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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, outubro 06, 2014

Como a América do Sul enxerga a disputa presidencial no Brasil

Governos da América do Sul dizem preferir a continuidade de Dilma. Veja quais são os interesses dos principais países da região sobre o próximo presidente do Brasil

mujica dilma eleições 2014 presidente
Uruguai, do presidente José Mujica, tem preferência à reeleição de Dilma, garantem analistas (divulgação)
Especial BBC Brasil
A eleição presidencial no Brasil é observada com atenção pelos países vizinhos, e analistas apontam para possíveis mudanças nas relações a partir do resultado das urnas.
Governos da América do Sul têm preferência à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) por não saberem o que esperar dos outros principais candidatos, Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), disseram observadores regionais.
“[O argumento predominante] é que é melhor lidar com quem se conhece do que com o desconhecido”, disse Mariana Pomies, analista política uruguaia e diretora do instituto Cifra, de Montevidéu.
“Dilma é uma figura conhecida, muito respeitada aqui e braço direito de Lula, que é muito conhecido entre os uruguaios. Marina Silva, por exemplo, é para nós um sinal de interrogação”.
Alianças regionais também poderiam sofrer um impacto com a vitória dos rivais de Dilma, segundo analistas. Seria o caso, por exemplo, do Mercosul, bloco que reúne cinco grandes economias da região.
“(Eles poderiam) rever a consistência do Mercosul. Especialmente Aécio, para quem o Mercosul é um bloco anacrônico. Nesse sentido, acho que para a região (uma vitória de Aécio ou Marina) não ajudaria muito”, disse Mariel Fornoni, do instituto Managment&FIT, de Buenos Aires.
Veja quais são os interesses dos principais países da região sobre o próximo presidente do Brasil.

ARGENTINA

Em Buenos Aires, a percepção é a de que, com Dilma, a relação bilateral já é “conhecida”, apesar de muitos analistas acreditarem ser improvável haver grandes alterações na política entre os dois países com a vitória de qualquer outro candidato.
O ex-vice-ministro das Relações Exteriores Andrés Cisneros disse que não acredita em “mudanças bruscas” na relação, já que o Brasil conta com políticas de Estado na sua política externa. “Não acreditamos em mudanças vindas do Brasil de um dia para o outro”, disse.
Nesta semana, o jornal La Nación, de Buenos Aires, publicou que a atual relação entre a Argentina e o Brasil não está em seu melhor momento, afetada pelo menor crescimento econômico dos dois países e a queda acentuada no comércio bilateral.
Segundo o jornal, “a relação dos dois países está afetada, seja quem for o próximo presidente brasileiro. Mas para analistas, o Mercosul perderia ainda mais força se Marina for eleita”.
Para o analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires, “com a relação entre Dilma e Cristina deteriorada pelos conflitos comerciais, nada mudará se a atual presidente vencer a eleição”.
“Mas com uma eventual vitória de Marina, por exemplo, talvez essa relação seja ainda mais difícil”, disse Fraga.

BOLÍVIA

A relação econômica entre o Brasil e a Bolívia está baseada principalmente nas exportações do gás boliviano para o mercado brasileiro.
Este setor inclui a forte presença da Petrobras na Bolívia, como observou o analista Javier Gomez, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário (Cedla, na sigla em espanhol).
“Marina Silva disse que se eleita vai dar transparência à Petrobras e ao BNDES. São dois setores com forte ligação com a Bolívia. E mesmo em um curto período, sua política poderia afetar o curso desta relação bilateral”, disse Gomez, em La Paz.
Para ele, hoje, há “maior previsibilidade” à relação bilateral com Dilma na Presidência. “Hoje a relação entre os dois países não é a ideal, mas já sabemos como é”.

CHILE

Analistas políticos e diplomatas chilenos observaram que a relação política entre Brasil e Chile foi distante durante o governo Dilma, mas que, apesar disso, o Brasil passou a ser o principal destino dos investimentos diretos chilenos no exterior.
“Seja Dilma, Marina ou outro candidato, o principal é que o próximo presidente recupere a relação que no passado foi intensa com o Brasil”, disse o analista internacional e cientista político Ricardo Israel, da Corporação de Universidades Privadas do Chile.
O professor de ciências políticas da Universidade de Valparaíso Guillermo Holzmann disse que a reeleição de Dilma significa “estabilidade” na região e que outro presidente significaria “incerteza”.

PARAGUAI

Assim como na Bolívia, a relação com o Brasil passou a ser “mais intensa” depois que o ex-presidente Lula chegou ao Planalto em 2003, com a maior presença de empresas brasileiras e investimentos em setores como o de infraestrutura ligando a vizinhança ao Brasil.
Na opinião de políticos de diferentes tendências e analistas, o Brasil é o irmão maior e o principal sócio do país, como costumam afirmar.
Mas para o analista Francisco Capli, da consultoria de pesquisas de opinião First Analisis, “a relação atual passa por um momento frio, distante”. E seja qual for o próximo presidente, espera-se uma maior aproximação. Ele observou, porém, que Dilma já é conhecida dos paraguaios.
Tradicionalmente a relação entre os dois países esteve centrada na hidrelétrica de Itaipu e nos chamados ‘brasiguaios’ – brasileiros e seus descendentes que vivem no Paraguai. Mas, nos últimos anos, a presença de empresas brasileiras no país vem chamando atenção. Algo que, de acordo com os especialistas, não se traduz em “maior aproximação politica” com o Brasil.

URUGUAI

O maior conhecimento sobre as políticas e trajetórias de Lula e Dilma é apontado como “fator essencial” para que os uruguaios “votem” na continuidade do PT na Presidência, disse a analista Mariana Pomies, socióloga e diretora do instituto Cifra, de Montevidéu.
“Aqui sabemos muito pouco sobre os outros candidatos. O que gera dúvidas, naturalmente. Dilma é a continuidade. E hoje a relação entre o Uruguai e o Brasil é muito boa”, disse.
Segundo ela, no caso do Uruguai há ainda outro fator que pesa “contra o voto” em Marina: sua figura estar associada à sua religiosidade.
O Uruguai é um país laico desde o início do século 20, quando crucifixos foram retirados de gabinetes, organizações públicas e hospitais, por exemplo, para oficializar a separação da política de Estado da religião.
“Para nós, é impensável saber a opção religiosa de um candidato, de um político. Política é política. Mesmo quando eles vão à missa, por exemplo, é algo muito pessoal”, afirmou.

VENEZUELA

A imprevisibilidade da votação no Brasil coloca em alerta o governo venezuelano, que viu crescer e fortalecer as relações econômicas e políticas com Brasília durante os governos Lula e Dilma.
Com o PT na Presidência, o ex-presidente Hugo Chávez contou com o apoio brasileiro para solucionar as principais crises políticas. Durante os violentos protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro no início do ano, a diplomacia brasileira também teve um papel importante para dirimir a crise.
“Uma (eventual) derrota de Dilma seria um fator adicional de instabilidade internacional para o governo venezuelano porque perderia um apoio regional fundamental”, afirmou o analista político Javier Biardeau, professor de sociologia da Universidade Central da Venezuela.
Outro elemento de preocupação para o chavismo está na continuidade do processo de integração regional no âmbito da Unasul, Celac e Mercosul.
“O Brasil foi fundamental para a integração regional nos últimos anos (do governo) Dilma e ela representa a continuidade desses processos” afirmou o deputado do partido governista PSUV Yul Jabour, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional.
A oposição venezuelana, por sua vez, não esconde seu anseio de ver o PT derrotado. A relação entre o partido e o governo venezuelano é visto pela direção anti-chavista como um elemento de desequilibrio e, em determinados momentos, favorece o projeto bolivariano.
Aécio Neves recebe a maior torcida no interior da aliança opositora MUD, apoio herdado pela proximidade do PSDB aos grupos opositores ao longo do governo Chávez.
O analista internacional Carlos Romero afirma que a maioria dos partidos opositores “desejam” uma aliança com um programa conhecido e com ideais compartilhados, como é o caso do PSDB, à incógnita que representa a candidatura e o projeto de Marina.
“A oposição seria feliz com uma vitória de Neves, porque não está convencida da postura de Marina em relação à Venezuela”, disse Romero.
*PragmatismoPolitico

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