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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 29, 2012

A conta dos mortos

Charge do Latuff
No último domingo, esta Folha publicou reportagem a respeito do número de mortos resultantes de ações da luta armada contra a ditadura militar ("Para militares, Estado combatia o terrorismo", "Poder", 27/5).
A reportagem em questão tem sua importância por trazer mais informações que permitem aos leitores tirar suas conclusões a respeito daquele momento sombrio da história brasileira. No entanto ela peca por aquilo que não diz.
Baseando-se nos números de um site de militares defensores da ditadura, o texto lembra como membros da luta armada mataram, além de militares, "bancários, motoristas de táxis, donas de casa e empresários". Não é difícil perceber o esforço do jornalista em induzir a indignação a respeito de tais ações contra "vítimas particularmente vulneráveis", como sentinelas "parados à frente dos quartéis".
Em uma reportagem como essa, seria importante lembrar que os membros da luta armada que se envolveram em tais mortes foram julgados, condenados e punidos. Eles nunca foram objeto de anistia.
A Lei da Anistia não cobria tais crimes. Por isso eles ficaram na cadeia depois de 1979, sendo posteriormente agraciados com redução de pena. Sem essa informação, dá-se a impressão de que o destino desses indivíduos foi o mesmo do dos torturadores.
Segundo, seria bom lembrar que "terrorismo" significa "atos indiscriminados de violência contra populações civis". Nesse sentido, as ações descritas da luta armada não podem ser compreendidas como "terrorismo", já que a própria reportagem reconhece que as vítimas civis não eram os alvos.
Mesmo a ação no aeroporto de Guararapes não era terrorismo, mas um "tiranicídio", que, infelizmente, errou de alvo. Vale aqui lembrar que, no interior da tradição liberal (sim, da tradição liberal), um "tiranicídio" é algo completamente legítimo, a não ser que queimemos o "Segundo Tratado sobre o Governo", do "terrorista" John Locke.
Quando a Comissão da Verdade foi instalada, era de esperar lermos reportagens sobre as empresas que financiaram aparatos de tortura e crimes contra a humanidade, os centros de assassinatos ligados às Forças Armadas, entrevistas com os jovens que organizam atualmente atos de repúdio contra torturadores, crianças que foram sequestradas de pais guerrilheiros assassinados.
No entanto há uma certa propensão para darmos voz a torturadores que se autovangloriam como "defensores da pátria contra a ameaça comunista" e "fatos" que comprovam a teoria dos dois demônios, onde os crimes da ditadura se anulam quando comparados aos crimes da luta armada.

*Esquerdopata

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