Pepe Escobar: “O Irã não vai rachar
do redecastorphoto
Pepe Escobar, Asia Times Online - THE ROVING EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Comecemos ao estilo marreta. O Irã não vai rachar. O Irã não vai rachar. O Irã não rachará.
Mas
nem à marreta se consegue perfurar a carapaça de fantasia que envolve a
elite dos EUA, que numa incansável campanha de propaganda tenta vender
como “a comunidade internacional”.
Veja-se, por
exemplo, essa simples coluna de jornal, na qual se descobre que “a
comunidade internacional está agora à espera de rachaduras na posição
desafiadora de Teerã: mais sanções forçarão Teerã a fazer reais
concessões e admitir uma solução diplomática para o impasse?” [1]
Resposta curta: NÃO.
Aviso aos não iniciados: “comunidade internacional” não é o conglomerado CCGOTAN plus
Israel. Não apenas os BRICS, grupo das potências emergentes, mas também
os mais de 110 membros do Movimento dos Não Alinhados (MNA) – quer
dizer, a absoluta maioria de uma verdadeira “comunidade internacional” –
estão horrorizados com o modo como é tratado o Irã, como pária, nas
negociações com o P5+1, os cinco membros permanentes do Conselho de
Segurança da ONU plus Alemanha.
A coluna
prossegue, observando que “os iranianos não aproveitaram a chance” (na
essência, de submeter-se à diplomacia “desista e morra” que Washington
tenta aplicar ao Irã, nas negociações nucleares em curso). “Em vez
disso, os iranianos exigem reconhecimento de seu direito de enriquecer”.
(É claro que o Irã tem todo o direito de enriquecer urânio – como
signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, TNP).
O
que torna especial essa coluna e que não é assinada por algum
neoconservador pirado. É assinada por “professora de questões
internacionais da Kennedy School da Universidade de Harvard,
ex-vice conselheira de Segurança Nacional e membro do Conselho de
Relações Exteriores”. Se é medida do nível de debate intelectual em
curso na porta giratória em que se misturam academia, colunismo de
jornal e políticos, só resta às elites nos EUA temer o futuro como se
temeu a peste bubônica.
Veja onde pisa
De volta ao mundo real – onde os fatos desmentem os delírios.
A
Rússia é a favor de uma “abordagem passo a passo” nas negociações
nucleares em curso. Significa que o Irã aumentará gradualmente a
cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e, em
troca, as sanções serão gradualmente revogadas.
Examinem detida e atentamente o documento que se lê [em inglês] em “Iran Nuclear Talks With 5+1”,
vazado no início da semana pela missão diplomática do Irã na ONU. Ali
está a essência da posição do Irã, que fala de “cooperação de longo
prazo”, a qual pode vir a derrubar a muralha de desconfiança que separa
EUA e Irã desde 1979.
Qualquer observador e
participante informado sabe que esse interminável drama geopolítico vai
muito além do dossiê nuclear do Irã. Mas qualquer solução tem de começar
de algum ponto – e o “algum ponto” é o reconhecimento do direito do Irã
a enriquecer urânio; depois disso, trata-se do afrouxamento paulatino
das sanções.
É exatamente a “abordagem passo a
passo” racional que Moscou apoia. O penúltimo passo seria “um acordo
amplo sobre compromissos coletivos nas áreas econômica, política, de
segurança e de cooperação internacional”.
Significa reconhecer os direitos e a soberania do Irã – em vez de demonizar e castigar o Irã porque o conglomerado CCGOTAN plus Israel detesta/teme uma República Islâmica de maioria xiita.
Ninguém
precisa de poltrona estofada de empregado da Escola Kennedy de Governo
para ver que a resposta de Washington será um retumbante “não”.
Washington, Londres, Paris e Berlim – mas não Moscou e Pequim – evitarão
que as negociações cheguem a algum lugar, se o Irã não abdicar do
enriquecimento do urânio.
Charge do Bira
Passa
a ser crucialmente importante voltar ao dia 17/5/2010, quando Brasil,
Turquia e Irã, depois de 18 horas ininterruptas de trabalho diplomático
em Teerã, chegaram a um acordo: o Irã enviaria seu urânio
baixo-enriquecido para a Turquia e receberia combustível nuclear para um
reator de pesquisas.
