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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, julho 11, 2012

Pepe Escobar: “O Irã não vai rachar

  do redecastorphoto


 Pepe Escobar, Asia Times Online - THE ROVING EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Comecemos ao estilo marreta. O Irã não vai rachar. O Irã não vai rachar. O Irã não rachará.
Mas nem à marreta se consegue perfurar a carapaça de fantasia que envolve a elite dos EUA, que numa incansável campanha de propaganda tenta vender como “a comunidade internacional”.
Veja-se, por exemplo, essa simples coluna de jornal, na qual se descobre que “a comunidade internacional está agora à espera de rachaduras na posição desafiadora de Teerã: mais sanções forçarão Teerã a fazer reais concessões e admitir uma solução diplomática para o impasse?” [1]
Resposta curta: NÃO.
Aviso aos não iniciados: “comunidade internacional” não é o conglomerado CCGOTAN plus Israel. Não apenas os BRICS, grupo das potências emergentes, mas também os mais de 110 membros do Movimento dos Não Alinhados (MNA) – quer dizer, a absoluta maioria de uma verdadeira “comunidade internacional” – estão horrorizados com o modo como é tratado o Irã, como pária, nas negociações com o P5+1, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU plus Alemanha.
A coluna prossegue, observando que “os iranianos não aproveitaram a chance” (na essência, de submeter-se à diplomacia “desista e morra” que Washington tenta aplicar ao Irã, nas negociações nucleares em curso). “Em vez disso, os iranianos exigem reconhecimento de seu direito de enriquecer”. (É claro que o Irã tem todo o direito de enriquecer urânio – como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, TNP).
O que torna especial essa coluna e que não é assinada por algum neoconservador pirado. É assinada por “professora de questões internacionais da Kennedy School da Universidade de Harvard, ex-vice conselheira de Segurança Nacional e membro do Conselho de Relações Exteriores”. Se é medida do nível de debate intelectual em curso na porta giratória em que se misturam academia, colunismo de jornal e políticos, só resta às elites nos EUA temer o futuro como se temeu a peste bubônica.
Veja onde pisa
De volta ao mundo real – onde os fatos desmentem os delírios.
A Rússia é a favor de uma “abordagem passo a passo” nas negociações nucleares em curso. Significa que o Irã aumentará gradualmente a cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e, em troca, as sanções serão gradualmente revogadas.
Examinem detida e atentamente o documento que se lê [em inglês] em “Iran Nuclear Talks With 5+1, vazado no início da semana pela missão diplomática do Irã na ONU. Ali está a essência da posição do Irã, que fala de “cooperação de longo prazo”, a qual pode vir a derrubar a muralha de desconfiança que separa EUA e Irã desde 1979.
Qualquer observador e participante informado sabe que esse interminável drama geopolítico vai muito além do dossiê nuclear do Irã. Mas qualquer solução tem de começar de algum ponto – e o “algum ponto” é o reconhecimento do direito do Irã a enriquecer urânio; depois disso, trata-se do afrouxamento paulatino das sanções.
É exatamente a “abordagem passo a passo” racional que Moscou apoia. O penúltimo passo seria “um acordo amplo sobre compromissos coletivos nas áreas econômica, política, de segurança e de cooperação internacional”.
Significa reconhecer os direitos e a soberania do Irã – em vez de demonizar e castigar o Irã porque o conglomerado CCGOTAN plus Israel detesta/teme uma República Islâmica de maioria xiita.
Ninguém precisa de poltrona estofada de empregado da Escola Kennedy de Governo para ver que a resposta de Washington será um retumbante “não”. Washington, Londres, Paris e Berlim – mas não Moscou e Pequim – evitarão que as negociações cheguem a algum lugar, se o Irã não abdicar do enriquecimento do urânio.
