Reeleição de Chávez sustentará modelo político sul-americano
A espetacularização da política
brasileira está impedindo a sociedade de perceber a evolução de um
contexto político no qual está inserida e que deve afetar profundamente
a sua vida, podendo vir a ditar-lhe o rumo no futuro próximo. Com
mensalão, CPI do Cachoeira e eleições, estamos deixando passar batido
um dos fatos políticos mais importantes da atualidade.
Praticamente
todas as sondagens do processo eleitoral venezuelano dão conta de que o
presidente Hugo Chávez deve ser reeleito com certa facilidade. Sua
vantagem é reconhecida até mesmo pelo “oposicionista” Datanálisis, o
Datafolha venezuelano, onde tem 16% de dianteira sobre o segundo
colocado, o conservador Henrique Capriles.
Detalhe:
em institutos tidos como menos parciais em favor da oposição, a
vantagem de Chávez sobre o principal adversário se aproxima dos 30%.
O
cenário político venezuelano revela uma realidade que se espalha pela
América do Sul mais do que por qualquer outra parte do mundo: projetos
político-administrativos de centro-esquerda – ou, como preferem alguns,
social-democratas – parecem cada vez mais longe do “esgotamento de
modelo” que a mídia conservadora das Américas já ensaia decretar.
Ainda
que no Brasil o modelo político que impera na América do Sul encontre
maior dificuldade para funcionar devido a peculiaridades
político-institucionais do país e a uma maior dificuldade em politizar o
povo como fizeram os governos Hugo Chávez, Cristina Kirchner, Rafael
Correa, Evo Morales e José Mujica, aqui também vige o modelo de inclusão
social desenvolvimentista análogo ao modelo “revolucionário”
venezuelano.
Chávez prega a
própria reeleição com o objetivo alegado de tornar o seu modelo
político-econômico-institucional “irreversível”. O que seja, obrigar a
todos os atores políticos do país a adotarem o caminho da inclusão
social em projetos regionais, inclusive nos governos de províncias
controlados pela oposição ao governo central.
O
modelo chavista é o que deu origem a outros projetos sul-americanos
que vão se mostrando cada vez mais sólidos. E o que fez esse modelo se
espalhar foram seus impressionantes resultados sociais obtidos ao longo
da mais de uma década de duração da revolução bolivariana.
O
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Gini – que medem,
respectivamente, a qualidade de vida e a concentração de renda de um
país em relação aos outros – da Venezuela lideram o ranking de melhora
nas três Américas e inspiraram processos análogos na Argentina, na
Bolívia, no Equador, no Uruguai e no próprio Brasil.
A
única diferença em nosso país é que, por aqui, ainda não se está
obtendo avanços institucionais como a implantação de legislação concreta
para regular a comunicação, legislação que, nos países vizinhos, é
inspirada nas legislações dos países mais desenvolvidos, tais como
Estados Unidos, França, Inglaterra e outros.
O
quadro político-eleitoral venezuelano, enfim, contrasta com com o
opinionismo político das mídias brasileira e internacional, que
decretara não só o “esgotamento” do modelo venezuelano, mas a morte de
Chávez antes das eleições por conta de problemas de saúde que disse
“terminais”, mas que o vigor com que ele conduz a própria campanha
desmente.
O modelo político e
institucional original de Chávez se espalhou por todos os países
supracitados da América do Sul, menos no Brasil. Isso significa que
impérios midiáticos que durante o século XX pintaram e bordaram na
região, em seus países mais importantes estão com os dias contados.
Ao
menos na Argentina, na Bolívia, no Equador e na Venezuela, os impérios
de comunicação vão perder o poder de falarem sozinhos àquelas
sociedades e não permanecerão do tamanho paquidérmico a que chegaram,
pois as leis de redistribuição de propriedade de meios de comunicação
inspirada nas leis de países desenvolvidos farão a comunicação, nesses
países, chegar ao século XXI.
O
modelo de republiqueta midiática conservadora ainda deve permanecer por
um bom tempo no Brasil por falta de condições políticas internas
furtadas pelo poderio muito maior que as elites adquiriram por aqui, com
a institucionalização da comunicação como poder direcionador de
políticas públicas e da opinião da sociedade, o que impede, inclusive,
dissonâncias.
Todavia, o caráter
promissor do modelo oriundo da Revolução Bolivariana da Venezuela que,
em maior ou menor grau, espalhou-se pelo continente, reside em uma
relação de troca entre esse modelo e as massas empobrecidas da região.
Tanto no Brasil quanto em seus vizinhos progressistas estabeleceu-se a
troca de bem-estar social por votos.
Em
países com tanta desigualdade social e pobreza como nos países
latino-americanos, a possibilidade de manter o poder pela via
democrática é imensa. Eis, porém, que se levanta o velho fantasma do
golpismo que marcou a região no século XX, ou seja, na ruptura
institucional aplicada pelas elites sem votos com uso de forças armadas
submissas.
Em países com
avançada politização social como na Venezuela, o recurso às forças
armadas praticamente desapareceu sobretudo porque estas, na base, são
compostas pelo povo, por soldados que viveram na pobreza e que, também
na era Chávez, viram suas vidas melhorarem como a dos compatriotas
civis.
O fenômeno venezuelano de
conversão das Forças Armadas aos cânones democráticos e legalistas se
repete da Argentina até o Equador, com exceção do Brasil, onde a
consciência social (muito) menor ainda faz com que não se possa contar
com o espírito legalista e democrático das tropas, que ainda, em tese,
poderiam se prestar ao golpismo.
Todavia,
mesmo no Brasil há dúvidas da viabilidade de um golpe militar. Não são
poucos os relatos que este blog já recebeu de militares que não querem
aparecer nem anonimamente, mas que garantem que delírios golpistas de
chefes militares de pijama não seriam seguidos pela base das Forças
Armadas.
Em um momento em que a
mídia brasileira pinta e borda, manipulando desde o Judiciário até o
Legislativo, passando pelo Executivo (em alguma medida), vale refletir
sobre a situação política sul-americana. O Brasil pode ser grande o
suficiente para contrariar o resto da América do Sul, mas sua
centro-esquerda tem instrumentos para impedir.
*Turquinho
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