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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, julho 11, 2012

Nada mais que a obrigação













O surto de corintianismo alucinou a crônica esportiva. Embalados pelo que julgam ser a redenção do decadente futebol brasileiro, os analistas parecem acreditar que o título da Libertadores se deveu apenas à competência dos profissionais envolvidos e a uma espécie de grandiosidade transcendental que emanaria do alvinegro paulistano.

Clube mais favorecido do país, talvez até do continente, o Corinthians realizou aquilo que se esperava de uma agremiação contemplada por tamanhos privilégios econômicos, políticos e publicitários. Estranho seria desperdiçá-los num resultado pífio, prolongando o hábito meio vexatório dos últimos anos.
É quase inevitável amealhar conquistas e o apreço popular quando se recebe fortunas estratosféricas da rede Globo e de seus patrocinadores, com os equivalentes bombardeios midiáticos e as apologias do jornalismo de “favoritos”. Mesmo quando o time carece de brilho individual (e recebe eufemismos do tipo “aguerrido”, “compacto”, “regular”), os altíssimos salários, a infra-estrutura disponível e a visibilidade colocam-no em evidente vantagem sobre os concorrentes.
O lado sombrio da festa, que os nobres comentaristas não ousam mencionar, reside na pauperização dos clubes interioranos e na conseqüente mediocrização das disputas nacionais. O triunfo corintiano nasceu na sistemática drenagem dos capitais financeiros, humanos e simbólicos produzidos por dezenas de clubes maltrapilhos. Nasceu, portanto, na injustiça, no oportunismo e na ganância que aos poucos destroem a riqueza do nosso futebol.
*GuilhermeScalzlli

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