O cerco do Ocidente à indústria brasileira de Defesa
A cada ano, devido à Amazônia e ao Pré-sal, entre outras razões, cresce a
importância de a Nação aumentar – como acontece na Europa com complexos
industriais militares como a EADS, a Navantia e a Finmecannica - a
participação direta do Estado na indústria brasileira de defesa, e o
grau de conteúdo nacional nas encomendas que estão sendo contratadas
junto a empresas estrangeiras.
Não se pode admitir - como ocorre com a projetada fabricação de 2.000
blindados ligeiros Guarani no município mineiro de Sete Lagoas, pela
IVECO - que apenas 60% das peças utilizadas sejam fabricadas no Brasil.
Em caso de conflito, ou mera ameaça de confronto, entre o Brasil e
qualquer país da OTAN (Europa e Estados Unidos) a produção desses
tanques seria descontinuada, e não teríamos como substituir o material
perdido em combate. É de se recordar o exemplo da Argentina, que ficou
literalmente a ver navios – nesse, caso, britânicos – na guerra das
Malvinas.
Por outro lado, há um verdadeiro cerco dos países geopoliticamente
identificados como ocidentais à indústria bélica brasileira. Todas as
empresas que desenvolveram tecnologia militar nos últimos anos tiveram o
seu controle adquirido por grupos internacionais recentemente.
Com isso, essas multinacionais se apossaram do conhecimento desenvolvido
por técnicos e engenheiros brasileiros, e agora podem decidir a seu
bel-prazer, seguindo a orientação estratégica dos governos de seus
países de origem, até que limite essas empresas que antes pertenciam a
empresários nacionais poderão chegar, no desenvolvimento de novas
tecnologias bélicas.
A Aeroeletrônica, empresa brasileira que há mais de duas décadas se
dedica ao projeto, desenvolvimento, fabricação, manutenção e suporte
logístico de produtos eletrônicos para veículos aéreos, marítimos e
terrestres, e que forneceu sistemas de aviônica para o Tucano 27 e o
Super Tucano, da Embraer, e para o caça ítalo-brasileiro AMX, foi
adquirida, em 2001, pela ELBIT, empresa israelense criada, em 1967, sob o
estímulo do Ministério da Defesa de Israel.
A ARES Aeroespacial e Defesa, que estava desenvolvendo a REMAX - estação
de arma estabilizada servo-controlada, para metralhadoras, destinada a
equipar os blindados Guarani dos quais falamos - e outros produtos, como
colimadores, indicadores visuais de rampa de aproximação, sistemas
óticos de pontaria para tiro indireto de morteiros, sistemas de
lançamento de torpedos, e foguetes de chaff, para defesa de navios -
também teve o seu controle adquirido pela ELBIT, no final de 2010, e foi
rebatizada como AEL Sistemas.
Com isso, o REMAX, desenvolvido inicialmente por técnicos do CTEX, foi
substituído pelo “UT30BR”, e o contrato para o equipamento dos blindados
Guarani com essas torretas automatizadas de armamento, no valor de mais
de 400 milhões de reais, foi repassado para os israelenses.
Apenas três meses depois, em janeiro de 2011, Israel dava mais um passo
na sua estratégia de penetração na indústria bélica brasileira, com a
compra da Periscópio Equipamentos Optrônicos S.A, especializada na área
de defesa e sinalização aeroportuária.
O que causa revolta no observador mais atento, é o fato de que o retorno
do baixo investimento feito por multinacionais estrangeiras para a
compra dessas empresas, da ordem de algumas dezenas de milhões de reais,
é líquido e certo.
O lucro, várias vezes maior do que os investimentos, está assegurado por
encomendas já contratadas, pela Marinha, o Exército e a Força Aérea. Em
muitos casos, nossas forças armadas já desenvolviam sistemas em
parceria com as empresas que estão sendo desnacionalizadas quando elas
ainda estavam sob controle local.
Empurrada pelas aquisições, a estratégia israelense no Brasil está indo
de vento em popa. Em março de 2011, a AEL, controlada pela ELBIT, criou
junto com a EMBRAER uma nova empresa, a HARPIA, para a fabricação de
VANTS, veículos aéreos não tripulados para vigilância e ataque, do tipo
utilizado pelos israelenses nos territórios palestinos e pelos
norte-americanos no Paquistão e no Afeganistão.
