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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, junho 17, 2015

ARCEBISPO DESMOND TUTU A CAETANO E GIL: "A NEUTRALIDADE SIGNIFICA TOMAR O PARTIDO DO OPRESSOR".

Depois do grande Roger Waters (vide aqui), agora é o arcebispo emérito da África do Sul, a lenda-viva Desmond Tutu, quem pede para Caetano Veloso e Gilberto Gil não se apresentarem em Israel enquanto o estado judeu seguir ocupando pela força as terras que tomou dos palestinos e continuar submetendo o legítimo dono daqueles territórios a um repulsivo regime de apartheid, que nada fica a dever ao dos antigos africânderes.

Eis a mensagem de Desmond Tutu: 

Caros Caetano e Gil,
Estou escrevendo a vocês para exortá-los a não se apresentarem em Israel enquanto continuar sua ocupação e apartheid contra o povo palestino.

Quando um importante grupo musical sul-africano insistia em ignorar os apelos da sociedade civil palestina para cancelar sua apresentação em Tel Aviv, eu escrevi a eles: "Assim como dissemos durante o apartheid que era inapropriado para artistas internacionais se apresentarem na África do Sul, em uma sociedade fundada em leis discriminatórias e exclusividade racial, também seria errado a Ópera de Cape Town se apresentar em Israel."

Nós, sul-africanos, sofremos décadas de apartheid e podemos reconhecer isso em outros lugares. Eu, pessoalmente, testemunhei a realidade de apartheid que Israel criou dentro de suas fronteiras e nos territórios palestinos ocupados.

Eu vi as ruas ocupadas, colonizadas e racialmente segregadas de Hebron, as colônias exclusivamente judaicas, e eu andei ao lado do Muro que divide famílias palestinas em Belém e impede suas crianças de terem acesso normal à escola. Eu vi o sistema racista de carteiras de identidade, as cores diferentes para placas de carro, e as leis raciais que discriminam contra palestinos. Meus caríssimos Caetano e Gil, eu vi o apartheid israelense em ação.

Mas eu também conheci a luta não violenta do povo palestino para pôr fim ao regime de opressão que lhes nega seus direitos e dignidade. Eles têm apelado ao mundo para pressionar Israel, assim como foi feito contra a África do Sul do apartheid, para acabar com a ocupação e as violações de direito internacional. Eu tenho apoiado seu movimento não violento de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) em busca da justiça, liberdade e igualdade para todos.

Se nós não podemos ao menos atender os apelos da sociedade palestina, abstendo-nos de minar sua resistência pacífica e aspirações por uma vida sem opressão, nós estaremos abandonando nossas obrigações morais. Em situações de opressão, a neutralidade significa tomar o lado do opressor.
Sem o isolamento internacional do regime de apartheid da África do Sul, incluindo o apoio ao boicote cultural, nós não teríamos alcançado a nossa liberdade. Artistas conscientes que se recusaram a se apresentar em Sun City contribuíram para nossa marcha pela liberdade, e nós somos profundamente gratos pela solidariedade deles.

Vocês mesmos nos apoiaram em face do apartheid. Então, vocês também podem apoiar a busca palestina por dignidade e direitos.

A performance de vocês está marcada para o próximo mês, um ano depois dos últimos brutais ataques israelenses à ocupada e sitiada Faixa de Gaza. Milhares de irmãs e irmãos palestinos foram assassinados e muitos mais permanecem sem casa. Naquele momento, eu testemunhei os maiores protestos já vistos na África do Sul desde que libertamos nosso país do apartheid. As ruas de Cape Town foram tomadas por milhares de sul-africanos, homens e mulheres, jovens e velhos, colocando-se em solidariedade com o povo palestino.

Você, Gil, até cantou para nós: "Tornai vermelho todo sangue azul". Você cantou ao "Senhor da selva africana", dizendo que ela era "irmã da selva americana". Eu acrescento: nossas selvas também são irmãs do vale do rio Jordão ocupado, das oliveiras em Jerusalém e dos pomares cítricos da Terra Santa.

Eu rogo a vocês que cancelem sua apresentação em Israel até o momento em que reine a liberdade e sua música não possa ser explorada por um regime opressivo para encobrir e perpetuar a opressão. Só então todos os palestinos -- e israelenses -- poderão viver sem opressão e verdadeiramente desfrutar de sua música.

Deus os abençoe.

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