Hillary Clinton
Até
alguns países árabes – incluídos aí membros do CCG – foram favoráveis
àquele acordo, além de Paris. Moscou e Pequim mantiveram um pé atrás –
porque lhes parecia que o Irã abdicava de direitos assegurados pelo TNP.
Seja como for, no dia seguinte a secretária de Estado Hillary Clinton
torpedeou o acordo – essencialmente porque permitia que o Irã
continuasse a enriquecer urânio.
Atores rachados
Washington foi soft
em relação ao Iraque, durante mais de uma década: só sanções
linha-super-duríssima, antes de conseguir disparar a operação “Choque e
Pavor” e acabar de destruir uma nação já completamente debilitada e
fragmentada. Por mais que insistam os cegos desejantes que esbravejam e
batem cabeça envoltos na neblina em que vivem os neoconservadores e os
falsos liberais, essa “estratégia” não funcionará no Irã.
Apesar
de o Irã estar vendendo menos petróleo, e ainda que esteja, de fato,
banido do sistema financeiro internacional, Teerã encontrará meios para
contornar as novas sanções e o embargo ao petróleo impostos pela União
Europeia, e o preço do petróleo será puxado para cima. A China
continuará como firme compradora de petróleo – pagando menos (em yuan)
pelo petróleo iraniano, mas comprando maiores quantidades. A Eurozona
não rachará – não, pelo menos, por hora – o que implica que a demanda
por petróleo não cairá.
Sobretudo, o Majlis
(Parlamento) iraniano está às vésperas de aprovar a lei que autorizará
inspeções de todos os navios-petroleiros que passem pelo Estreito de
Ormuz em viagem para países que participem do embargo. Mesmo que não
passem de inspeções policiais de rotina, o principal efeito será mais um
aumento no preço do petróleo. A principal vítima será – mais uma vez – a
União Europeia, confirmando a infinita capacidade de Bruxelas para agir
contra os interesses nacionais dos estados-membros.
Se se cruzam os artigos de Kaveh Afrasiabi (5/7/2012, Iran's Persian Gulf gambit takes shape/O gambito do Irã no Golfo Persa toma forma [2]) e de Chris Cook (4/7/2012, Introducing the E-3/O “E-3” [3]: Apresentação [4]), neste Asia Times Online, surgem mais inúmeras vias para explorar dimensões inexploradas de “O Irã não vai rachar”.
O
governo Obama tem de tomar uma decisão no mundo real, uma via ou outra:
ou a escola de diplomacia “desista e morra”, ou negociação às veras.
Tratar o Irã como se fosse estado pária só igualará o governo Obama ao
governo Bush – cuja operação “Choque e Pavor” resultou no que hoje se
vê: Bagdá firmemente aliada a Teerã (e os EUA não se transformaram em
“nova OPEP”, como Paul Wolfowitz, pregador de guerras e mais guerras,
“previu” que aconteceria).
Mas tudo isso some do
cenário, se se vêem Irã, Rússia e China já negociando energia em outras
moedas (como já fazem): é o começo do fim do petrodólar como pilar da
política global de energia; é o começo do fim também, portanto, da
hegemonia dos EUA. A turma de “especialistas” que esperam que o Irã
rache tem de voltar à escola e recomeçar os estudos.
Notas de rodapé
[1] 6/7/2012, Los Angeles Times, Meghan L. O'Sullivan em: “Will Iran crack?” .
[2] 6/7/2012 Asia Times Online, Kaveh L Afrasiabi em: “Iran's Persian Gulf gambit takes shape”
[3]
“E-3” é nova sigla proposta para um novo grupo global no qual se estão
unindo: os dois maiores produtores de energia do mundo (Irã e Rússia) e o
país cujo consumo de energia cresce mais rapidamente hoje, no mundo: a
China.
[4] 4/7/2012, Ásia Times Online, Chris Cook em: “Introducing the E-3” (em tradução).
*GilsonSampaio
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