Outra empresa israelense, a IAL – Israel Aircraft Industries, fabricante
do míssil Rafael, fornece os aviões-robôs do mesmo tipo para o sistema
de vigilância de fronteiras da Polícia Federal. Esses veículos
telecomandados poderiam estar sendo desenvolvidos no Brasil, onde já
existem empresas incipientes formadas por universitários para atuar
nesse segmento da tecnologia aérea.
Assim, seja na área de blindados, na de aviônica, de optoeletrônica,
como é o caso de periscópios, ou de aviões robóticos não tripulados, os
israelenses – e, por meio deles, também seus aliados norte-americanos -
podem monitorar, confortavelmente, da mesa de diretoria dessas empresas,
cada passo que o Brasil dê nessas áreas.
Radares e helicópteros, e, agora, submarinos, são o campo de caça dos
franceses, que completaram, em setembro de 2011, com o Grupo Thales, a
aquisição, iniciada em 2006, de 100% do controle da brasileira OMNISYS,
empresa especializada no desenvolvimento e fabricação de radares de
longo alcance, sediada em São José dos Campos.
Em alguns casos a fabricação de armamentos é feita – sem subterfúgios ou
hipocrisia – por empresas diretamente controladas por governos
estrangeiros. Esse é o caso da DNCS, Direction des Constructions
Navales, – que tem 75% de suas ações nas mãos do governo francês. Ela se
“associou” à Odebrecht, para construir, em Itajaí, no Rio de Janeiro,
quatro submarinos da classe Scorpéne, e mais o casco do futuro submarino
nuclear brasileiro – encomendados pela bagatela de 7 bilhões de
dólares.
O mais perto que já cheguei de um submersível foi quando li 20.000
léguas submarinas, de Júlio Verne. Mas, como disse Arquimedes,
referindo-se à alavanca, “dêem-me um ponto de apoio e moverei o céu e a
terra”, se derem a qualquer governo de um país com um mínimo de
planejamento, 7 bilhões de dólares, ele certamente construirá bela
fábrica de submarinos, desde que haja tempo para contratar as pessoas
certas - aqui e no estrangeiro - e adquirir os componentes adequados,
sem precisar dividir o controle desse ativo estratégico com ninguém.
Com uma parcela desse dinheiro, o Brasil poderia montar uma completa
universidade naval, formando centenas de engenheiros especialistas na
construção de belonaves, entre elas, submarinos, por ano, no lugar dos
26 brasileiros que passaram alguns meses na França, em uma escola de
submergíveis, por conta do acordo. Por aí se pode ver que os
especialistas brasileiros formados no âmbito desse contrato milionário -
negociado pelo então Ministro da Defesa Nelson Jobim - cabem todos em
um micro-ônibus. Rezemos para que não aconteça um acidente.
Considerando-se, obviamente, que o Brasil ficou anos sem investir um
centavo em armamentos, e que teve a sua indústria bélica desmantelada
durante a tragédia neoliberal dos anos 1990, devido á ojeriza a qualquer
coisa que se aproximasse de uma política industrial decente,
compreende-se que o governo Lula esteve, nessa área, motivado por boas
intenções.
Ocorre que a pressa não justifica a adoção de certo tipo de acordos, por
parte do Brasil, principalmente quando se sabe que alguns contratos,
como os assinados com os franceses, na área dos submarinos, ou com os
italianos da IVECO, para a fabricação de blindados – com projeto do
Exército Brasileiro - têm uma duração de 20 anos.
A Helibras, única fábrica latino-americana de helicópteros, é
controlada, em mais de 75%, pela Eurocopter francesa, que por sua vez,
pertence em 100% à EADS, com 15% das ações pertencentes ao governo
francês. A EADS é um consórcio europeu, que conta com a participação,
direta e indireta de outros governos, como o alemão e o espanhol.
