Em silêncio, Brasil exonerou agente suspeito de passar dados para a CIA
Funcionário da Agência Brasileira de Inteligência foi investigado sob sigilo por ter se encontrado com suposto espião americano em 2012, na mesma época em que a Agência de Segurança Nacional dos EUA espionava membros do alto escalão do governo Dilma
Enquanto a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos
Estados Unidos vigiava alvos do primeiro escalão do governo Dilma
Rousseff, o Brasil investigava e exonerava um agente de seu serviço de
espionagem, suspeito de passar segredos para a Agência Central de
Inteligência (CIA). A ação mostra uma estratégia de vigilância
diferente, mas em linha com a revelada pelo ex-agente Edward Snowden,
que causa escândalo em vários países.
Sob o manto de um posto diplomático na Embaixada dos Estados Unidos
em Brasília, o espião da CIA buscou dados sigilosos sobre a atuação
nacional na Tríplice Fronteira e tentou rastrear informantes do governo
brasileiro na região onde o País faz divisa com a Argentina e o
Paraguai.
A "plotagem" - expressão que na terminologia da arapongagem significa
ser descoberto - do espião americano só ocorreu porque durante a
operação ele cooptou o analista 008997 da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), um alto funcionário do órgão que chefiara a
estratégica subunidade da agência em Foz do Iguaçu, antes de assumir, em
28 de julho de 2011, a superintendência em Manaus.
O caso foi abafado na Abin, sem abertura de um processo
administrativo contra o servidor, para evitar o desgaste. Do lado
americano, que mantinha, naquela ocasião, o Brasil sob radar, conforme
documentos de junho de 2012 divulgados por Snowden, a solução foi
abreviar a missão do espião e mandá-lo para outro posto.
Contraespionagem. Foi a simples movimentação funcional do analista da
Abin que alertou Brasília e desencadeou uma operação de
contraespionagem autorizada pelo diretor-geral Wilson Trezza.
Wilson Trezza |
De Manaus, pelo sistema interno da Abin, 008997 passou a acessar
remotamente documentos protegidos por sigilo do escritório de Foz de
Iguaçu, "que não tinha necessidade de conhecer" e aos quais não poderia
ter mais acesso, segundo relato de diversas fontes da área de
inteligência consultadas pelo Estado nos últimos dois meses.
As provas documentais extraoficiais do comportamento inadequado do
agente brasileiro, uma vez que a Abin não instrui inquéritos, foram
obtidas na primeira semana de agosto de 2012, quando 008997 se encontrou
para jantar com o americano, em Curitiba, no restaurante Barolo
Trattoria.
No jantar, os dois falaram sobre as regiões de fronteira do Brasil,
entre outros temas, e foram captados por agentes "novatos", deslocados
de outras regionais, que se acomodaram ao lado da dupla de espiões.
O agente brasileiro garantiu ao colega americano que não precisava se
preocupar com aquele encontro e outros que viriam porque ele não era
vigiado pela Abin. Eles foram filmados na ocasião.
Apesar da segurança demonstrada na conversa, ambos usaram técnicas de
contrainteligência tanto na chegada quanto na saída da cantina, dando
voltas no quarteirão, fazendo manobras diversionistas.
Durante o jantar, segundo informações obtidas pelo Estado, os dois
marcaram o encontro seguinte para Foz do Iguaçu, dali a um mês, na
primeira semana de setembro. Em Curitiba, ficou combinado que, no
encontro em Foz, o brasileiro apresentaria outra pessoa que poderia
"ajudar" o americano a obter mais informações. A cidade, Curitiba,
escolhida por 008997 para o encontro, foi considerada "perfeita" porque o
filho do brasileiro mora ali e ele teria explicação plausível para a
viagem entre Manaus e Curitiba.
Só que o novo encontro marcado para início de setembro em Foz do
Iguaçu não ocorreu. O brasileiro foi para o local na data e hora
combinada, mas o diplomata americano não apareceu. Mais uma vez, agentes
da Abin desconhecidos do alvo, acompanharam toda a espera pelo contato
americano.
Operação abafa. O desencontro ocorreu porque houve uma súbita e
inesperada remoção do americano. O Itamaraty confirmou ao Estado que o
diplomata deixou o Brasil em 12 de agosto de 2012.
Na avaliação de servidores da Abin entrevistados pelo Estado, os
americanos, de alguma forma, ficaram sabendo que seu agente tinha sido
descoberto e este não poderia mais ficar no país, para evitar problemas
diplomáticos. Depois do ocorrido, a Abin teria mantido contato com o
governo dos Estados Unidos para pedir explicações. O diplomata americano
teria dito que foi procurado pelo analista brasileiro.
Para dar um desfecho menos traumático, apesar de posições em favor da
punição, o agente 008997 foi exonerado e aconselhado a se aposentar, e
assim o fez em 17 de dezembro de 2012.
Acabou assim, embaixo do tapete, um caso de espionagem americano dentro do território brasileiro que não obteve publicidade
Nenhum comentário:
Postar um comentário