Verdugos e vítimas
Via PCB
Crédito: Cid Benjamin
Cid Benjamin
Um
país que desconhece o passado está condenado a repetir os erros. Por
isso, se a Comissão da Verdade trouxer à luz as entranhas da ditadura
militar terá ajudado a consolidar a democracia e a criar anticorpos para
que a barbárie não se repita.
No que diz
respeito ao resgate da memória estamos muito atrasados em relação aos
demais países do Cone Sul. A Comissão da Verdade já deveria ter sido
criada. Sarney ou Collor, por terem apoiado a ditadura, não o fariam.
Mas Fernando Henrique poderia tê-lo feito. E não há justificativa para a
omissão de Lula.
É verdade que, se o Congresso
não modificar a Lei da Anistia, os responsáveis por tortura ou
assassinato de presos não poderão ser levados aos tribunais. Essa
situação resulta da absurda interpretação da Lei da Anistia feita
recentemente pelo STF, beneficiando os integrantes do aparelho
repressivo. Quando da aprovação da lei, em 1979, militantes que
participaram do que os militares chamaram de “crimes de sangue” (ações
que resultaram em mortos ou feridos, mesmo que em troca de tiros) foram
excluídos da anistia e continuaram na prisão cumprindo suas penas. Mas,
desde abril do ano passado, por conta da interpretação do STF,
torturadores, estupradores e assassinos de presos políticos estão entre
os beneficiados pela anistia. Quem sabe não cometeram “crimes de
sangue”...
Para que a comissão cumpra seu papel,
uma condição é importante: a abertura dos arquivos dos órgãos das
Forças Armadas usados na repressão política. Não pode ser aceita a
justificativa de que essa documentação foi queimada. Não se destroem
arquivos, salvo em situações extremas, o que não ocorreu no Brasil. E,
no caso de documentos oficiais, é preciso haver ordem escrita para a
destruição. Onde está essa ordem e quem a deu?
Os
arquivos podem mostrar quem torturou e matou, quem deu ordens para tal e
onde estão os restos mortais dos “desaparecidos”, além de tornar
público quem financiou a repressão. Se, por ora, os responsáveis por
esses crimes não podem ser punidos, que, pelo menos, o País saiba seus
nomes.
A presidente da República é a comandante-em-chefe das Forças Armadas. Cabe a ela garantir acesso a esses arquivos.
Devem
ser conhecidos também os decretos secretos do regime militar. Sim, por
estranho que pareça, na ditadura houve decretos que tinham força de lei,
mas não eram divulgados. É hora de torná-los públicos.
A
comissão é formada por figuras respeitáveis, mas tem apenas dois anos
para seu trabalho e precisa ajustar seu foco. Deve apurar os crimes de
agentes do Estado e cometidos em seu nome. “Investigar os dois lados”,
como quer o ministro do STJ Gilson Dipp, seria algo como defender
investigação sobre os “crimes” da Resistência Francesa contra
colaboradores dos nazistas.
Seria, também,
criminalizar a resistência, mesmo armada, contra um regime ilegítimo –
direito reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Isenção não pode ser confundida com equidistância entre verdugos e vítimas.
Cid Benjamin
Jornalista
*GilsonSampaio
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