Como muitos grupos de defesa multinacionais que funcionam no Brasil, a
Helibras tem sido também irrigada com milionários contratos pelas Forças
Armadas. É o caso da encomenda de 50 helicópteros pesados, destinados
ás três forças, apesar do conteúdo nacional desses produtos ser mínimo e
a da maior parte dos lucros seguir todos os anos para a Europa,
infelizmente.
É fácil ver que o avanço dos franceses – assim como o dos outros países
geopoliticamente classificados como “ocidentais” - sobre a indústria de
nacional de armamento é um processo duradouro, organizado e persistente.
No dia 12 de junho de 2012, há menos de dois meses, portanto, a OPTOVAC
Mecânica e Optoeletrônica Ltda, especializada em equipamentos de
optrônica e visão noturna, e parte de um seleto grupo de pequenas e
médias empresas inovadoras, assim classificadas pelo Ministério da
Defesa, foi também comprada – sem qualquer oposição - pela SAGEN
francesa, do grupo SAFRAN, controlado em mais de 30% pelo governo
daquele país.
Os ingleses, naturalmente, também não poderiam ficar de fora do processo
da tomada de controle de nossas empresas de defesa e das encomendas do
governo. A British Aeroespace, ou BAE Systems, acaba de fornecer três
navios de patrulha oceânica para a Marinha, por quase 400 milhões de
reais, em uma compra de “oportunidade”. As naves estavam antes
destinadas a Trinidad-Tobago.No final de 2011, essa empresa também
assinou contrato – depois do necessário nihil obstat do governo
norte-americano – para modernizar um primeiro lote de 150 veículos
blindados sobre lagartas M-113, utilizados em transporte de tropas,
avaliados em 43 milhões de dólares. O valor pode aumentar
proporcionalmente, caso o processo se estenda para toda a frota
brasileira desse tipo de veículos, que chega a 350 blindados.
Na área aeroespacial, a BAE inglesa foi selecionada para fornecer os
sistemas de controle eletrônico de voo do novo jato militar de
transporte KC-390 da EMBRAER, e agora, como informam meios
especializados, busca “parcerias estratégicas”, para participar das
licitações do Sisfron - Sistema Integrado de Fronteiras e do Sisgaaz -
Sistema de Monitoramento da Amazônia Azul, avaliados em 15 bilhões de
dólares.
Poderíamos falar aqui também dos planos e manobras da Finmeccanica,
italiana, ou da Navantia, espanhola, no Brasil, ambas com participação
acionária de seus respectivos governos.
É preferível, no entanto, lembrar a diferença entre o tratamento que
damos aos grupos estrangeiros de defesa – aqui representados, ás vezes,
por pessoal da reserva de nossas forças armadas que já serviu no
exterior - e aquele que recebem as nossas empresas quando tentam
penetrar no mercado de algum país do hemisfério norte.
Nos países ditos capitalistas e de suposto “livre mercado”, a compra de
armamentos, e a propriedade empresas fabricantes de material bélico
costumam ser tratados como assuntos estratégicos e de segurança
nacional.
Na Europa, para comprar um projétil que seja, procura-se, primeiro, uma
empresa local, depois, se a encomenda tiver de ser feita a uma empresa
estrangeira, por uma questão de preço ou de escala, busca-se alguma que
tenha participação acionária de algum grupo do país comprador, ou, em
último caso, uma empresa que pertença a um dos enormes complexos
militares controlados diretamente por governos europeus, como é o caso
da EADS.
Os Estados Unidos são ainda mais curtos – e grossos – nesse aspecto.
Para vender qualquer arma ao governo dos Estados Unidos ou às suas
Forças Armadas, a empresa estrangeira terá que estar instalada nos
Estados Unidos, onde obrigatoriamente deverá produzir a encomenda, e
estar associada minoritariamente a uma empresa diretamente controlada
por capitais norte-americanos.
Devido a essa postura – que deveríamos estar praticando aqui há muito
tempo, se mais não fosse por uma questão de isonomia – a mera hipótese
da entrada de uma empresa brasileira de tecnologia de defesa naquele
mercado, como fornecedora das Forças Armadas norte-americanas, mesmo que
cumprindo rigorosamente todos os requisitos a que nos referimos – acaba
se transformando em uma questão nacional.
