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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, abril 23, 2015

Kotscho: "Trabalhar mais e ganhar menos"

Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:

A palavra é feia, mas ainda não inventaram outra melhor para expressar o que ela significa: sistema de aluguel de mão de obra para reduzir os custos das empresas, aumentando a carga de trabalho e diminuindo os salários dos empregados.

Em resumo, é isso. Enquanto todo mundo se distrai com as ações de Levy na economia e Temer na política, a Lava-Jato e os novos rumos dos movimentos pelo impeachment da presidente Dilma, nossos deputados, discretamente, sob o comando do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, estão armando aquilo que o sociólogo Ruy Braga chamou de "maior derrota dos trabalhadores desde o golpe de 1964".

Eu iria um pouco mais longe. Se terminar de ser votada nesta terça-feira, a Lei 4330, que regulamenta a mão de obra terceirizada, significará o enterro da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a grande conquista da Era Vargas, ao garantir os primeiros direitos sociais aos assalariados brasileiros.

Para se ter uma ideia do que está em jogo neste momento, é preciso citar alguns números. Estudos apresentados pelas centrais sindicais, que combatem a nova lei, mostram que os terceirizados trabalham três horas a mais por dia do que os empregados formais para ganhar, em média, um salário 24% menor. A diferença vai, é claro, para os bolsos dos empresários, tanto os que alugam como os que contratam mão de obra terceirizada.

Temos hoje no país 35 milhões de empregados formais e 13 milhões de terceirizados. Caso esta lei seja aprovada na Câmara, e depois no Senado, em pouco tempo a relação será certamente invertida porque nenhuma empresa vai querer pagar mais se pode gastar menos com seus funcionários.

Quando trabalhei no governo, no começo dos anos 2.000, tive um bom exemplo de como isto funciona: os motoristas terceirizados do Palácio do Planalto ganhavam até cinco vezes menos do que seus colegas contratados pela Câmara, do outro lado da praça dos Três Poderes, para executar o mesmo serviço.

Aluguel de mão de obra é mais ou menos a mesma intermediação que os antigos "gatos" faziam ao fornecer "boias-frias" para as lavouras de cana dos fazendeiros paulistas, que combateram Getúlio Vargas desde 1932 e nunca se conformaram com a derrota.

Se Paulo Skaf, presidente da Fiesp, e o deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, estão do mesmo lado, em defesa da Lei 4.330, os trabalhadores brasileiros que vivem de salário podem ter certeza de que coisa boa para eles não é. Terceirização pode ser traduzida por precarização do trabalho.

Na marcha batida para o retrocesso em que caminha o país, a terceirização ora regulamentada é apenas mais um passo, ao lado da redução da maioridade penal, do estatuto da família, do fim do estatuto do desarmamento e da reforma política congressual, que pretende constitucionalizar o financiamento empresarial das campanhas políticas.

Estão agora ameaçadas as conquistas sociais das últimas décadas, destinadas a diminuir a desigualdade e os preconceitos, para tornar o país mais contemporâneo do mundo civilizado. E parece que quase ninguém está se dando conta dos perigos deste processo, de volta à Idade Média.

Vida que segue.

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