos os parâmetros de uma urbanização minimamente
justa, democrática, eficiente e sustentável foram deixados para trás. E
que se entenda por “sustentável” menos os prédios “ecológicos” e mais
nossa capacidade de garantir para nossos filhos e netos cidades em que
todos – ricos e pobres – possam nela viver. Se nossos governantes, de
qualquer partido que seja, não atentarem para isso, o que significa
enfrentar interesses poderosos, a cidade de São Paulo talvez já possa
agendar o dia se deu funeral. Para o azar dos que dela não puderem
fugir.
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