Foi o que descobriram os executivos da EMBRAER no ano passado quando,
depois de se associar a uma parceira norte-americana, a Sierra Nevada
Corporation, venceram uma licitação de menos de 400 milhões de dólares,
para o fornecimento de 20 aviões ligeiros Super-Tucano para uso no
Afeganistão e a concorrência foi anulada.
Uma campanha movida em todo o país, com o apoio de congressistas
republicanos. pela Hawker Beechcraft, que tinha tido seu avião
desclassificado por problemas técnicos na licitação, levou a Força Aérea
norte-americana a anular a concorrência que beneficiava a Embraer.
Isso, apesar de que a fabricação do avião seria feita em território
norte-americano e a maior parte das peças das aeronaves serem produzidas
pelos Estados Unidos ou pelos seus parceiros do NAFTA.
Podemos imaginar o que não ocorreria no Brasil – e o escândalo que não
fariam certos veículos de comunicação – caso viesse a ocorrer o mesmo
por aqui, e um contrato de fornecimento de armamento norte-americano
para nossas forças armadas fosse bloqueado no Congresso, devido ao
pedido de uma empresa concorrente de capital 100% nacional.
A estratégia dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, com relação ao Brasil, está cada vez mais clara:
- impedir o desenvolvimento de tecnologia nacional própria, com a compra de qualquer empresa que procurar desenvolvê-la;
- associar-se à empresa que não se puder comprar, oferecendo cooperação
no desenvolvimento da tecnologia, com o intuito aparente de ajudar o
país a queimar etapas, mas, na verdade, para impedir que qualquer avanço
se faça à sua revelia, sem a sua vigilância ou participação.
- impedir que o dinheiro gasto com o reaparelhamento das Forças Armadas
chegue às mãos de empresas sob controle nacional, e que esse dinheiro
não seja investido para avanços de caráter tecnológico que coloquem em
risco a hegemonia de suas empresas no mercado brasileiro e no exterior.
- cooptar, com associações ou contratos de representação e de “lobby”,
pessoal da reserva das forças armadas, principalmente ex-adidos
militares brasileiros no exterior, para vender, como uma coisa
ideologicamente natural, a associação do Brasil com empresas ocidentais
para a produção de armamento, de forma a impedir que a Nação recorra a
outras opções.
- impedir a reunião, coordenada, de pequenas empresas brasileiras de
grande potencial tecnológico, em grandes consórcios industriais
militares de inspiração ou controle público, como os que existem no
Ocidente, como a Lockheed Martin, ou a própria EADS.
- Diminuir, via participação na maioria dos contratos, a realização de
parcerias entre empresas brasileiras de defesa de qualquer porte e
empresas não ocidentais, como as existentes nos países BRICS, e, se não
puder impedir a cooperação entre uma empresa brasileira de defesa e uma
congênere do BRICS, estar presente acionariamente ou como participante
do projeto, do lado brasileiro, para “controlar” essa aproximação.
- estabelecer, coordenadamente, via supervisão dos métodos de produção e
administração e baixos índices de conteúdo nacional, um alto grau de
dependência da indústria nacional de defesa com relação aos seus
“parceiros” e controladores ocidentais, tornando-se capaz de paralisar
as linhas de montagem de seus armamentos em nosso país, em caso de
conflito, ou de potencial conflito, entre o Brasil e esses países.
Ao enfrentar uma situação absurda e desastrosa, com a criminosa
aprovação, no Governo Fernando Henrique Cardoso de emenda constitucional
que transformou, para todos os efeitos, em “brasileira” qualquer
empresa instalada no Brasil - mesmo que controlada por capitais públicos
ou privados estrangeiros – a Presidente Dilma tem tentado fazer o que
pode, na área de defesa, embora não tenha conseguido impedir que o
processo de desnacionalização tenha chegado ao ponto que chegou.
Temos uma legislação perversa, que faz com que o País, do ponto de vista
da defesa do capital nacional, tenha que subir ao ringue com as duas
mãos atadas. Somos obrigados a concorrer com empresas que contam com
descarado apoio – direto e indireto – dos governos de seus países de
origem.
