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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, junho 03, 2012

Carta sobre Gilmar: o peixe morre pela boca



REPORTAGEM DE CYNARA MENEZES APONTA AS CONTRADIÇÕES DO MINISTRO DO STF QUE, NA ÚLTIMA SEMANA, FALOU DEMAIS E PASSOU DA CONDIÇÃO DE ACUSADOR A ACUSADO; TEXTO TAMBÉM LEVANTA SUSPEITA SOBRE USO DE JATINHO FRETADO POR CARLOS CACHOEIRA

247 – “Um tiro no pé”. Esse é o título da reportagem de capa da revista Veja deste fim de semana. Segundo a publicação da editora Abril, a estratégia do ex-presidente Lula de tentar “chantagear” o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para tentar postergar o julgamento do mensalão teria sido desastrosa. A bala teria se voltado contra o PT, que saíra com “perda total” do episódio.

Curiosamente, a capa da revista Carta Capital poderia ter circulado com o mesmo título. Bastaria trocar os personagens e dizer que quem deu um tiro no pé foi o ministro Gilmar Mendes, ao patrocinar uma denúncia sem comprovação na revista Veja.

Intitulada “As mil faces de Gilmar Mendes” e assinada por Cynara Menezes, a reportagem de Carta Capital levanta contradições nas várias entrevistas concedidas por Gilmar Mendes ao longo da semana. E lembra ainda um ditado do Mato Grosso para criticar a postura boquirrota do ministro: “o peixe morre pela boca”.

Numa versão, Gilmar se disse chantageado por Lula. Em outra, disse ter apenas inferido isso da conversa. Numa nova entrevista, atribuiu ao ex-presidente o papel de chefe da central de distribuição de calúnias. Ao falar ao Estado de S. Paulo, afirmou que o ex-diretor da Abin, Paulo Lacerda, estaria por trás do levantamento de informações contra ele.

Gilmar foi capaz de contradizer a própria revista Veja, que situou a “chantagem” numa conversa reservada entre o ministro e o ex-presidente, na copa da cozinha do apartamento de Nelson Jobim. Numa entrevista, Gilmar disse que Jobim presenciou todo o encontro.

Por fim, Carta Capital levanta suspeitas também sobre a ida de Gilmar Mendes a Berlim. Ele e Demóstenes Torres teriam regressado da Alemanha na mesma data. De São Paulo, rumaram para Goiânia. Demóstenes disse que viajou em jato particular, fornecido pela turma de Carlos Cachoeira. Gilmar apresentou um bilhete da TAM, mas, segundo lembra Carta Capital, não exibiu seus cartões de embarque.
Quem deu um tiro no pé? Lula ao tentar chantagear Gilmar? Ou Gilmar ao acusar Lula de tentar chantageá-lo?

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