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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, novembro 10, 2012

A caça aos passaportes e o macartismo à brasileira

 

Por: Saul Leblon, no Carta Maior 
O ministro Joaquim Barbosa determinou aos 25 réus condenados no processo do chamado “mensalão” que entreguem seus passaportes no prazo de 24 horas - além de inclui-los na lista de “procurados” da PF. A alegada medida “cautelar” está prevista em lei para determinados casos, como informou Carta Maior em reportagem de Najla Passos.
Neste, porém, a decisão vem contaminada de um ingrediente que orientou todo o julgamento da Ação Penal 470 e lubrificou a parceria desfrutável entre a toga e a mídia.
Trata-se da afronta ao princípio básico da presunção da inocência, esquartejado em nome de uma panaceia complacente denominada “domínio do fato”. Ou, “o que eu acho que aconteceu doravante será a lei”.
A caça aos passaportes sem que se tenha esboçado qualquer disposição de fuga (apenas um dos 25 réus ausentou-se do país antes do seu julgamento e, ao contrário, retornou a ele antes de ser condenado) adiciona a essa espiral um acicate político.
Trata-se de uma aguilhoada nos réus que formam o núcleo dirigente do PT, com o objetivo explícito de joga-los contra a opinião pública, justamente por manifestarem críticas à natureza do processo.
A represália é admitida explicitamente. Segundo o relator Joaquim Barbosa, os réus estariam “afrontando” a corte ao questionar suas decisões.
O revide inusitado vem adicionar mais uma demão à fosforescente tintura política de um processo, desde o seu início ordenado por heterodoxias sublinhadas pelo revisor Ricardo Lewandowski.
O propósito de provocar a execração pública com a caça aos passaportes e a inclusão provocativa na lista de “procurados” da PF, remete a um método que se notabilizou em um dos mais sombrios episódios da democracia norte-americana: o macartismo.
O movimento da caça aos comunistas no EUA, nos anos 50, embebia-se de um contexto de violência gerado pela guerra fria, mas aperfeiçoaria suas próprias turquesas nessa habilidade manipuladora.
O senador republicano Joseph Raymond McCarthy, seu líder, tornou-se um virtuose na arte letal de condenar suspeitos à revelia das provas, liderando uma habilidosa engrenagem de manipulação da opinião pública, coagida pelo medo a aplaudir linchamentos antes de se informar.
Joseph McCarthy teve uma vida cheia de dificuldades até se tornar a grande vedete da mídia conservadora, cujo endosso foi decisivo para se tornar a estrela mais reluzente da Guerra Fria. Sem a mídia, seus excessos e ilegalidades não teriam atingido um ponto de convulsão coletiva, forte o suficiente para promover a baldeação do pânico em endosso à epidemia de delatar, perseguir, acuar e condenar - independente das provas -, muitas vezes contra elas.
McCarthy nasceu no estado do Wisconsin, no seio de uma família muito pobre da área rural. Estudou num estábulo improvisado em sala de aula. Sua infância incluiu o trabalho braçal em granjas. Quando pode, mudou-se para a cidade, fazendo bicos de toda sorte para sobreviver. No ambiente de salve-se quem puder produzido pelo colapso de 29, era um desesperado nadando sozinho para não se afogar no desespero da Nação. Nadando sem parar recuperou o tempo perdido em um curso de madureza que lhe adiantou quatro anos em um. Tornou-se advogado em 1936. Três anos depois, nadando sempre para não submergir, foi aprovado em um concurso como juiz; ingressou no Partido Republicano que o conduziria ao Senado, em 1946.
À trajetória aplicada e disciplinada veio somar-se então o oportunismo de alguém determinado a não regredir jamais à condição de origem. Aproveitando-se das relações partidárias, Joseph McCarthy aproximou-se de Herbert Hoover, chefe do FBI, pegando carona na causa anti-comunista que identificou como uma oportunidade em ascensão.
O resto é sabido.
Em dueto carnal com a mídia extremista, passou a liderar o Comitê de Atividades Anti-Americanas no Congresso. Desse promontório incontestável no ambiente polarizado dos anos 50, acionou sem parar a guilhotina anti-comunista. Tornou-se um simulacro de Robespierre da ordem capitalista ameaçada pelo urso vermelho. Pelo menos era assim que vendia seu peixe exclamativo listando suspeitos – e “atitudes suspeitas” - em todas as esferas do governo e do próprio estamento militar.
