Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, outubro 26, 2013

Praça e memorial em homenagem a Vladimir Herzog são inaugurados em SP


São Paulo - Foram inaugurados hoje (25), no centro da capital paulista, uma praça e um memorial em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado durante a ditadura militar. O espaço, localizado atrás da Câmara Municipal, conta com um painel de mosaico feito a partir da obra do gráfico e jornalista Elifas Andreato, que retrata a morte de Herzog, torturado e morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em 25 de outubro de 1975.

"Estamos muito felizes. Este espaço vai lembrar a todo instante a importância desta memória para a gente construir uma sociedade melhor", declarou Ivo Herzog, filho do homenageado. A praça fica na Rua Santo Antônio, atrás do prédio do legislativo municipal. Ele lembrou que foi a partir da morte do pai que teve início uma grande mobilização social contra o regime de exceção da época. "Existe um entendimento de que a democracia começou a ser construída a partir do dia 31 de outubro, do ato ecumênico na Praça da Sé, que completa 38 anos na próxima semana", relatou.

Vlado, como era conhecido, cuidava da edição do telejornal da TV Cultura, quando foi chamado a prestar esclarecimentos no batalhão do Exército. Na época, autoridades militares tentaram forjar o suicídio do jornalista, mas fotos e documentos mostraram que ele foi assassinado. Em março deste ano, a família de Herzog recebeu novo atestado de óbito que aponta como causa da morte lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório no DOI-Codi. A versão anterior apontava asfixia mecânica por enforcamento.

Para o jornalista Audálio Dantas, autor do livro As Duas Guerras de Vlado Herzog, assim como a retificação do atestado, a criação de um memorial em praça pública é mais uma conquista, não só da família e dos amigos, mas da sociedade brasileira. "A vida dele foi breve, mas de alta contribuição para as lutas democráticas no país", declarou. Segundo o escritor, Herzog foi o 22º jornalista assassinado ou desaparecido naquele período. "A sua morte foi o momento em que não se suportou mais e trouxe movimentos cada vez mais fortes", relembrou.

A obra 25 de outubro, de Elifas Andreato, foi reconstruída em mosaico com a participação de crianças atendidas pela organização não governamental Projeto Âncora. Ao mesmo tempo em que elas ajudaram a retratar a história de Herzog em pequenos pedaços de cerâmica, as crianças conheceram a trajetória do jornalista que trouxe mudanças para a vida política do país. "Nós ajudamos a colocar algumas peças e a gente também ficou conhecendo a história dele. Ele foi na verdade torturado. Ele não se suicidou", recontou Ana Carolina Santino, de 9 anos.

O quadro original, pintado em 1979, encontra-se na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo desde 1981. "Esse quadro tornou-se um manifesto que se contrapõe à imagem ridícula, divulgada pela ditadura, do Vlado suicidado com o próprio cinto. Foi essa indignação que me levou a fazer esse registro e acabou virando um documento", disse Andreato, que era amigo de Herzog. Ele contou ainda que a pintura foi produzida para uma exposição que tinha como tema a Guernica Brasileira, em referência ao centenário do pintor Pablo Picasso. "Coincidentemente descobri que Picasso nasceu em 25 de outubro, dia em que mataram o Vlado", observou.

Camila Maciel No Agência Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário