O ópio do povo
Vai
começar tudo de novo. Embora o Brasil seja, pelo menos
constitucionalmente, um Estado laico, não há um candidato a qualquer
cargo público que não queira ficar de bem com católicos, evangélicos,
budistas, espíritas, muçulmano, ou seja lá que religioso for. Parece que
acreditar em algum deus é condição sine qua non para ser eleito. Do
jeito que as coisas são no Brasil, se um candidato se declarar ateu é
capaz de ser, no mínimo, apedrejado.
É incrível
como as pessoas dão mais importância ao fato de o sujeito ir à missa,
frequentar cultos, rezar direitinho nas horas certas, do que ter uma
biografia impecável ou um programa de governo que contemple as
necessidades mais prementes da comunidade à qual pretender servir.
Para
muitas pessoas é mais importante saber se o fulano acredita em deus do
que, por exemplo, quais são seus planos para a educação, para a saúde ou
para o transporte urbano.
Coisa de louco.
Exemplo
dessa verdadeira patologia social que é obrigar a pessoa a ser
religiosa, é o candidato do PRB à prefeitura paulistana, o dublê de
deputado e apresentador de TV Celso Russomano, que foi a uma missa para
mostrar ao eleitorado que ele acredita no deus católico e não em outro
qualquer. Depois do ofício, Russomano falou aos repórteres que o
seguiram até a igreja. E a sua declaração revela não só o que ele pensa
sobre o assunto, mas, provavelmente, também o que pensam os seus
adversários:
- Vou em todas as igrejas e vou com
muito prazer. E desde que estejam fazendo o bem, quero proteger essas
igrejas como prefeito. Quero que todos os templos que estejam abertos em
São Paulo sejam preservados, porque dão linha de conduta para a
sociedade. As pessoas não matam e não roubam porque a lei proíbe, mas
porque elas têm uma linha de conduta religiosa - afirmou.
Destaco
essa última parte de sua afirmação: para Russomano, as pessoas não
matam e não roubam porque a lei proíbe, mas "porque elas têm uma linha
de conduta religiosa".
É incrível como esse tipo
de raciocínio distorcido se espalha e acaba contaminando toda a
sociedade. E isso é um perigo para a construção de uma nação plural, que
abrigue sem distinção todo o tipo de pensamento, que não incentive o
preconceito e o ódio pelas minorias.
O
deputado/apresentador de TV Russomano, ao declarar que a virtude e a boa
conduta são privilégio apenas dos religiosos insulta a história da
humanidade, que tem provas inequívocas de assassinatos em massa e tantos
outros crimes bárbaros cometidos em defesa de algum entre os milhões de
deuses existentes. Além disso, ofende os milhões de seres humanos que
vivem pacificamente respeitando e amando os semelhantes, produzindo
obras de arte, desenvolvendo a ciência, ajudando a civilização a evoluir
material e espiritualmente, sem que para tanto acreditem na existência
dessas entidades invisíveis e incorpóreas que tantos sacrifícios exigem
dos pobres mortais.
Certa vez, há muito tempo,
um alemão barbudo fez uma afirmação que até hoje faz muita gente
refletir: "A religião é o ópio do povo."
Cá
entre nós, esse alemão entendia das coisas. Os nossos políticos
aprenderiam muito se dessem uma espiadinha naquilo que ele escreveu.
*GilsonSampaio
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