O arsenal do terror vasculhava cada centímetro da sociedade. Mas foi sobretudo no meio artístico e intelectual que o garrote vil implantou a asfixia das suspeição generalizada, em cujo caldeirão fervia o ácido corrosivo das perseguições e da coação insuportável, não raro motivadora de episódios deprimentes de delação.
Chaplin, Brecht, Humphrey Bogart foram algumas das vítimas da voragem macartista. As provas eram um adereço secundário no espetáculo em que se locupletavam jornais e oportunistas de toda sorte. Nem era necessário levar os suspeitos aos tribunais. O método da saturação combinava denúncias com a execração pública automática. Num ambiente de suspeição generalizada o efeito era eficaz e destrutivo.
Raras vozes erguiam-se em defesa dos perseguidos. O risco era se tornar a próxima vítima no redil da suspeição. A condenação antecipada encarcerava os denunciados numa lista negra que conduzia à prisão moral feita de alijamento social, político e profissional. Frequentemente levava a um isolamento pior que o das penitenciárias. A destruição da identidade equivale a morte em vida. Alguns preferiram o suicídio ao destino zumbi.
McCarthy morreria em maio de 1958, desmoralizado por um jornalista conservador, mas sofisticado e corajoso, que resolveu afrontar seus métodos e arguir casos concretos de arbitrariedade.
Edward Murrow, cujo embate com McCarthy inspirou o filme “Boa Noite e Boa Sorte”, tinha um programa na internet de então, a TV em fraldas. No seu See it now, ele colhia provas de casos concretos de injustiça e esgrimia argumentos sólidos contra o denuncismo leviano. Não recuou ao ser colocado na lista negra e trincou a reputação do caçador de comunistas a ponto de levá-lo a ser admoestado pelo Senado.
Em um confronto decisivo, Murrow emparedou o consenso circular em torno de McCarthy com uma frase: “Se todos aqueles que se opõem ao senhor ou criticam seus métodos são comunistas (como McCarthy acusava) - e se isso for verdade - então, senador McCarthy, este país está coalhado de comunistas!”
O Brasil não é os EUA da guerra fria, nem está submetido a comandos de caça aos comunistas, como já esteve, sob a ditadura militar, contra a qual alguns dos principais réus da Ação Penal 470 lutaram com risco de vida.
Certa sofreguidão condenatória, porém, ecoada de instâncias e autoridades que deveriam primar pela isenção e o apego às provas e, sobretudo, as sinergias entre a lógica da execração pública e o dispositivo midiático conservador - que populariza o excesso como virtude na busca de um terceiro turno redentor para derrotas eleitorais sucessivas - bafejam ares de um macartismo à brasileira nos dias que correm.
Foi o que advertiu, com argúcia, o jornalista, professor e escritor Bernardo Kucinski, autor do premiado “K”, obra em que narra a angustiante romaria de um pai em busca da filha nos labirintos da ditadura militar brasileira.
Nas palavras de Bernardo Kucinski: “Estamos assistindo ao surgimento de um macartismo à brasileira. A Ação Penal 470 transformou-se em um julgamento político contra o PT. O que se acusa como crime são as mesmas práticas reputadas apenas como ilícito eleitoral quando se trata do PSDB, que desfruta de todos os atenuantes daí decorrentes. É indecoroso. São absolutamente idênticas. Só as distingue o tratamento político diferenciado do STF, que alimenta assim a espiral macartista. O mesmo viés se insinua com relação à mídia progressista. A publicidade federal quando dirigida a ela é catalogada pelo macartismo brasileiro como suspeita e ilegítima. Dá-se a isso ares de grave denúncia. Quando é destinada à mídia conservadora , trata-se como norma.
O governo erra ao se render a esse ardil. Deveria, ao contrário, definir políticas explícitas de apoio e incentivo aos veículos que ampliam a pluralidade de visões da sociedade brasileira sobre ela mesma. Sufocar economicamente e segregar politicamente a imprensa alternativa é abrir espaço ao macartismo à brasileira”.