Charge do Bira
Passa a ser crucialmente importante voltar ao dia 17/5/2010, quando Brasil, Turquia e Irã, depois de 18 horas ininterruptas de trabalho diplomático em Teerã, chegaram a um acordo: o Irã enviaria seu urânio baixo-enriquecido para a Turquia e receberia combustível nuclear para um reator de pesquisas.
Hillary Clinton
Até alguns países árabes – incluídos aí membros do CCG – foram favoráveis àquele acordo, além de Paris. Moscou e Pequim mantiveram um pé atrás – porque lhes parecia que o Irã abdicava de direitos assegurados pelo TNP. Seja como for, no dia seguinte a secretária de Estado Hillary Clinton torpedeou o acordo – essencialmente porque permitia que o Irã continuasse a enriquecer urânio.
Atores rachados
Washington foi soft em relação ao Iraque, durante mais de uma década: só sanções linha-super-duríssima, antes de conseguir disparar a operação “Choque e Pavor” e acabar de destruir uma nação já completamente debilitada e fragmentada. Por mais que insistam os cegos desejantes que esbravejam e batem cabeça envoltos na neblina em que vivem os neoconservadores e os falsos liberais, essa “estratégia” não funcionará no Irã.
Apesar de o Irã estar vendendo menos petróleo, e ainda que esteja, de fato, banido do sistema financeiro internacional, Teerã encontrará meios para contornar as novas sanções e o embargo ao petróleo impostos pela União Europeia, e o preço do petróleo será puxado para cima. A China continuará como firme compradora de petróleo – pagando menos (em yuan) pelo petróleo iraniano, mas comprando maiores quantidades. A Eurozona não rachará – não, pelo menos, por hora – o que implica que a demanda por petróleo não cairá.
Sobretudo, o Majlis (Parlamento) iraniano está às vésperas de aprovar a lei que autorizará inspeções de todos os navios-petroleiros que passem pelo Estreito de Ormuz em viagem para países que participem do embargo. Mesmo que não passem de inspeções policiais de rotina, o principal efeito será mais um aumento no preço do petróleo. A principal vítima será – mais uma vez – a União Europeia, confirmando a infinita capacidade de Bruxelas para agir contra os interesses nacionais dos estados-membros.
Se se cruzam os artigos de Kaveh Afrasiabi (5/7/2012, Iran's Persian Gulf gambit takes shape/O gambito do Irã no Golfo Persa toma forma [2]) e de Chris Cook (4/7/2012, Introducing the E-3/O “E-3” [3]: Apresentação [4]), neste Asia Times Online, surgem mais inúmeras vias para explorar dimensões inexploradas de “O Irã não vai rachar”.
O governo Obama tem de tomar uma decisão no mundo real, uma via ou outra: ou a escola de diplomacia “desista e morra”, ou negociação às veras. Tratar o Irã como se fosse estado pária só igualará o governo Obama ao governo Bush – cuja operação “Choque e Pavor” resultou no que hoje se vê: Bagdá firmemente aliada a Teerã (e os EUA não se transformaram em “nova OPEP”, como Paul Wolfowitz, pregador de guerras e mais guerras, “previu” que aconteceria).
Mas tudo isso some do cenário, se se vêem Irã, Rússia e China já negociando energia em outras moedas (como já fazem): é o começo do fim do petrodólar como pilar da política global de energia; é o começo do fim também, portanto, da hegemonia dos EUA. A turma de “especialistas” que esperam que o Irã rache tem de voltar à escola e recomeçar os estudos.
Notas de rodapé
[1] 6/7/2012, Los Angeles Times, Meghan L. O'Sullivan em: “Will Iran crack?” .
[2] 6/7/2012 Asia Times Online, Kaveh L Afrasiabi em: “Iran's Persian Gulf gambit takes shape
[3]  “E-3” é nova sigla proposta para um novo grupo global no qual se estão unindo: os dois maiores produtores de energia do mundo (Irã e Rússia) e o país cujo consumo de energia cresce mais rapidamente hoje, no mundo: a China.
[4] 4/7/2012, Ásia Times Online, Chris Cook em: “Introducing the E-3 (em tradução).
*GilsonSampaio

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