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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, agosto 23, 2012

ALGUMAS DE NELSON RODRIGES



O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da inexperiência.


Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de “ilustre”, de “insigne”, de “formidável”, qualquer borra-botas.

A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.


O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.

Em nosso século, o “grande homem” pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta.


O amor não deixa sobreviventes.

Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.


Invejo a burrice, porque é eterna.

Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São Francisco de Assis, com a luva de borracha e um passarinho em cada ombro.


O cinema não chega a ser uma arte. Daqui a seis mil anos talvez o seja./O cinema francês é como o italiano: um conto do vigário./O cinema brasileiro só dará pé quando desaparecer o Cinema Novo até o último vestígio.Um vago decote pode comprometer ao infinito. Só o ser amado tem o direito de olhar um simples decote.

Hollywood é o óbvio ululante.
Nada mais doce, nada mais terno, do que um ex-inimigo.


Nossos marxistas são marxistas de galinheiro. Aliás, Marx também era marxista de galinheiro.
O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem.


O biquíni é uma nudez pior que a nudez./Os magros só deviam amar vestidos, e nunca no claro./Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo, podia-se andar nu.Nunca o brasileiro foi tão obsceno. Vivemos uma fase ginecológica.


Só os profetas enxergam o óbvio./Todo óbvio é ululante.A plateia só é respeitosa quando não está entendendo nada.


Viajar também é uma forma de solidão.Toda unanimidade é burra.


O sujeito que não se considera um gênio não deve se dedicar a fazer arte ou literatura.(Frase que Nelson gostaria de ver gravada em seu túmulo, sob o tradicional Aqui jaz): "Assassinado por imbecis de ambos os sexos".


Chegou às redações a notícia da minha morte. E os bons colegas trataram de fazer a notícia. Se é verdade o que de mim disseram os necrológios, com a generosa abundância de todos os necrológios, sou de fato um bom sujeito.

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