Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 18, 2012

O asilo a Assange - O Equador dá lição de dignidade e firmeza

 

O governo do Equador deu ao mundo uma lição de firmeza e dignidade ao conceder «asilo diplomático» ao jornalista australiano Julian Assange, fundador da Wikileaks, refugiado na sua embaixada em Londres desde o dia 19 de Junho.
A nota do Ministério das Relações Exteriores concedendo o asilo foi emitida horas depois de ter recebido um «memorial» do governo britânico informando que este concluíra ter o direito de invadir pela força as instalações da embaixada equatoriana se Assange não lhe fosse entregue a fim de ser extraditado para a Suécia.
Minutos depois, um forte dispositivo policial cercou o edifício da embaixada.
A manobra de chantagem produziu um efeito oposto ao visado pelo Foreign Office. O governo de Rafael Correa já deu provas que não se submete a ameaças do imperialismo.
A iniciativa britânica foi obviamente recebida com espanto a nível mundial. Não há precedentes na história das relações diplomáticas entre estados soberanos de uma violação da total imunidade de que gozam as embaixadas comparável à sugerida na nota do governo de Sua Majestade.
Nem Hitler durante a guerra mundial ousou invadir embaixadas de países que haviam acolhido refugiados judeus. Nem Pinochet no Chile forçou a entrada em qualquer embaixada para retirar gente perseguida pelo exército.
O único caso conhecido de desrespeito frontal da inviolabilidade de sedes de missões diplomáticas, garantida pela Convenção de Viena de 1949 e pela Convenção de Genebra de 1996 (e pela Carta da ONU, Declaração Universal dos Direitos do Homem, etc.) ocorreu no Afeganistão em 1969 quando uma horda talibã invadiu a embaixada da ONU em Kabul e retirou dali o presidente Muhamad Najibullah para o enforcar numa praça da cidade.
A ameaça britânica é esclarecedora do nível ético dos atuais responsáveis pela política exterior do Reino Unido.
A reação do governo de Cameron à concessão do asilo a Julian Assange veio aliás confirmar o servilismo de Londres, empenhado em atender pressões dos EUA.
O ministro dos Estrangeiros, William Haggue, apressou-se a declarar que a decisão equatoriana «não altera nada». O Reino Unido – disse – não reconhece o direito de asilo. Afirmou que não será entregue um salvo-conduto a Assange, que «será extraditado para a Suécia».
O processo contra o jornalista australiano tem aspectos folhetinescos. Foi acusado pela justiça de Estocolmo de ter mantido relações sexuais sem protecção com uma rapariga sueca.
Isso aconteceu quando corriam pelo mundo, entregues pela Wikileaks a influentes jornais, milhares de documentos trocados entre as embaixadas dos EUA e o Departamento de Estado, reveladores da existência de uma rede de espionagem secreta altamente comprometedora para o imperialismo norte-americano.
A Nota equatoriana sobre a concessão do asilo a Assange é uma peça diplomática solidamente fundamentada no direito internacional. A exposição de motivos que justifica a decisão tomada pelo Presidente sublinha os vícios do processo jurídico iniciado na Suécia contra Assange e invoca a forte possibilidade de Assange ser extraditado para os EUA onde «não teria um julgamento justo e poderia ser julgado por tribunais especiais ou militares», não sendo de excluir que o condenassem «a prisão perpétua ou na pena capital».
É imprevisível no momento o desfecho da situação criada pela recusa britânica de respeitar a decisão soberana do governo do Equador.
Julian Assange vai provavelmente permanecer muito tempo na embaixada onde se encontra.
Mas enquanto o governo de Cameron projeta nestes dias no mundo uma imagem desprestigiante ao tripudiar sobre princípios do Direito Internacional estabelecidos por Convenções por ele assinadas, o Presidente Rafael Correa torna-se credor da admiração da humanidade democrática e progressista.
*comtextolivre

Nenhum comentário:

Postar um comentário