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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, janeiro 18, 2015

Washington vê o crescimento do Pequim, de Moscovo e sabe que aí será jogada a partida mais importante. Mas não há muito tempo à disposição: se Reino Unido, Canadá e Austrália

Porque é preciso apoiar a Rússia

Porque temos que apoiar a Rússia?
Porque sim. Que como resposta pode não ser o máximo mas é sem dúvida a melhor.

Sem ilusões (a Rússia está bem longe de ser perfeita), mas porque sim. Vamos ver qual a razão.
O colapso

Os Estados Unidos não são o império do mal. São a expressão duma elite económica e financeira que utiliza a classe política para manter a sua posição de poder. Para que isso funcione, nesta altura são obrigados a impor a sua visão ao resto do mundo.

Todavia, os EUA entraram numa fase que provavelmente será irreversível (o condicional é obrigatório, não podemos conhecer os futuros desenvolvimentos): a crise de 2007 foi, na verdade, uma lógica consequência cuja origens remontam a alguns anos antes, quando a política deixou de existir enquanto instituição autónoma para entregar-se totalmente ao poder económico-financeiro. Aí começou o colapso, mas os EUA ainda são muito poderosoe podem causar grandes estragos durante a queda

Washington vê o crescimento do Pequim, de Moscovo e sabe que aí será jogada a partida mais importante. Mas não há muito tempo à disposição: se Reino Unido, Canadá e Austrália ainda regem como fieis aliados (os media de Murdock fazem um óptimo trabalho neste aspecto), no resto do mundo as coisas estão diferentes.

A Administração sabe que não pode contar com a Europa Unida, oficialmente aliada, na verdade cada vez mais fragmentada e à beira da dissolução. Além disso, o sentimento anti-EUA cresce e até alguns governos começam a ficar muito desconfortáveis com as decisões de Washington (ver o caso das sanções contra a Rússia). No coração de Nações ocidentais, os líderes empresariais estão quase todos em favor de uma estreita cooperação com a Rússia e contra as medidas de punição.
Países que anteriormente altura tinham aderido à União Europeia com entusiasmo, agora aproximam-se ao lado de Moscovo. É o caso da Hungria (quenunca foi uma grande amiga da Rússia), daBulgária. Mesmo os Polacos começaram a fazer as contas.

Obama e os neoconservadores pensavam que Putin teria-se rendido se for atacado na Ucrânia. Mas estavam clamorosamente errados. A ofensiva americana, pelo contrário, ajudou dezenas de milhões de Russos a tomar consciência da situação e Putin consegue representa-los muito bem. De facto, na Ucrânia a situação entrou numa fase de espera sem fim à vista.

No Oriente Médio a situação não é melhor. A Síria, que parecia condenada, resistiu e agora o governo de Bassad recupera terreno. O Irão mudou os tons, escolheu a via diplomática, subtraindo assim razões de queixa à Washington. Os Países onde passou a vaga da Primavera Árabe ou estão numa situação de caos da qual ninguém consegue trazer benefícios (Líbia) ou abdicaram das soluções impostas pelos americanos (Morsi no Egipto) ou voltaram à normalidade (Tunísia).

Sobra o Iraque (outro fracasso dos EUA), onde agora actuam as tropas americanas na luta contra o "Califado", última esperança para desestabilizar de forma dramática as fronteiras da região. Mas a contra o Isis arrisca ser uma guerra muito dispendiosa, com um final que ainda não foi escrito e, sobretudo, longa. E Washington não tem este tempo todo.

Neste aspecto é importante quanto acontecido com o preço do petróleo: os americanos, na tentativa de pôr de joelhos a Rússia, deram luz verde aos Árabes da Península para uma operação de dumping que ao mesmo tempo, torna anti-económico o gas shale em pátria. Mas nem isso foi suficiente.

Washington sabe que a Rússia é um obstáculo fundamental na guerra não declarada contra a China, o verdadeiro último objectivo. Pelo que as alternativas, e com elas o tempo, estão a esgotar-se. Portanto, a agenda para o próximo futuro é simples: guerra sim ou guerra não.

