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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, abril 18, 2015

Se o comando da PM conseguisse ouvir e dialogar com seus críticos, e não trata-los como inimigos comunistas (o que apenas reforça o argumento do coronel Souza), todos teriam a ganhar

A PM-SP revela sua ideologia em nota oficial

violencia policial PM
Para suprimir o debate sobre a desmilitarização, Polícia Militar adota discurso radical e insinua que críticos são comunistas
Em nota oficial enviada ao portal UOL e publicada nesta terça-feira 9, a Polícia Militar de São Paulo deixou claro que seu comando está alinhado ideologicamente com um dos discursos mais extremistas da política brasileira. É uma revelação espantosa, pelo conteúdo, que resvala com o autoritarismo, e pela forma como foi feita.
A nota oficial da PM-SP é uma resposta ao coronel reformado Adilson Paes de Souza, que em entrevista ao portal disse acreditar que a PM-SP trata parte da população brasileira como um potencial inimigo, assim como ocorria na ditadura. O comentário de Souza é uma referência aos altos índices de violência da Polícia Militar, em especial nas regiões periféricas das cidades brasileiras.
A PM-SP rebateu a afirmação de Souza com números de sua atuação (prisões, apreensões, atendimentos sociais e resgates) e afirmou ter uma organização de “polícia comunitária”. Disse possuir programas elogiados de tiro defensivo e combate às drogas e questionou a autoridade de Souza para debater o assunto. Para a PM-SP, o coronel reformado e outros especialistas que criticam a estrutura militar da corporação são comunistas. O termo não está presente no texto, mas fica claro nas entrelinhas. “Muito provavelmente a resposta esteja em outro século e em outro continente, nascida da cabeça de alguém que pregou a difusão de um modelo hegemônico, que se deve construir espalhando intelectuais em partidos, universidades, meios de comunicação. Em seguida, minando estruturas básicas e sólidas de formação moral, como família, escola e religião. Por fim, ruindo estruturas estatais, as instituições democráticas”, diz a PM-SP.
O raciocínio contido neste parágrafo é o mesmo presente nas declarações extremistas ouvidas durante as Marchas da Família do último mês de março, que defenderam um novo golpe militar no Brasil com base em um suposto “perigo comunista”. A mesma tese é defendida pelos parlamentares da família Bolsonaro, conhecidos radicais, e por seu ideólogo, Olavo de Carvalho, o messias da ideia de que o “marxismo cultural” constitui uma força hegemônica na sociedade e política brasileiras. A referência crítica, na nota da PM-SP, ao trabalho do pensador italiano Antonio Gramsci é a conexão óbvia com Carvalho.
Ao ironizar a condição de especialista de Souza e atribuir a ele e outros analistas a pecha de comunistas, o comando da PM-SP tem dois objetivos: deslegitimar seus críticos e suprimir o debate a respeito da desmilitarização da instituição, que entrou na pauta após a dura repressão ocorrida nas manifestações de junho.
O comando da Polícia Militar de São Paulo afirma que age contra policiais bandidos e tem exonerado centenas deles (349 em 2013). Está um tanto claro, entretanto, que este trabalho não é suficiente. Segundo o Núcleo de Estudos da Violência da USP, entre 1993 e 2011 ao menos 22,5 mil pessoas foram mortas em confronto com as polícias de São Paulo e Rio de Janeiro, uma média de três pessoas por dia. A população percebe essa situação. Em 2011, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, em nenhum região do País, mais de 6% da população diz “confiar muito” no trabalho das polícias. Na região Sudeste, o índice fica em 3%.
Há um consenso entre os especialistas, estes que a PM ironiza, de que as causas desses números são a estrutura militar da corporação, a tradição de policiamento agressivo existente no Brasil e a política de tratar problemas sociais, como a questão das drogas, como problema de polícia. Neste contexto, os policiais também são vítimas. Muitas vezes despreparados, como ficou claro nas manifestações de junho, eles vão às ruas para lidar com “inimigos”, exatamente como afirma o coronel Souza na entrevista que gerou indignação do comando da PM-SP.
Quem defende a desmilitarização da polícia, ou ao menos uma profunda reforma na instituição, não deseja acabar com a instituição, demitir todos os policiais e deixar a população desprotegida. Ao contrário, a intenção é justamente tornar mais efetivo e menos letal o policiamento na sociedade brasileira, especialmente quando este divide cidadãos em classes diferentes, com tratamento diversos. Se o comando da PM conseguisse ouvir e dialogar com seus críticos, e não trata-los como inimigos comunistas (o que apenas reforça o argumento do coronel Souza), todos teriam a ganhar.

Confira a íntegra da nota da PM, divulgada pelo UOL:


Leia a matéria completa em: A PM-SP revela sua ideologia em nota oficial - Geledés 
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