As agências “reguladoras” nacionais, incluindo o CADE, não fazem nenhuma
distinção entre empresas de capital nacional ou estrangeiro, até mesmo
quando grandes grupos autenticamente nacionais tentam se expandir, via
aquisições, no mercado internacional.
E, além disso, o Brasil precisa ainda enfrentar a oposição de seus inimigos internos.
Nesse sentido, a pior herança que nos deixaram os anos 1990, foi toda
uma geração de presumidos formadores de opinião que insistem em ser mais
realistas que o rei, e mais neoliberais do que os executivos de Wall
Street, na defesa do entreguismo e da capitulação da Nação.
E isso em um mundo em que os países que mais intervêm na economia são
justamente os que mais crescem, como é o caso da China, e em que os
países mais poderosos são justamente os mais nacionalistas, como é o
caso da própria China, dos Estados Unidos, da Alemanha e do Japão.
É nesse Brasil absurdo que alguns industriais defendem a elite
paraguaia, que só nos manda armas e drogas e o mais maciço e rasteiro
contrabando. É essa mesma gente que insiste que estreitar a “parceria”
com os Estados Unidos - com quem temos mais de 5 bilhões de dólares de
prejuízo no comércio exterior - enquanto ataca duramente a entrada da
Venezuela - que nos compra quase 5 bilhões de dólares em alimentos e
manufaturados com um superávit brasileiro de mais de 3 bilhões e 200
milhões de dólares - no Mercosul.
E o pior é que ninguém pergunta aos milhares de trabalhadores,
empreendedores, pecuaristas, agricultores e empresários brasileiros que
produziram e venderam esses 7 bilhões de reais aos venezuelanos em 2011 o
que eles pensam sobre o assunto.
Voltando à questão do cerco ocidental à indústria bélica, a entrada do
BNDES no capital da AVIBRAS, no final do governo Lula, ao permitir que
essa empresa honrasse a entrega de importante pedido ao Governo da
Malásia, e a encomenda de um sistema ASTROS 2020 para os fuzileiros
navais, apontam para a direção correta.
A criação da AMAZUL – Amazônia Azul Tecnologias e Defesa, aprovada por
uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados no dia 30 de maio, para
cuidar da produção do propulsor nuclear que irá equipar o futuro
submarino nuclear brasileiro, também foi um passo fundamental para a
independência do Brasil na área de defesa. Isso, embora já se organize a
resistência de conhecidos grupos a fim de sabotar a empresa.
A AMAZUL, uma estatal, que não poderá ser vendida a nenhum grupo
estrangeiro, poderá representar – se houver decisão política nesse
sentido por parte do governo – um divisor de águas na política
brasileira de defesa.
Ela poderá ser – e o Brasil precisa disso - a primeira de grandes
empresas cem por cento nacionais, destinadas à produção de armamento. E
se transformar no embrião de um grande estaleiro estatal, acoplado a uma
importante escola de engenharia naval, para a Marinha, além de
constituir exemplo para a criação de uma empresa desse porte também para
a força terrestre.
Com complexos industriais desse nível, o Brasil estaria pronto para
estabelecer parcerias com as grandes empresas estatais dos países BRICS,
para desenvolver, ainda nas próximas décadas, toda uma nova geração de
armamentos.
A cooperação de empresas brasileiras como a que está em curso entre a
Mectron e a DENEL sul-africana para a construção de um míssil A-Darter
pode quebrar um pouco da antipatia que ainda existe com relação à
cooperação com a Rússia, a Índia e a China, os outros BRICS, no
desenvolvimento de material de defesa.
Não se trata de recusar a tecnologia ocidental, mas sim de impedir que
se tome de assalto o nosso sistema de produção de armamentos. Além
disso, a subordinação do Brasil às empresas norte-americanas, européias e
israelenses nos fechará o mercado de boa parte do mundo – como os
próprios países árabes – que não são simpáticos a Israel ou aos Estados
Unidos. Ou os próprios BRICS, com quem teremos que cooperar, caso não
queiramos colocar os nossos ovos – ou nossas empresas de armamento – em
uma só cesta.
Não podemos correr o risco de ficar desarmados e inermes frente a
eventuais inimigos, por cooperar só com um lado do mundo, e com empresas
que estão todas, política e corporativamente, ligadas entre si, até do
ponto de vista acionário.
O Governo Federal está preparando novas medidas para a área bélica, que
incluem maiores incentivos fiscais e de crédito para empresas que
estejam baixo controle teoricamente brasileiro.
Com a aprovação, em, março, da Lei 12.958, grupos que atuam na área de
infraestrutura e construção civil, como a Odebrecht (já associada à
EADS), OAS, Engevix,Queiroz Galvão, Camargo Correa e Synergy, além da
própria Embraer, terão vantagens tributárias e condições especiais de
crédito para participar de licitações na área de defesa.
O problema é que todos esses grupos estão negociando a participação de
empresas estrangeiras, todas dos Estados Unidos ou da Europa, na
composição dessas novas empresas, em troca de “tecnologia”.
Estamos partindo do pressuposto de que a única maneira de ter acesso a
tecnologia na indústria bélica mundial é se associar a um parceiro mais
forte, e, ainda por cima estrangeiro.
Essa é uma premissa absolutamente falsa, para não usar palavra mais
forte. Com dinheiro e decisão política, qualquer um vai atrás da
tecnologia, pesquisa planos, copia projetos, contrata especialistas,
entre os milhares de engenheiros e cientistas estrangeiros que estão
desempregados por causa da crise na Europa e nos Estados Unidos.
Ou associa-se, em igualdade de condições, com países que desenvolveram
de forma autônoma a sua própria indústria de defesa, como a China e a
Rússia, sem depender de associações desse tipo com os países ocidentais.
No entanto, no lugar de aproveitar a janela de oportunidade aberta pela
crise para nos apropriarmos de pessoal especializado e da tecnologia que
está disponível lá fora sem abrirmos mão de controlar, sozinhos, uma
área que é estratégica para o país, o que estamos fazendo, e com
financiamento público e benefícios fiscais?
Aprofundando a nossa dependência do Ocidente, a longo prazo, e, como já
acontece nas telecomunicações, por exemplo, usando o dinheiro do BNDES
para a expansão e o fortalecimento de em território nacional de empresas
estrangeiras – “associadas” ou não a grupos nacionais – que em última
instância não tem, e nunca terão, o menor compromisso estratégico com o
Brasil.
Como lembra a fábula de Jean de La Fontaine, - ou a “joint venture” do
porco com a galinha para vender ovos com bacon - não existe pacto
possível entre lobos e cordeiros. Em uma associação de uma construtora
brasileira e um grande grupo multinacional de defesa, com eventual
participação estatal, ou “golden share”, do governo de seu país de
origem, não seremos nós os lobos, e eles os cordeiros.
Essas “joint ventures”, se vierem a acontecer, para o fornecimento, sem
garantia de 100% de conteúdo nacional e de 100% de controle brasileiro,
de armamentos que levam décadas para ser desenvolvidos e produzidos,
equivalerão à entrega e capitulação de nossa indústria bélica, agora e
no futuro, à Europa e aos Estados Unidos, e o Governo Dilma Roussef, por
pressão, pressa ou ingenuidade, será responsabilizado perante a
história se prosseguir nesse caminho.
Crédito e condições fiscais especiais devem ser entregues apenas a
empresas que tenham 100% de capital nacional, com claúsulas que
assegurem, se necessário, a intervenção soberana do Governo e impeçam a
sua venda, como já aconteceu no passado e continua acontecendo agora, a
capitais estrangeiros.
Tecnologia compra-se lá fora, quando existe dinheiro, sem ser preciso
entregar uma única ação aos concorrentes. Além disso, a presença de
empresas da Europa e dos Estados Unidos na composição acionária das
futuras “superbélicas” “nacionais” irá impedir que essas empresas possam
comprar tecnologia dos nossos parceiros nos BRICS, como a Rússia, a
China e a Índia, caso não haja interesse de países como a França ou a
Itália em fornecê-la.
É preciso romper o cerco ocidental à indústria brasileira de defesa.
Estamos assinando acordos que equivalem a entregar a alma ao diabo, sem
nenhuma garantia de que não iremos depender de peças ou de decisões
estrangeiras para a fabricação das armas que teriam que nos proteger no
futuro.
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