Não com a actual Presidência. Antes disso, os Estados Unidos terão que resolver alguns problemas internos.
Raridade: um F-35 que voa
A máquina militar, por exemplo.  

O caos no mundo deve ser mantido, porque é aúnica maneira com a qual a estrutura militar americana pode justificar a sua existência. Mas éuma máquina cara e nem particularmente eficiente.

O novo jacto F-35 é paradigmático: custou mais deum trilião de Dólares só na fase dedesenvolvimento, mas nasceu como projecto jáfracassado e nunca deveria ter entrado em produção.

À despeito dessas despesas "pródigas", os militares dos EUA demonstraram não ser capazes de alcançar vitórias decisivas em nenhum conflito, independentemente do adversário. Estes, fracos ou esgotados, conseguem resistir e tornar uma guerra "relâmpago" num conflito perpétuo de baixa intensidade. O Afeganistão é o caso mais emblemático, mas nem podemos esquecer o já citado Iraque, a Somália, a Líbia, as Filipinas.

Pelo que é lícito prever que os últimos meses da Presidência Obama terão entre os vários objectivos também aquele de rever algo na máquina bélica. Uma vez arrumado o assunto, com um Presidente Republicano ou (mais provável) com Hillary Clinton, a discurso será diferente.

Esta a razão pela qual é preciso escolher a Rússia. O País de Putin hoje é o primeiro e mais importantebaluarte para travar os Estados Unidos, que estão a preparar-se para a guerraSe a resistência da Rússiacaísse,  o conflito entre China e EUA seria o seguinte e inevitável passo.
A Rússia

O que é hoje a Rússia? Como afirmado, está longe de ser perfeita. Não podemos esquecer que, como todos os BRICS, falamos dum País que escolheu a economia do "livre mercado", isso é, do Capitalismo. Os "mas" e os "ses" apenas servem para adocicar a pílula aos mais nostálgicos: são economias capitalistas e ponto final.

Mais: o actual sistema político da Rússia não se pode considerar um modelo de Democracia. O mesmo Putin é aquele que em Portugal é definido como "cromo" (não acaso é amigo pessoal de Berlusconi...).
É mesmo o caso?
Mas a Rússia tem enviado sinais moderados e inteligentes nos últimos tempos.

Decidiu não intervir de forma directa no conflito da Ucrânia, mantendo uma postura nos bastidores, tal como feito pelos Estados Unidos. Decidiu não intervir na Crimeia, deixando que fossem as populações (de maioria russa) a viabilizar a anexão. Decidiu fornecer de carvão a Ucrânia, apesar do governo de Kiev tentar tudo e mais alguma coisa para provocar Moscovo.

Ao mesmo tempo, conseguiu defender o Rublo (até a data, pelo menos), tem trabalhado para sair dos esquemas financeiros ocidentais e para uma alternativa euro-asiática, sem que isso prejudicasse as tentativas de diálogo com a Países da Europa Ocidental.

Na prática, a Rússia evita qualquer atitude "belicosa", deixando que seja Washington a esgotar-se nas tentativas hostis. A Rússia pode fazer isso, pois sabe que o entendimento com Pequim avança com bom ritmo e se anuncia cada vez mais promissor. Tem "as costas quentes" e não está disposta a perder o que construiu nas últimas décadas em troca duma aventura sangrenta e do êxito indecifrável. Esta é a razão pela qual é preciso apoiar a Rússia: não será ela a procurar o conflito.

Mais uma vez: nem Moscovo, nem Pequim, nem nenhum dos outros BRICS poderá ser considerado uma alternativa ao actual sistema até quando continuar a utilizar as mesmas ferramentas. O paradigma da mudança ainda não está no horizonte, infelizmente.

Mas no curto e médio prazo, Moscovo é a melhor garantia de Paz.
E isso é mais do que suficiente.


Ipse dixit.
*informaçaoincorrecta

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