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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, julho 20, 2012

Venezuela fortalece o Mercosul

Ao ingresso da Venezuela no Mercosul sucederam variadas críticas de tons e razões distintas, mas que apontam a dificuldade dos setores conservadores em aceitar o avanço da integração na região e o fortalecimento dos países-membros que, sob uma mesma orientação geopolítica, vêm mostrando que existe um modelo alternativo de desenvolvimento.
Um paradigma que passa ao largo da dependência dos receituários neoliberais que, por tanto tempo, comprometeram seu progresso.
Contudo, o que a crítica não se dá ao trabalho de manifestar em seus inúmeros discursos dedicados não só a desaprovar a entrada da Venezuela, mas também em desqualificar a importância do Mercosul, é a dimensão econômica da incorporação venezuelana e os benefícios de uma integração que, em muitos aspectos, já existe.
Com a entrada da Venezuela, o PIB do Mercosul somará cerca de US$ 3,2 trilhões, alcançando 75% do total da América do Sul. A população dos países membros abarcará 70% do total da região, um total de 272 milhões de pessoas.
Nos últimos sete anos, as importações feitas pela Venezuela de países do Mercosul aumentaram mais de seis vezes.
Além disso, a integração resultará em um bloco dos mais importantes mundialmente, com destaque na produção de energia, alimentos e manufaturados, dada as imensas reservas de minerais, água potável e rica biodiversidade do vizinho caribenho.
O novo membro do Mercosul é o quinto maior produtor mundial de petróleo e, segundo relatório anual da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), divulgado em julho de 2011, chegou ao fim de 2010 com uma reserva comprovada de mais de 250 bilhões de barris, superando até mesmo a Arábia Saudita.
As reservas venezuelanas triplicaram nos últimos cinco anos e alcançaram quase 20% do total mundial, um resultado relacionado às recentes descobertas e certificações da Faixa Petrolífera do Orinoco. O país detém ainda a oitava maior reserva de gás do planeta.
A adesão de um país caribenho que possui localização privilegiada e fácil acesso marítimo também amplia geopoliticamente a força do bloco e deve abrir caminho para o ingresso de novos membros — o que está de acordo com o intuito de incrementar o comércio regional, ampliar a pauta comercial e aumentar a competitividade da região frente a outros centros.
Por tudo isso, não nos deixemos enganar: o Mercosul é, sim, estratégico para o desenvolvimento dos países sul-americanos, e a adesão da Venezuela só contribui para a afirmação do bloco, especialmente se superarmos as dificuldades e investirmos em uma agenda de integração produtiva, que seja capaz de ampliar o ciclo de crescimento econômico.
A consolidação de um bloco integrado e fortalecido cria também um instrumento essencial de afirmação e defesa da América do Sul em suas relações com os demais países e blocos, com capacidade de responder de forma mais ágil à crise mundial, a partir de políticas comuns de crescimento, valorização dos mercados internos, fortalecimento do comércio regional e uso sustentável de nossa grande diversidade de recursos naturais.
Para o Brasil, a integração da Venezuela ao Mercosul intensifica e torna ainda mais promissora uma relação de grandes parcerias e elevada colaboração. De 2003 para cá, o comércio entre os dois países, que era de US$ 880 milhões, saltou para US$ 5,9 bilhões em 2011.
Nos cinco primeiros meses deste ano, as exportações do Brasil para a Venezuela cresceram 40,6% em relação ao mesmo período do ano passado. A Venezuela é hoje o terceiro superávit comercial do Brasil, figurando entre os nossos três maiores sócios comercias desde 2007.
A integração entre os dois países tem apresentado progressos significativos nos últimos anos por meio de acordos entre órgãos venezuelanos e brasileiros, como Caixa Econômica Federal (CEF), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Petrobras e Eletrobras.
Além da ampla aliança entre o setor público, a entrada do país no Mercosul amplia as perspectivas de avanços na agenda de projetos que envolvem empresas privadas brasileiras — como Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Braskem, Ambev, Gerdau, entre outras.
A eventual associação da PDVSA venezuelana e da Petrobras, que está dentre as possíveis parcerias mais promissoras entre Brasil e Venezuela, resultaria na maior empresa petrolífera do mundo, projetando ainda mais o bloco no cenário internacional.
As relações entre o Brasil e a Venezuela se dão com grande cooperação e servem de exemplo de parceria bem sucedida, não apenas no campo comercial, mas, sobretudo, de troca de experiências e integração produtiva, fundamentais para o nosso desenvolvimento regional.
A América do Sul vive hoje, graças à ascensão, na última década, de governos progressistas, situação muito favorável à construção de uma dinâmica integradora, de um projeto comum, sustentado na cooperação, no desenvolvimento econômico, na solidariedade.
Por isso, segue fundamental afirmar o papel do Mercosul como projeto de união regional e, principalmente, como estratégia para o desenvolvimento dos países sul-americanos. O Brasil tem grande responsabilidade nessa empreitada, e o ingresso da Venezuela deve ser festejado como fator capaz de dar novo impulso à agenda regional.
José Dirceu, advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT
 

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