 

Dirceu diz que retenção de passaportes é “populismo jurídico” de Barbosa

Procurador-geral da República afirma que vai reiterar pedido de prisão imediata dos réus condenados no julgamento do mensalão
Por: Maurício Thuswohl, no Rede Brasil Atual 
jose-dirceuA decisão tomada pelo relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, de determinar o recolhimento e a retenção dos passaportes de todos os réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Penal 470 foi duramente criticada ontem (8) pelo ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, em seu blog na internet. Condenado pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha, Dirceu afirmou que a decisão de Barbosa “é puro populismo jurídico e uma séria violação aos direitos dos réus ainda não condenados, uma vez que o julgamento não acabou e a sentença não transitou em julgado”.
Dirceu lembra que cabem recursos ao veredicto dos ministros mesmo após a publicação do acórdão pelo STF: “(A decisão de reter os passaportes) mostra-se também exagerada porque todos os réus estão presentes por meio de seus advogados legalmente constituídos e em nenhum momento obstruíram ou deixaram de atender às exigências legais”, disse o ex-ministro.
Ao justificar sua decisão em despacho enviado aos demais ministros do STF, Barbosa afirmou tratar-se de “medida cautelar não apenas razoável como imperativa, tendo em vista o estágio avançado das deliberações condenatórias”. “Alguns dos acusados vêm adotando comportamento incompatível com a condição de réus condenados. Uns, por terem realizado viagens ao exterior na fase final do julgamento. Outros, por darem a impressão de serem pessoas fora do alcance da lei, a ponto de, em manifesta afronta ao STF, qualificar como política a árdua, séria, imparcial e transparente atividade jurisdicional a que vem se dedicando esta corte”, disse o relator.
Mesmo sem citar nomes em seu despacho, Barbosa aludiu aos réus Henrique Pizzolato e Romeu Queiroz, que viajaram ao exterior durante o julgamento. Já o réu que estaria, segundo o relator, afrontando o STF seria o próprio Dirceu, que em nenhum momento deixou de se manifestar em seu blog e hoje voltou a fazê-lo: “Os argumentos (de Barbosa) cerceiam a liberdade de expressão e são uma tentativa de constranger e censurar, como se os réus não pudessem se defender e, mesmo condenados, continuarem a luta pela revisão de suas sentenças”, escreveu o ex-chefe da Casa Civil.
Sobre suas “afrontas” ao STF, Dirceu afirmou que em nenhum momento desrespeitou a corte: “É importante ressaltar que eu nunca me manifestei sobre o mérito dos votos dos ministros ou sobre a legitimidade e o respeito à corte. Sempre respeitei as decisões do Supremo Tribunal Federal, uma vez que lutei pela nossa democracia, mesmo com risco à minha própria vida”, disse. O ex-ministro, no entanto, reafirmou seu direito a provar sua inocência: “Nada vai me impedir de me defender em todos os foros jurídicos e instituições políticas. Mesmo condenado e apenado, não abro mão de meus direitos e garantias individuais, do direito de me expressar e contraditar o julgamento e minha condenação”, afirmou, antes de dar uma alfinetada direta em Barbosa: “Nenhum ministro encarna o Poder Judiciário. Não estamos no absolutismo real. Nenhum ministro encarna a nação ou o povo. Não estamos numa ditadura”, disse.
Outra decisão que certamente incomodará José Dirceu e os demais réus condenados no julgamento do mensalão foi anunciada hoje pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Durante reunião do Conselho Nacional do Ministério Público, Gurgel afirmou que vai reiterar o pedido – já feito no momento da apresentação da peça de acusação – de prisão imediata dos condenados: “Não é uma questão de necessidade, mas de dar efetividade à decisão de condenação”, disse. 
*OCarcará

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