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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, julho 04, 2014

A história de AMOR de Mujica e Lucia

..Os caminhos de Lucía Topolansky e José Mujica, senadora e presidente do Uruguai, respectivamente, se cruzaram em meio à luta pela revolução, nos anos 70. O amor sobreviveu a anos de prisão política e à ditadura militar
Por Victor Farinelli, da Rede LatinAmérica
Primavera de 1973. Ela não se chamava Ana, mas era assim que todos a conheciam. Ana, a guerrilheira, detida em uma prisão militar feminina, construída especialmente para mulheres tupamaras, em algum lugar desconhecido no interior do Uruguai, com uma carta na mão, que era de Emiliano, ou Ulpiano, ou seja lá qual fosse o seu verdadeiro nome.
Em junho daquele ano, o fim do MLN-T (Movimento de Liberação Nacional, também conhecido comoTupamaros), foi um dos episódios que marcou o início da ditadura uruguaia, e levou centenas de jovens revolucionários à prisão, quinze deles como reféns de guerra. Ulpiano era um deles. Se os tupamaros ainda livres voltassem a atuar, ele seria fuzilado.
Um torturador chuta as grades da cela enquanto ri jocosamente e relembra as últimas humilhações, de diferentes tipos, que a fez sofrer. Ana continua lendo a carta. Ele insiste:
- Você é a nossa preferida, bebê. Vai ficar aqui por milhares de anos.
A raiva a faz apertar o papel em suas mãos até quase rasgá-lo:
- Olha, daqui a doze anos eu vou sair daqui e viver a minha vida. Você viverá com o fantasma dessas perversões, atormentando até o dia da sua morte.
Enquanto ele aumentava o volume das gargalhadas, Ana buscava algo onde escrever uma resposta. Precisava contar sua verdade, que seu nome não era Ana, que era filha de uma família de classe média de Pocitos, bairro nobre de Montevidéu. Tinha uma irmã gêmea, tinha uma família enorme, sofria pelas saudades e pelo medo, mas não medo da morte, era o único medo que não tinha, pois lhe bastava a certeza de sair dali e para se encontrar com ele.
Dias depois, seu advogado lhe forneceu papel, caneta e a grande coincidência de suas vidas. Ele era casado com a advogada de Ulpiano. Os dois nada podiam fazer pelos dois guerrilheiros. Livrá-los da prisão em meio a uma ditadura era impensável. Mas puderam ser um casal de carteiros, trabalhando por um amor que lutava para sobreviver.
Dois prisioneiros vivendo um típico amor tupamaro. O MLN surgiu em meados dos Anos 60, fundado por um grupo de estudantes socialistas que queriam fazer a revolução no Uruguai. Diferente das guerrilhas urbanas de outros países, os tupamaros começaram a atuar antes de instalada a ditadura. A vida na clandestinidade impedia que houvesse relações fora da organização e saber o verdadeiro nome da pessoa amada. O amor deles nasceu quando ela se chamava Ana e ele Ulpiano, e não importava a verdade.
Amor que nasceu com um passo para fora da prisão. Ela, uma estudante de arquitetura com talento para afalsificação de documentos, lhe fazia uma identidade falsa, e assim se conheceram. Ana tinha um namorado que também era do MLN, se chamava Blanco Katrás, que meses depois seria capturado junto com ela. Ana só passou alguns meses na cadeia, mas Blanco seria executado pela polícia uruguaia. “Não era o primeiro namorado que eu perdia naquelas condições, e naquela altura, já tinha visto muitos outros companheiros morrerem. Não há tempo pra sentir pena quando você precisa salvar a própria pele”, pensava Ana, libertada em 1972, antes de encontrar refúgio no mesmo porão em que estava escondido Ulpiano – na época, um dos homens mais procurados do país.
A caça aos tupamaros no Uruguai passou a ser mais intensa nos Anos 70, com a ajuda dos Estados Unidos. Os tupamaros sequestraram e assassinaram um agente do FBI, em agosto de 1970 (Dan Mitrione, que anos antes esteve no Brasil, ensinando técnicas de tortura aos militares). Ulpiano era acusado de fazer parte dessa operação – que é narrada pelo filme Estado de Sítio, de Costa Gravas.
Ninguém sabe se foi aí, no ocaso do movimento tupamaro, quando viviam de porão em porão pelos bairros docentro velho de Montevidéu, que começou a história de amor de Ana e Ulpiano. “Eles passaram a andar juntos na época mais dura, quando nem sempre havia um teto. Às vezes, era preciso dormir em pântanos fora do perímetro urbano da cidade. Ninguém sabe se a relação, digamos, física, começou nessa época, mas com certeza o carinho mútuo sim”, relata Henry Engler, um ex-tupamaro, amigo pessoal de Ulpiano.
O pouco que se sabe sobre o começo da relação é que eles se tornaram imprescindíveis um para o outro nesses últimos meses do MLN, antes do fim definitivo da organização, em junho de 1973. Ambos foram presos. Ana foi levada a uma prisão de mulheres. Ulpiano virou refém, ficava numa solitária, sob ameaça de morte se algum ex-companheiro voltasse a atuar.
Tentaram trocar correspondências entre si para sobreviver, com a ajuda dos advogados-carteiros. Ela se confessou, disse que se chamava Lucía, Lucía Topolansky, e que sonhava em sair dali e encontrá-lo. Ele respondeu com sua própria revelação: “meu nome é José Alberto Mujica”.
A carta-desabafo de Pepe Mujica, ex-Ulpiano, era a mais bela carta de amor de todos os tempos, segundo as companheiras de presídio de Lucía – era toda sentimentalona, como todas as coisas do Pepe”, segundo María Elia Topolansky, irmã gêmea de Lucía, também ex-tupamara. Passou por todas as mãos e fez sucesso até entre os carcereiros – “naqueles anos, cada carta que chegava era para todas”, conta Lucía, sobre a falta de ciúmes com o bilhete.
Diz a lenda que a ternura das palavras de Mujica amoleceu as restrições que havia para correspondência entre presos, e assim eles puderam trocar mais cartas que os demais casais tupamaros separados entre prisões.
Essa situação durou exatamente os doze anos que Lucía deu de prazo ao seu torturador, até que seu amor renasceu como na primeira vez, com um passo para fora da prisão. No dia 14 de março de 1985, ela e a irmã gêmea saíram da cadeira e foram para a enorme casa da família – no mesmo dia em que Pepe foi libertado, depois de onze anos na solitária, “conversando com os ratos e agarrado na esperança” segundo ele mesmo. “No dia seguinte, Lucía foi embora, foi morar com o Pepe, e nunca mais voltou”, conta María Elia Topolansky.
Desde então, vivem juntos em uma chácara de um bairro de classe baixa, na periferia de Montevidéu. Começaram criando flores e vendendo no mercado municipal, mas sem esquecer os ideais políticos. Pepe se candidatou e se elegeu deputado em 1995. Em 2000, ele passou a ser senador, e Lucía deputada. Em 2005, ela se elegeu senadora, e nesse mesmo momento, trinta anos depois do começo da relação, vinte anos depois de começarem a viver juntos, decidiram formalizar o matrimônio. Cinco anos antes de Pepe assumir como presidente do Uruguai.
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A melhor forma de mergulhar na história de amor de Pepe Mujica e Lucía Topolansky, e também na história dos Tupamaros, é mergulhar na história dela. Por isso os jornalistas e historiadores uruguaios Nelson Caula e Alberto Silva escreveram o livro Ana, La Guerrillera, que traz detalhes de tudo o que se contou neste tópico e muito mais episódios sobre a criação do MLN, a vida na clandestinidade e a disputa política que levou o Uruguai à sua mais recente ditadura.

Lucía e Pepe, uma história de amor


(Divulgação)



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