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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 28, 2015

É inaceitável que os grandes corruptores continuem tendo suas identidades preservadas e tratados como coadjuvantes, mesmo sendo desde sempre os maiores beneficiários dos esquemas.

Boulos: “Onde estão as manchetes histriônicas sobre a Zelotes? E o som das panelas?”










De Guilherme Boulos, na folha:
Nada parece ser tão compensador quanto ser empresário ladrão no Brasil. Organizam um saque sistemático aos cofres públicos, são pegos com a boca na botija e recebem de troco incrível blindagem midiática.
Falo do maior escândalo de corrupção da história recente do país. Não, não é o da Petrobras. O assim chamado “petrolão”, com todas as suas conexões partidárias –do PT ao PSDB, passando pelo PMDB de Renan Calheiros e Eduardo Cunha–, representou um desvio estimado em R$ 2,1 bilhões, segundo o Ministério Público Federal.
Muito dinheiro, é verdade. E um caso revelador do modus operandi do sistema político brasileiro, fundado no financiamento privado das campanhas eleitorais. Ou, como confessou Paulo Roberto Costa: “Não existem doações de campanha, só empréstimos a juros altos”. Mas, evidentemente, não é por aí que vai a exploração midiática do caso.
O mais impressionante é que, no final de março, há menos de quinze dias, explodiu um escândalo de proporções maiores que o da Petrobras, mas alvo de cuidadosa blindagem. A operação Zelotes da Polícia Federal descobriu um esquema de desvio de recursos públicos por grandes empresas.
Operado através do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), com a mediação de escritórios de advocacia, empresas conseguiam anular ou reverter multas bilionárias com o poder público, mediante propinas a conselheiros. Estão sob investigação mais de 70 companhias, totalizando um desvio de R$ 19 bilhões. Quase dez vezes o valor desviado da Petrobras.
Apenas o montante do maior processo, do banco Santander, é de R$ 3,34 bilhões. O segundo maior, do Bradesco, é de R$ 2,74 bilhões. Cada um deles, sozinho, supera os R$ 2,1 bilhões da Petrobras. Somente os 12 casos em que a Polícia Federal detém provas mais conclusivas –incluindo os dois bancos citados– representam um rombo de R$12 bilhões aos cofres públicos.
Um deles é o do grupo de comunicação RBS, a maior afiliada da Rede Globo, investigada na Zelotes pela fraude num processo de R$ 671 milhões.
Corrupção graúda, protagonizada por magnatas das finanças e do mundo corporativo. Mas onde estão as manchetes histriônicas? E o som das panelas? Seria pedagógico para o país ver multidões de verde e amarelo manifestando-se em frente ao Santander, pedindo nosso dinheiro de volta. Só que não.
Nem no Santander, na Gerdau, no Bradesco e na Ford. Nem no Safra, na Mitsubishi. A Mitsubishi, tão limpinha! Essa é a imagem do setor privado no Brasil, sempre positiva, apresentado como alternativa à roubalheira no setor público.
A preservação desta imagem, mesmo após escândalos como o da Zelotes e do HSBC, só se explica pela blindagem que os grandes grupos econômicos conseguem garantir junto à maior parte da mídia, da qual são também poderosos anunciantes.
É inaceitável que os grandes corruptores continuem tendo suas identidades preservadas e tratados como coadjuvantes, mesmo sendo desde sempre os maiores beneficiários dos esquemas.
São ladrões blindados. Saem da lama limpinhos e cheirosos. E se, por descuido, vier algum respingo à marca, nada que a próxima campanha publicitária –quiçá paga com dinheiro desviado da Receita– não possa resolver.
Denúncias seletivas, indignação seletiva e acusados seletivamente blindados. Essa é a turma que fala em limpar o Brasil da corrupção?
*DCM

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