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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, agosto 23, 2012


Sentença histórica contra agrotóxicos gera reações diversas na Argentina


Sofia-gatica-agrochemicals-argentina
Imagem ©Goldman Environmental Prize.
Por Paula Alvarado.
Em abril deste ano, a ativista argentina Sofía Gatica (foto acima) ganhou o prestigiado Prêmio Ambiental Goldman, por liderar um grupo de moradores de sua cidade na luta contra produtores que utilizaram agroquímicos em locais próximos à comunidade onde morava. Vários moradores da região ficaram doentes. O fiscal do caso denunciou que entre os anos de 2002 e 2010, 169 dos 5 mil moradores do bairro desenvolveram câncer por efeito dos agrotóxicos.
Levando em conta que a Argentina é o terceiro maior exportador de soja do mundo e consumidor de mais de 50 milhões de litros de glifosato e ensosulfan, ganhar o prêmio deu trabalho. Gatica deu voz a um problema do qual ninguém quer falar.
Por um lado, o governo do país depende das exportações de soja para arrecadar impostos e manter a economia funcionando - talvez por isso o assunto não tenha sido muito discutido em âmbito político. O mais próximo disso foi um pedido da presidente Cristina Fernández Kirchner para criar uma comissão para investigar os perigos dos agrotóxicos, mas a recomendação final da comissão, como destaca o IPS foi: “Na Argentina não há dados suficientes sobre os efeitos do glifosato na saúde humana, por isso seria importante promover a realização de estudos pertinentes”.
Os meios de comunicação também não parecem entusiasmados em analisar a situação. Um possível motivo para isso podem ser as propagandas de suplementos agropecuários estampadas nas páginas dos principais jornais do país, cheios de anúncios da Monsanto et al. Em 2009, um cientista local apresentou um estudo que provava o impacto do herbicida sobre embriões anfíbios. Ele foi ameaçado de morte e sofreu uma agressiva campanha de descrédito.
Gatica e outros representantes de movimentos ecológicos esperavam por um momento histórico: um tribunal da província de Córdoba ia dar o veredicto final sobre o julgamento de dois produtores agropecuários e um piloto de avião, denunciados por causarem danos ao meio ambiente e possíveis riscos à saúde dos moradores do bairro Ituzaingo.
O veredicto foi anunciado: um dos produtores foi absolvido por falta de provas, mas o outro e o piloto foram considerados culpados e condenados a três anos de prisão (que provavelmente não serão cumpridos na cadeia, mas com a realização de trabalhos sociais). 
As reações mostravam uma mistura de indignação e esperança, destacando o fato de o ato ter sido considerado um delito, o que é um avanço (apesar de naquela mesma tarde o ministro da agricultura argentino ter cumprimentado a Monsanto pelo desenvolvimento de uma nova semente de soja transgênica).
A disputa judicial não defendia o fim do uso dos agrotóxicos no país. A demanda baseava-se no fato de os agricultores terem transgredido as normas atuais, e não no perigo que os agrotóxicos representam a longo prazo. O secretário de Direitos Humanos Martón Fresneda enfatizou, ao participar da sessão do tribunal, que “os agrotóxicos podem ser utilizados desde que as dimensões e locais de aplicação previstos na lei sejam respeitados. Sempre precisaremos melhorar as leis para regulamentar a atividade em função desses novos tempos, em função da vida agropecuária, industrial e da comunidade”.
Mais o julgamento poderia ser o ponto de partida para a criação de leis mais rígidas, para que outras comunidades condenem produtores irresponsáveis. A condenação estabelece um precedente importante: este foi o primeiro caso do tipo a ser julgado na América Latina.
*NINA

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