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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, agosto 27, 2012

Caso Pinheirinho: o buraco é mais embaixo e Eliana Calmon recua

 

 do Viomundo
Eliana Calmon recua e arquiva ação contra juízes do Pinheirinho; advogados, perplexos, vão recorrer

 
Em junho, Eliana Calmon recebeu moradores e advogados do Pinheirinho. Todos estão surpresos com a decisão de ela arquivar a ação, logo após ter cobrado explicações dos juízes. Foto: Arquivo pessoal
Conceição Lemes
Seis dias após a Corregedoria Nacional de Justiça decidir cobrar explicações dos juízes envolvidos na violenta desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, SP, a ministra Eliana Calmon mandou arquivar tudo nessa sexta-feira 24. A Corregedoria é um dos órgãos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Calmon é a Corregedora Nacional de Justiça.
Em 16 de junho, advogados e representantes de entidades de defesa dos direitos humanos estiveram em Brasília com Eliana Calmon para entregar a reclamação disciplinar (é o nome técnico da representação), assinada por vários juristas, contra:
Ivan Sartori, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
Cândido Além, desembargador do TJ-SP
Rodrigo Capez, juiz da presidência TJ-SP
Marcia Faria Mathey Loureiro, juíza da 6ª Vara Cível de SJC
Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, juiz da 18ª Vara Cível do Fórum Central João Mendes
A representação visava à apuração das responsabilidades disciplinares deles na desocupação do Pinheirinho.
Em 16 de agosto, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou a notificação dos cinco magistrados, para prestar esclarecimentos sobre acusações que constam contra eles na representação. Deu prazo de 15 dias, para a decisão ser cumprida.
Porém, nessa sexta-feira 24, a Corregedora Nacional de Justiça, voltou atrás, mandando arquivar a ação. Na sua decisão, a ministra Eliana Calmon argumenta:
Observa-se que a competência fixada constitucionalmente para este Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo e financeiro do Poder Judiciário, não podendo ocorrer à intervenção em conteúdo de decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.
Assim, quanto ao mérito dos atos realizados no curso do processo, a parte deve valer-se dos meios recursais próprios, ainda que caso-a-caso, não se cogitando da intervenção deste Conselho.
Com isso, nos termos em que posta à questão, o pedido realizado pelo reclamante não possui condições de prosperar, pois estão relacionados ao exame de matéria eminentemente jurisdicional.
“É incompreensível. Há seis dias saiu um despacho dando andamento à representação e mandando intimar os magistrados responsáveis”, observa, atônito, Marcio Sotelo Felippe, procurador do Estado de São Paulo. “O que houve nesse tempo?”
“Como é possível que a barbárie do Pinheirinho se resolva disciplinarmente com um despacho burocrático?”, ainda mais atônito, ele continua. “A ministra Calmon, que é vista pela mídia tradicional como paladina da moralidade, deve uma explicação à sociedade.”
Também muito surpresa está Camila Gomes de Lima, que integra um grupo de advogados amigos do Pinheirinho. Para ela, o despacho da ministra Calmon é muito genérico.
“Não analisou individualização das condutas de cada juiz nem os relatos sobre extrapolamento das competências. Até o nosso pedido, de cunho mais geral, para que o CNJ reflita e emita resolução sobre o tratamento judicial dos conflitos fundiários, ficou sem resposta”, atenta a advogada. “Simplesmente disse arquive-se! Agora, se todo requerimento administrativo tem de ser devidamente respondido, que dirá um requerimento para órgão de controle como o CNJ!”
“Nós sabemos que é um caso complexo, que tramitou por mais de oito anos e repercutiu na vida de mais de 6 mil pessoas”, argumenta Camila. “Mas vamos insistir, porque é um caso emblemático e sobre o qual o CNJ deve se debruçar, sim, para averiguar a fundo a lisura dos cinco magistrados envolvidos, se agiram em conformidade com os seus deveres funcionais, com o código de ética da magistratura. Isso é competência do CNJ.”
“Nós fomos à ministra Eliana Calmon, pois a Corregedoria Nacional de Justiça é responsável por receber esse tipo de denúncia”, ressalta Camila. “Agora, como a reclamação disciplinar não foi aceita, nós vamos, via recurso, para plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), integrado por todos os conselheiros, inclusive a ministra Calmon. A Comunidade do Pinheirinho não é de desistir, vai insistir.”
Antonio Ferreira, um dos advogados dos moradores do Pinheirinho, também lamenta o despacho da corregedora: “Nós vamos recorrer, sim, ao plenário do CNJ. Os cinco juízes têm, de, no mínimo, explicar por que passaram por cima das leis, do estado de Direito. Não há toga acima da lei”.
Para Cezar Britto, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional) e advogado da Comunidade do Pinheirinho, a decisão pelo arquivamento reflete o ponto de vista de um dos julgadores do CNJ, não do órgão colegiado.
“Como são violações aos princípios de direitos humanos e aos deveres funcionais dos magistrados, insistiremos na reapreciação da matéria agora de forma mais coletivizada”,  fundamenta Cezar Britto. “A corregedora apenas afastou a apreciação sob o ângulo da ausência de competência do CNJ, não analisando seu mérito. É o mérito, porém, que comprova as denúncias apresentadas”.
 
Imagem emblemática da barbárie de 22 de janeiro de 2012. O massacre do Pinheirinho completou sete meses. Os mais de 6 mil moradores perderam tudo. Ninguém foi punido 
*GilsonSampaio

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