As mentiras paraguaias das elites brasileiras
Via O Diário.info
João Pedro Stedile
O
destacado dirigente do MST brasileiro põe os pontos nos ii acerca das
razões do entusiástico alinhamento da grande burguesia brasileira com o
golpe de Estado que depôs o Presidente Lugo: “O maior conflito do
Paraguai é reaver a terra usurpada por fazendeiros brasileiros. O país
vizinho “cedeu” a estrangeiros 25% do seu território cultivável.”
Mal
havia terminado o golpe de Estado contra o presidente Fernando Lugo e
flamantes porta-vozes da burguesia brasileira saíram em coro a defender
os golpistas.
Seus argumentos eram os mesmos da
corrupta oligarquia paraguaia, repetidos também de forma articulada por
outros direitistas em todo continente. O impeachment, apesar de tão
rápido, teria sido legal. Não importa se os motivos alegados eram
verdadeiros ou justos.
Foram repetidos surrados
argumentos paranoicos da Guerra Fria: “O Paraguai foi salvo de uma
guerra civil” ou “o Paraguai foi salvo do terrorismo dos sem-terra”.
Se
a sociedade paraguaia estivesse dividida e armada, certamente os
defensores do presidente Lugo não aceitariam pacificamente o golpe.
Curuguaty,
que resultou em sete policiais e 11 sem-terra assassinados, não foi um
conflito de terra tradicional. Sem que ninguém dos dois lados estivesse
disposto, houve uma matança indiscriminada, claramente planejada para
criar uma comoção nacional. Há indícios de que foi uma emboscada armada
pela direita paraguaia para culpar o governo.
Foi
o conflito o principal argumento utilizado para depor o presidente. Se
esse critério fosse utilizado em todos os países latino-americanos, FHC
seria deposto pelo massacre de Carajás. Ou o governador Alckmin pelo
caso Pinheirinho.
O Paraguai é o país do mundo
de maior concentração da terra. De seus 40 milhões de hectares,
31.086.893 ha são de propriedade privada. Os outros 9 milhões são ainda
terras públicas no Chaco, região de baixa fertilidade e incidência de
água.
Apenas 2% dos proprietários são donos de
85% de todas as terras. Entre os grandes proprietários de terras no
Paraguai, os fazendeiros estrangeiros são donos de 7.889.128 hectares,
25% das fazendas.
Não há paralelo no mundo: um
país que tenha “cedido” pacificamente para estrangeiros 25% de seu
território cultivável. Dessa área total dos estrangeiros, 4,8 milhões de
hectares pertencem a brasileiros.
Na base da
estrutura fundiária, há 350 mil famílias, em sua maioria pequenos
camponeses e médios proprietários. Cerca de cem mil famílias são
sem-terra.
O governo reconhece que desde a
ditadura Stroessner (1954-1989) foram entregues a fazendeiros locais e
estrangeiros ao redor de 10 milhões de hectares de terras públicas, de
forma ilegal e corrupta. E é sobre essas terras que os movimentos
camponeses do Paraguai exigem a revisão.
Segundo
o censo paraguaio, em 2002 existiam 120 mil brasileiros no país sem
cidadania. Desses, 2.000 grandes fazendeiros controlam áreas superiores a
mil ha e se dedicam a produzir soja e algodão para empresas
transnacionais como Monsanto, Syngenta, Dupont, Cargill, Bungue…
Há
ainda um setor importante de médios proprietários, e um grande número
de sem-terra brasileiros vivem como trabalhadores por lá. São esses
brasileiros pobres que a imprensa e a sociologia rural apelidaram de
“brasiguaios”.
O conflito maior é da sociedade
paraguaia e dos camponeses paraguaios: reaver os 4,8 milhões de hectares
usurpados pelos fazendeiros brasileiros. Daí a solidariedade de classe
que os demais ruralistas brasileiros manifestaram imediatamente contra o
governo Lugo e a favor de seus colegas usurpadores.
O
mais engraçado é que as elites brasileiras nunca reclamaram de, em
função de o Senado paraguaio sempre barrar todas as indicações de nomes
durante os quatro anos do governo Lugo, a embaixada no Brasil ter ficado
sem mandatário durante todo esse período.
JOÃO
PEDRO STEDILE, 58, economista, é integrante da coordenação nacional do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e da Via Campesina
Brasil
*GilsonSampaio
*GilsonSampaio
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